Vida do Papa São Sérgio I e São Corbiniano: Festa da Natividade da Virgem Maria (8 de setembro)
- Sacra Traditio
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Como o nascimento da Santíssima Virgem Maria é o anúncio jubiloso de que se aproxima a hora da salvação, a Igreja celebra essa festividade com louvores e ações de graças. Aquele nascimento foi um mistério de bem-aventuranças, assinalado com privilégios únicos. Maria veio ao mundo distinta de todos os outros filhos de Adão: não estava desprovida de graça santificante e não tinha inclinação ao pecado, mas era pura, santa, formosa, gloriosa, adornada com todas as graças mais preciosas e convenientes para ela, a eleita para ser Mãe de Deus. Tão logo o homem e a mulher caíram no pecado, tentados por Satanás, e foram expulsos do Paraíso, o próprio Deus lhes prometeu o advento de outra mulher cuja descendência esmagaria a cabeça da serpente. Ao nascer a Virgem Maria, começou a cumprir-se a promessa.
Com o propósito de aprender as lições que nos dá a vida da Virgem Maria, de louvar a Deus pelas graças que lhe concedeu e pelas bênçãos que, por ela, derramou sobre o mundo, bem como de recomendar nossas necessidades a uma advogada tão poderosa, celebramos com a Igreja festas em sua honra. Esta festa de sua natividade celebrou-se pela primeira vez no Oriente. Sabemos com certeza que foi o Papa São Sérgio (687-701 d.C.) quem a introduziu no Ocidente ao estabelecer que se celebrassem em Roma quatro festas em honra de Nossa Senhora: a Anunciação, a Assunção, a Natividade e a “Hypapante”, isto é, a Purificação. É muito provável que em algumas outras partes do Ocidente a Natividade de Maria tenha sido comemorada desde antes. Pelo menos, está claramente anotada no calendário de São Vilibrordo (c. 704), assim como no Hieronymianum (c. 600), o que sugere uma maior antiguidade. O fato de que se comemorasse a Festa do Nascimento de São João Batista nos tempos de Santo Agostinho, provavelmente pelo ano de 401, reforça este ponto de vista. É indubitável que, quando as pessoas souberam de que a decapitação do Batista e seu nascimento celebravam-se separadamente, tiveram a ideia de que o nascimento da Mãe de Deus também deveria ser igualmente celebrado. Em consequência, à Festa da Assunção acrescentou-se a do Nascimento (cf. as Festas da Conceição, de São João e de Nossa Senhora).
Desconhece-se o lugar onde nasceu a Virgem Maria. Uma antiga tradição afirma que foi em Nazaré, e assim se aceita no Ocidente; mas outra tradição aponta Jerusalém, e especificamente o bairro vizinho à Piscina de Betesda. Ali há agora uma cripta sob a igreja de Santa Ana que se venera como o lugar onde nasceu a Mãe de Deus.
Veja-se G. Morin em Revue Bénédictine, vol. V (1888), pp. 257-264, e o vol. VI (1890), pp. 260-271; e o vol. XIX (1912), pp. 469-470. Veja-se também K. A. Kellner, em Heortology (1908), pp. 230-231; L. Duchesne, Christian Worship (1919), pp. 269-272; sobre o lugar do nascimento veja Analecta Bollandiana, vol. LXI (1944), pp. 272-273.
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Durante a prolongada enfermidade do Papa Cónon, seu arcediácono, Pascoal [que se tornaria o antipapa Pascoal I, 18.º da história], ofereceu uma enorme soma como suborno a João, o exarca imperial, a fim de que lhe assegurasse a sucessão no trono de São Pedro. Em 687, quando finalmente morreu Cónon, o exarca cumpriu sua palavra, lançou a nomeação de Pascoal e o apoiou com um partido, cuja maioria dos membros se opunha à candidatura do arcipreste Teodoro [conhecido como antipapa Teodoro II, 19.º da história]; mas, afinal, ambos os candidatos ficaram frustrados e o sacerdote Sérgio foi canonicamente eleito. O exarca João, que viajou a Roma para cuidar de seus interesses, concordou em dar sua aprovação à eleição de Sérgio, mas não sem antes ter recebido deste a mesma soma de dinheiro que lhe havia oferecido Pascoal. Não se tratava aí de simonia, mas de extorsão: Sérgio havia sido livre e legalmente eleito e, ao ver-se obrigado a pagar, fê-lo sob enérgicas protestas. O homem que chegou a Papa em tão desastrosas circunstâncias era um sírio, filho de um comerciante de Antioquia e educado em Palermo.
