Vida de Santo Agostinho de Hipona e São Moisés, o Negro (28 de agosto)
- Sacra Traditio
- 28 de ago.
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Atualizado: há 2 dias

Santo Agostinho nasceu em 13 de novembro do ano 354 em Tagaste. Essa pequena povoação do norte da África estava bastante próxima da Numídia, porém relativamente distante do mar, de modo que Agostinho não o conheceu senão muito depois. Seus pais tinham certa posição, mas não eram ricos. O pai de Agostinho, Patrício, era um pagão de temperamento violento; mas, graças ao exemplo e à prudente conduta de sua esposa, Mônica, foi batizado pouco antes de morrer. Agostinho tinha vários irmãos; ele mesmo fala de Navigio, que deixou vários filhos ao morrer, e de uma irmã que consagrou sua virgindade ao Senhor. Embora Agostinho tenha sido admitido no catecumenato desde a infância, não recebeu então o batismo, conforme o costume da época. Na juventude deixou-se arrastar pelos maus exemplos e, até os trinta e dois anos, levou uma vida licenciosa, preso à heresia maniqueísta. Disso fala longamente em suas “Confissões”, que compreendem a descrição de sua conversão e a morte de Mônica. Essa obra, que deleita “as pessoas ansiosas de conhecer a vida alheia, mas pouco solícitas em corrigir a própria”, não foi escrita para satisfazer tal curiosidade malsã, mas para mostrar a misericórdia de Deus para com um pecador e para que os contemporâneos do autor não o estimassem mais do que valia. Mônica havia ensinado seu filho a rezar desde pequeno e o havia instruído na fé, de modo que o próprio Agostinho, quando caiu gravemente enfermo, pediu para receber o batismo e Mônica fez todos os preparativos para que o recebesse; mas a saúde do jovem melhorou e o batismo foi adiado. O santo condenou mais tarde, com muita razão, o costume de adiar o batismo por medo de pecar depois de recebê-lo. Mas não é menos lamentável a naturalidade com que, em nossos dias, vemos os pecados cometidos depois do batismo, que são uma verdadeira profanação desse sacramento.
“Meus pais me colocaram na escola para que aprendesse coisas que na infância me pareciam totalmente inúteis e, se eu me mostrava negligente nos estudos, me castigavam com varas. Tal era o método ordinário de meus pais e os que antes de nós haviam seguido esse caminho nos haviam legado essa pesada herança”. Agostinho dava graças a Deus porque, se bem que as pessoas que o obrigavam a aprender só pensavam nas “riquezas que passam” e na “glória perecível”, a Divina Providência se valeu do erro deles para fazê-lo aprender coisas que lhe seriam muito úteis e proveitosas na vida. O santo se repreendia por ter estudado muitas vezes apenas por medo do castigo e por não ter escrito, lido e aprendido as lições como devia, desobedecendo assim a seus pais e mestres. Algumas vezes pedia a Deus com grande fervor que o livrasse do castigo na escola; seus pais e mestres riam de seu medo. Agostinho comenta: “Nos castigavam porque jogávamos; contudo, eles faziam exatamente o mesmo que nós, ainda que seus jogos recebessem o nome de ‘negócios’. — Refletindo bem, é impossível justificar os castigos que me impunham por brincar, alegando que o jogo me impedia de aprender rapidamente as artes que, mais tarde, só me serviriam para brincar de jogos piores”. O santo acrescenta: “Ninguém faz bem o que faz contra a sua vontade” e observa que o mesmo mestre que o castigava por uma falta sem importância, “nas disputas com outros professores mostrava-se menos senhor de si e mais invejoso do que uma criança vencida no jogo por outra”. Agostinho estudava com gosto o latim, que aprendera nas conversas com as criadas de sua casa e com outras pessoas; não o latim “que ensinam os professores das classes inferiores, mas o que ensinam os gramáticos”. Desde pequeno detestava o grego e nunca chegou a gostar de Homero, porque jamais conseguiu entendê-lo bem. Em compensação, muito cedo tomou gosto pelos poetas latinos.

Agostinho foi a Cartago no final do ano 370, quando acabara de completar dezessete anos. Logo se destacou na escola de retórica e se entregou ardentemente ao estudo, embora o fizesse sobretudo por vaidade e ambição. Pouco a pouco deixou-se arrastar a uma vida licenciosa, mas ainda assim conservava certa decência de alma, como reconheciam seus próprios companheiros. Não tardou em estabelecer relações amorosas com uma mulher e, embora fossem relações ilegítimas, soube permanecer-lhe fiel até que a enviou a Milão, em 385. Com ela teve um filho, chamado Adeodato, no ano 372. O pai de Agostinho morreu em 371. Agostinho prosseguiu seus estudos em Cartago. A leitura do “Hortênsio” de Cícero o desviou da retórica para a filosofia. Também leu as obras dos escritores cristãos, mas a simplicidade de seu estilo o impedia de compreender sua humildade e penetrar seu espírito. Por esse tempo Agostinho caiu no maniqueísmo. Isso foi, por assim dizer, uma doença de uma alma nobre, angustiada pelo “problema do mal”, que procurava resolver mediante um dualismo metafísico e religioso, afirmando que Deus era o princípio de todo bem e a matéria o princípio de todo mal. A má vida traz sempre consigo certa obscuridade do entendimento e certa fraqueza da vontade; esses males, unidos ao orgulho, fizeram com que Agostinho professasse o maniqueísmo até os vinte e oito anos. O santo confessa: “Buscava eu pelo orgulho o que só podia encontrar pela humildade. Inchado de vaidade, abandonei o ninho, julgando-me capaz de voar, e só consegui cair por terra”.
Santo Agostinho dirigiu durante nove anos sua própria escola de gramática e retórica em Tagaste e Cartago. Entretanto, Mônica, confiada nas palavras de um santo bispo que lhe havia anunciado que “o filho de tantas lágrimas não podia perder-se”, não cessava de procurar convertê-lo por meio da oração e da persuasão. Depois de uma discussão com Fausto, o chefe dos maniqueus, Agostinho começou a desiludir-se da seita. No ano 383, partiu furtivamente para Roma, temendo que sua mãe procurasse retê-lo na África. Na Cidade Eterna abriu uma escola, mas, descontente com o perverso costume dos estudantes, que mudavam frequentemente de mestre para não pagar seus serviços, decidiu emigrar para Milão, onde obteve o cargo de professor de retórica. Ali foi muito bem acolhido, e o bispo da cidade, Santo Ambrósio, lhe deu certas mostras de respeito. Por sua parte, Agostinho tinha curiosidade em conhecer a fundo o bispo, não tanto porque pregasse a verdade, mas porque era um homem famoso por sua erudição. Assim, assistia frequentemente aos sermões de Santo Ambrósio, para satisfazer sua curiosidade e deleitar-se com sua eloquência. Os sermões do santo bispo eram mais inteligentes que os discursos do herege Fausto e começaram a produzir impressão na mente e no coração de Agostinho, que, ao mesmo tempo, lia as obras de Platão e Plotino. “Platão me levou ao conhecimento do verdadeiro Deus e Jesus Cristo me mostrou o caminho”. Santa Mônica, que o havia seguido a Milão, queria que Agostinho se casasse; por outro lado, a mãe de Adeodato retornou à África e deixou o menino com o pai. Mas nada disso conseguiu mover Agostinho a casar-se ou a observar a continência, e a luta moral, espiritual e intelectual continuou sem mudanças.
Agostinho compreendia a excelência da castidade pregada pela Igreja católica, mas a dificuldade de praticá-la o fazia vacilar em abraçar definitivamente o cristianismo. Por outra parte, os sermões de Santo Ambrósio e a leitura da Bíblia o haviam convencido de que a verdade estava na Igreja, mas ainda resistia em cooperar com a graça de Deus. O santo o expressa assim:
“Desejava e ansiava a libertação; no entanto, continuava atado ao chão, não por correntes exteriores, mas pelos ferros da minha própria vontade. O Inimigo havia se apossado da minha vontade e a tinha convertido em uma corrente que me impedia todo movimento, porque da perversão da vontade havia nascido a luxúria, e da luxúria o costume, e o costume ao qual eu não havia resistido havia criado em mim uma espécie de necessidade cujos elos, unidos uns aos outros, me mantinham em cruel escravidão. E já não tinha a desculpa de adiar minha entrega a Ti alegando que ainda não havia descoberto plenamente a tua verdade, porque agora já a conhecia e, no entanto, continuava acorrentado... Nada podia responder-te quando me dizias: “Levanta-te do sono e ressuscita dentre os mortos e Cristo te iluminará”... Nada podia responder-te, repito, apesar de já estar convencido da verdade da fé, senão palavras vãs e preguiçosas. Assim, pois, eu dizia: “Farei isso em breve, pouco a pouco; dá-me mais tempo”. Mas esse “em breve” nunca chegava, as demoras se prolongavam, e o “pouco tempo” se convertia em muito tempo”.