Os primeiros anos de seu pontificado foram perturbados pelos distúrbios causados pelo Concílio in Trullo (Concilium Quinisextum) convocado em Constantinopla com o propósito de completar as Atas do Quinto e Sexto Concílios Ecumênicos com alguns cânones sobre disciplina. Estiveram presentes duzentos bispos, todos orientais, à exceção de um, para aprovar 102 cânones, muitos dos quais pareciam contrários, quando não hostis, às doutrinas e políticas da Igreja do Ocidente. O pior daquela assembleia foi que ela se arrogou o direito de aprovar decretos, não só para a Igreja do Oriente, mas também para a do Ocidente; em consequência, quando o imperador Justiniano II enviou a Roma as Atas do Concílio para que o Papa as assinasse, Sérgio recusou-se a fazê-lo [principalmente as resoluções relativas à supressão do celibato eclesiástico]. De modo que o imperador, no ano 693, enviou sua guarda pessoal, com um certo Zacarias à frente, para que prendessem o pontífice recalcitrante e o conduzissem, à força, a Constantinopla. O Papa Sérgio apelou ao exarca, ao mesmo tempo em que os cidadãos de Roma, reforçados pelas tropas vindas de Ravena, reuniram uma força considerável e fizeram uma demonstração muito impressionante, sobretudo para Zacarias, que se aterrorizou a tal ponto que foi implorar proteção a Sérgio e correu a esconder-se debaixo da cama do Papa. Este, por sua vez, saiu para tranquilizar o povo, mas ninguém quis abandonar seu posto perto do Santo Padre até que o “valente” soldado Zacarias deixou seu refúgio e, à frente de seus guardas, partiu da cidade rumo a Constantinopla. Não há dúvida de que o assunto teria acarretado graves consequências para o Papa Sérgio, se não tivesse ocorrido o oportuno derrubamento do imperador Justiniano II pouco tempo depois. Nem aquele Pontífice, nem nenhum de seus sucessores, fizeram algo mais a respeito dos cânones do Quinisextum do que aprová-los tacitamente para a Igreja do Oriente.

Durante o reinado daquele Pontífice, chegou a Roma Cadwalla, rei dos saxões ocidentais, que havia “abdicado do trono para pôr-se a serviço do Senhor e de seu reino eterno”. Foi São Sérgio quem o batizou na vigília da Páscoa do ano 689; cinco anos depois, consagrou bispo da Nortúmbria outro famoso inglês, São Vilibrordo, e o alentou e ajudou para que levasse a cabo sua missão na Frísia. Do mesmo modo, foi São Sérgio quem recebeu uma delegação de monges enviados por São Ceolfrido, aos quais concedeu a confirmação de privilégios em suas abadias de Wearmouth e Jarrow; em 701, escreveu pessoalmente a São Ceolfrido para pedir-lhe que enviasse a “esse piedoso servo de Deus, Beda, sacerdote de vosso mosteiro”, a Roma, porque o Pontífice necessitava do conselho de homens sábios. São Sérgio prometia que Beda seria “devolvido” em seguida, mas o certo é que ele não foi a Roma e o próprio São beda nos diz que nunca deixou seu mosteiro. Sérgio era aluno da schola cantorum romana e sempre manteve um interesse ativo na liturgia e sua música; em particular, como assinala o Liber Pontificalis, preocupou-se em dar instruções para que o Agnus Dei “fosse cantado pelos clérigos e pelo povo, ao fracionar-se a hóstia” durante a missa. Também foi São Sérgio quem dispôs que a Igreja romana celebrasse as quatro festas de Nossa Senhora que já se observavam em Constantinopla: a Natividade da Virgem Maria, sua Purificação, a Anunciação e a “Dormição”.
Quanto ao seu caráter pessoal, só se pode julgar São Sérgio por seus atos públicos e pelas tradições da Igreja, nas quais aparece, como disse Alcuíno, como um santo e digníssimo sucessor de São Pedro, notável por sua piedade. Morreu no ano de 701 e foi sepultado em São Pedro.