O relato que São Simpliciano lhe havia feito da conversão de Victorino, o professor romano neoplatônico, impressionou-o profundamente. Pouco depois, Agostinho e seu amigo São Alípio receberam a visita de Ponticiano, um africano. Vendo as epístolas de São Paulo sobre a mesa de Agostinho, Ponticiano lhes falou da vida de Santo Antão e ficou muito surpreso ao saber que não conheciam o santo. Depois lhes contou a história de dois homens que se haviam convertido pela leitura da vida de Santo Antão. As palavras de Ponticiano comoveram muito a Agostinho, que viu com perfeita clareza as deformidades e manchas de sua alma. Em suas precedentes tentativas de conversão, Agostinho havia pedido a Deus a graça da continência, mas com certo temor de que lhe fosse concedida cedo demais: “Na aurora da minha juventude, eu havia pedido a castidade, mas só pela metade, porque sou um miserável. Eu dizia, pois: “Concede-me a graça da castidade, mas ainda não”; porque eu tinha medo de que me ouvisses cedo demais e me libertasses dessa enfermidade, e o que eu queria era que minha luxúria fosse satisfeita e não extinta”. Envergonhado de ter sido tão fraco até então, Agostinho disse a Alípio logo que partiu Ponticiano: “Que estamos fazendo? Os ignorantes arrebatam o Reino dos Céus e nós, com toda a nossa ciência, ficamos para trás covardemente, revolvendo-nos no pecado. Temos vergonha de seguir o caminho pelo qual os ignorantes já nos precederam, quando, ao contrário, deveríamos nos envergonhar de não avançar por ele”.
Agostinho levantou-se e saiu ao jardim. Alípio o seguiu, surpreso com suas palavras e sua conduta. Ambos se sentaram no canto mais afastado da casa. Agostinho era presa de um violento conflito interior, dilacerado entre o chamado do Espírito Santo à castidade e a deleitosa lembrança de seus excessos. Levantando-se do lugar onde estava sentado, foi deitar-se debaixo de uma árvore, clamando: “Até quando, Senhor? Estarás sempre irado? Esquece os meus antigos pecados!” E repetia com grande aflição: “Até quando? Até quando? Até amanhã? Por que não hoje? Por que não por fim colocar um termo às minhas iniquidades neste momento?” Enquanto repetia isto e chorava amargamente, ouviu a voz de uma criança que cantava na casa vizinha uma canção que dizia: “Tolle lege, tolle lege” (Toma e lê, toma e lê). Agostinho começou a perguntar a si mesmo se as crianças costumavam repetir essas palavras em algum jogo, mas não pôde recordar-se de nenhum em que isso acontecesse. Então lhe veio à memória que Santo Antão havia se convertido ao ouvir a leitura de uma passagem do Evangelho. Interpretou, pois, as palavras da criança como um sinal do Céu, deixou de chorar e dirigiu-se ao lugar onde estava Alípio com o livro das Epístolas de São Paulo. Imediatamente o abriu e leu em silêncio as primeiras palavras que caíram sob seus olhos:
“Não em rixas e em bebedeiras, não em luxúrias e impurezas, não em ambições e invejas: revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis satisfazer os desejos da carne”.
Esse texto fez desaparecer as últimas dúvidas de Agostinho, que fechou o livro e relatou serenamente a Alípio tudo o que acontecera. Alípio leu então o seguinte versículo de São Paulo: “Tomai convosco os que são fracos na fé”. Aplicando o texto a si mesmo, seguiu Agostinho na conversão. Ambos se dirigiram imediatamente para narrar o sucedido a Santa Mônica, a qual louvou a Deus “que é capaz de saciar os nossos desejos de uma forma que supera todo o imaginável”. A cena que acabamos de referir teve lugar em setembro de 386, quando Agostinho tinha trinta e dois anos.
O santo renunciou imediatamente ao magistério e se transferiu para uma casa de campo em Casicíaco, perto de Milão, que lhe havia emprestado seu amigo Verecundo. Santa Mônica, seu irmão Navigio, seu filho Adeodato, São Alípio e alguns outros amigos o seguiram nesse retiro, onde viveram em uma espécie de comunidade. Agostinho se consagrou à oração e ao estudo, e até este era uma forma de oração pela devoção que nele colocava. Entregue à penitência, à vigilância diligente de seu coração e de seus sentidos, dedicado a orar com grande humildade, o santo se preparou para receber a graça do batismo, que havia de convertê-lo em uma nova criatura, ressuscitada com Cristo.
“Tarde demais, tarde demais comecei a amar-te. Beleza sempre antiga e sempre nova, tarde demais comecei a amar-te! Tu estavas comigo e eu não estava contigo. Eu estava longe, correndo atrás da beleza criada por Ti; as coisas que haviam recebido de Ti o ser me mantinham longe de Ti. Mas Tu me chamaste, chamaste com gritos, e acabaste por vencer a minha surdez. Tu me iluminaste e a tua luz acabou por penetrar nas minhas trevas. Agora que provei da tua doçura, estou faminto de Ti. Tocaste-me, e meu coração deseja ardentemente os teus abraços”.
Os três diálogos “Contra os Acadêmicos”, “Sobre a vida feliz” e “Sobre a ordem” se baseiam nas conversas que Agostinho teve com seus amigos nesses sete meses.

Na véspera da Páscoa do ano 387, Santo Agostinho recebeu o batismo, junto com Alípio e seu querido filho Adeodato, que tinha então quinze anos e morreu pouco depois. No outono desse ano, Agostinho resolveu retornar à África e foi embarcar em Óstia com sua mãe e alguns amigos. Santa Mônica morreu ali em novembro de 387. Agostinho consagra seis comoventes capítulos das “Confissões” à vida de sua mãe. Viajou a Roma alguns meses depois e, em setembro de 388, embarcou para a África. Em Tagaste viveu quase três anos com seus amigos, esquecido do mundo e a serviço de Deus com o jejum, a oração e as boas obras. Além de meditar sobre a lei de Deus, Agostinho instruía seus próximos com seus discursos e escritos. O santo e seus amigos haviam posto todas as suas propriedades em comum e cada um as utilizava segundo suas necessidades. Embora Agostinho não pensasse no sacerdócio, foi ordenado no ano 391 pelo bispo de Hipona, Valério, que o tomou como assistente. Assim, o santo se transferiu para essa cidade e estabeleceu uma espécie de mosteiro em uma casa próxima à igreja, como o havia feito em Tagaste. São Alípio, São Evódio, São Posídio e outros faziam parte da comunidade e viviam “segundo a regra dos santos Apóstolos”. O bispo, que era grego e tinha ainda certo impedimento de língua, nomeou Agostinho como pregador. No Oriente era muito comum o costume de que os bispos tivessem um pregador, a cujos sermões assistiam; mas no Ocidente isso constituía uma novidade. Mais ainda, Agostinho obteve permissão de pregar mesmo na ausência do bispo, o que era inusitado. Desde então, o santo não deixou de pregar até o fim de sua vida. Conservam-se quase quatrocentos sermões de Santo Agostinho, a maioria dos quais não foram escritos diretamente por ele, mas tomados por seus ouvintes. Na primeira época de sua pregação, Agostinho se dedicou a combater o maniqueísmo e os inícios do donatismo e conseguiu extirpar o costume de realizar festejos nas capelas dos mártires. O santo pregava sempre em latim, apesar de que os camponeses de certos distritos da diocese só falavam púnico e era difícil encontrar sacerdotes que lhes pregassem em sua língua.