Uma nota que diz: “Sergii Papae Romae”, sob o dia 7 de setembro na edição original do calendário de São Vilibrordo, serve como um terminus a quo pelo qual se estabelece a data do documento e prova que o culto ao santo começou imediatamente após a morte do Pontífice. O Liber Pontificalis, com as notas de Duchesne, e as cartas colecionadas por Jaffé são fontes de informação de primeira importância. Mas São Sérgio é uma personagem da história da Igreja. Convém ver, entretanto, o Acta Sanctorum, set., vol. III; o Geschichte Roms und der Päpste, de Grisar e, especialmente, Lives of the Popes, vol. I, parte 2, pp. 77-104, de Mons. Mann. [2]

Este apóstolo da Baviera, um dos primeiros que pregou o Evangelho naquelas regiões, nasceu em Chartres, perto de Melun, na França. Na pia batismal recebeu o nome de seu pai: Waldegiso, mas depois sua mãe o mudou pelo dela: Corbiniano. Durante catorze anos, viveu como eremita numa cela que ele mesmo construiu junto a uma capela, na região onde nasceu. A fama de seu nome, aumentada pela realização de diversos milagres e pela prudência dos conselhos que dava em questões espirituais, tornou-o célebre em várias léguas ao redor e pôde admitir algumas das muitas pessoas que lhe pediam em uma comunidade religiosa sob seu governo. As distrações que lhe proporcionava aquela tarefa o fizeram pensar em retirar-se para outro lugar onde pudesse permanecer só e ignorado; mas antes de buscar um retiro, decidiu fazer uma peregrinação a Roma. Ao cruzar os Alpes pelo passo de Brennero, ocorreu o lendário incidente que deu ao santo o emblema de um urso; pois foi um urso que atacou a caravana e matou o cavalo que carregava os fardos. Corbiniano ordenou então a seu criado que colocasse as rédeas e o freio do cavalo morto no focinho do urso e a carga sobre seus lombos. Assim se fez, sem que a besta oferecesse resistência alguma, e prosseguiu-se a marcha até chegar a Roma, com o urso domesticado, mas não sem que antes, ao passar por Trento, um senhor do lugar lhe roubasse seu melhor cavalo e, em Pavia, outro senhor o despojasse do único bom animal que lhe restava. Não passou muito tempo sem que os dois ladrões pagassem sua culpa, pois o senhor de Trento morreu subitamente e o de Pavia perdeu quarenta e dois animais de suas cavalariças por causa de uma epidemia de elefantíase. O Papa São Gregório II enviou Corbiniano, que já devia ser bispo então, a pregar na Baviera. Ao chegar ao seu destino, o santo colocou-se sob a proteção do duque Grimoaldo. Depois de aumentar consideravelmente o número de cristãos, estabeleceu sua sé em Freising, na Alta Baviera, que, no entanto, não chegou a ser uma sé episcopal regular até o ano de 739, quando foi ocupada por São Bonifácio.

São Corbiniano descobriu que seu protetor, o duque Grimoaldo, apesar de proclamar-se cristão, havia quebrado as leis da disciplina da Igreja ao casar-se com a viúva de seu irmão, a formosa Biltrudis. O santo bispo rompeu absolutamente todas as suas relações com o duque, até que conseguiu a separação dos cônjuges. [a] Mas Biltrudis não lhe perdoou e, desde aquele momento, lançou contra o bispo, sem poupar meios, uma implacável perseguição, com a esperança de voltar ao lado do duque. A perseguição começou com uma campanha de acusações falsas (como a de estrangeiro pernicioso, espião, intrometido bispo inglês), destinadas a desacreditar o santo, e culminou com uma conspiração em toda forma para assassiná-lo. Corbiniano refugiou-se em Meran e aí permaneceu como exilado voluntário em sinal de protesto, até que o duque Grimoaldo (que havia voltado a unir-se a Biltrudis) foi morto em batalha e a dama raptada pelos francos. O sucessor de Grimoaldo protegeu efetivamente o bispo, que pôde continuar com sucesso seu trabalho missionário em toda a Baviera.
À sua morte, São Corbiniano foi sepultado num mosteiro que ele mesmo havia fundado em Obermais, na região de Meran, mas seus restos foram trasladados a Freising, no ano de 795, por Aribo, seu sucessor e biógrafo. Aribo diz que São Corbiniano era um homem de caráter violento, que se inflamava com rapidez e, como exemplo, cita a ocasião em que cavalgava pelas ruas de Freising e cruzou-se com uma mulher que tinha fama de praticar magia negra e levava um grande pacote de carne fresca; o bispo perguntou o que ia fazer, e disseram-lhe que tentaria curar um enfermo com suas artes. Corbiniano saltou do cavalo, alcançou a mulher, lhe aplicou uma soberana surra e distribuiu a carne entre os pobres.
Contamos com uma excelente biografia de São Corbiniano escrita na Idade Média por Árbeo ou Aribo, que viveu pouco tempo depois e foi seu sucessor na sé de Freising. Posteriormente, essa biografia foi complementada com incidentes lendários, como o episódio do urso, por exemplo. Bruno Krusch editou o texto original nos volumes quarto e quinto de MGH, Scriptores Merov., em um livrinho muito cômodo de ler que se usa nas escolas. Ver também o Acta Sanctorum, set., vol. III.

Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 508-509.
Ibid. pp. 516-517.
Ibid. pp. 517-519.
Notas:
a. O Concílio de Elvira (c. 300–303 d.C.), realizado em Illiberis (atual Granada, Espanha), estabeleceu normas disciplinares para a Igreja primitiva. Entre essas normas, o Cânon 71 proíbe o casamento com a enteada, considerando-o incestuoso e impedindo a participação na comunhão, mesmo antes da morte:
“Um homem que se casa com sua enteada é culpado de incesto e não podem comungar, mesmo antes da morte” (Concílio de Elvira, Cânon 71).
O texto completo dos cânones pode ser consultado em PDF aqui.
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