No ano 395, Santo Agostinho foi consagrado bispo coadjutor de Valério. Pouco depois morreu este último e o santo lhe sucedeu na sé de Hipona. Procedeu imediatamente a estabelecer a vida comum regular em sua própria casa e exigiu que todos os sacerdotes, diáconos e subdiáconos que viviam com ele renunciassem às suas propriedades e se submetessem às regras. Por outro lado, não admitia às ordens senão aqueles que aceitavam essa forma de vida. São Posídio, seu biógrafo, conta que as vestes e os móveis eram modestos mas decentes e limpos. Os únicos objetos de prata que havia na casa eram as colheres; os pratos eram de barro ou de madeira. O santo era muito hospitaleiro, mas a comida que oferecia era frugal; o uso moderado do vinho não estava proibido. Durante as refeições, lia-se algum livro para evitar conversas frívolas. Todos os clérigos comiam em comum e se vestiam do fundo comum. Como disse o Papa Pio XI, “Santo Agostinho adotou com fervor e contribuiu para regularizar a forma de vida comum que a Igreja primitiva havia aprovado como instituída pelos Apóstolos”. O santo fundou também uma comunidade feminina. À morte de sua irmã, que foi a primeira “abadessa”, escreveu uma carta sobre os primeiros princípios ascéticos da vida religiosa. Nessa epístola e em dois sermões encontra-se compreendida a chamada “Regra de Santo Agostinho”, que constitui a base das constituições de tantos cônegos e cônegas regulares. O santo bispo empregava as rendas de sua diocese, como havia feito antes com seu patrimônio, no socorro dos pobres. Posídio refere que, em várias ocasiões, mandou fundir os vasos sagrados para resgatar cativos, como antes o havia feito Santo Ambrósio. Santo Agostinho menciona em várias de suas cartas e sermões o costume que havia imposto a seus fiéis de vestir uma vez ao ano os pobres de cada paróquia e, algumas vezes, chegava até a contrair dívidas para ajudar os necessitados. Sua caridade e zelo pelo bem espiritual de seus próximos eram ilimitados. Assim, dizia a seu povo, como um novo Moisés ou um novo São Paulo: “Não quero salvar-me sem vós”. “Qual é o meu desejo? Para que sou bispo? Para que vim ao mundo? Só para viver em Jesus Cristo, para viver n’Ele convosco. Essa é minha paixão, minha honra, minha glória, minha alegria e minha riqueza”.
Poucos homens possuíram um coração tão afetuoso e fraternal como o de Santo Agostinho. Mostrava-se amável com os infiéis e frequentemente os convidava a comer com ele; em contrapartida, recusava-se a comer com os cristãos de conduta publicamente escandalosa e lhes impunha com severidade as penitências canônicas e as censuras eclesiásticas. Embora jamais esquecesse a caridade, a mansidão e as boas maneiras, opunha-se a todas as injustiças sem acepção de pessoas. Santo Agostinho se queixava de que o costume havia tornado tão comuns certos pecados que, em caso de opor-se abertamente a eles, faria mais mal que bem e seguia fielmente as três regras de Santo Ambrósio: não se meter a fazer casamentos, não incitar ninguém a entrar na carreira militar e não aceitar convites em sua própria cidade para não se ver obrigado a sair demasiadamente. Geralmente, a correspondência dos grandes homens é muito interessante pela luz que lança sobre sua vida e seu pensamento íntimos. Assim sucede, particularmente, com a correspondência de Santo Agostinho. Na carta quinquagésima quarta, dirigida a Januário, louva a comunhão diária, contanto que seja recebida dignamente, com a humildade com que Zaqueu recebeu Cristo em sua casa; mas também louva o costume dos que, seguindo o exemplo do humilde centurião, só comungam aos sábados, domingos e dias de festa, para fazê-lo com maior devoção. Na carta a Ecdícia explica as obrigações da mulher em relação a seu esposo, dizendo-lhe que não se vista de negro, já que isso desagrada ao marido, e que pratique a humildade e a alegria cristãs vestindo-se ricamente para agradar ao esposo. Também a exorta a seguir o parecer do marido em todas as coisas razoáveis, particularmente na educação de seu filho, na qual deve deixar-lhe a iniciativa. Em outras cartas, o santo fala do respeito, do afeto e da consideração que o marido deve à mulher. A modéstia e humildade de Santo Agostinho se mostram em sua discussão com São Jerônimo sobre a interpretação da Epístola aos Gálatas. Em consequência da perda de uma carta, São Jerônimo, que não era muito paciente, se deu por ofendido. Santo Agostinho lhe escreveu: “Rogo-vos que não deixeis de corrigir-me com toda confiança sempre que creiais que necessito; porque, embora a dignidade do episcopado supere a do sacerdócio, Agostinho é inferior em muitos aspectos a Jerônimo”. O santo bispo lamentava a acritude da controvérsia que sustentaram São Jerônimo e Rufino, pois temia nesses casos que os adversários sustentassem sua opinião mais por vaidade do que por amor à verdade. Como ele mesmo escrevia, “sustentam sua opinião porque é a própria, não porque seja a verdadeira; não buscam a verdade, mas o triunfo”.

Durante os trinta e cinco anos de seu episcopado, Santo Agostinho teve que defender a fé católica contra muitas heresias. Uma das principais foi a dos donatistas, que sustentavam que a Igreja católica havia deixado de ser a Igreja de Cristo por manter a comunhão com os pecadores e que os hereges não podiam conferir validamente nenhum sacramento. Os donatistas eram muito numerosos na África, onde não recuaram diante do assassinato de católicos e de todas as outras formas de violência. No entanto, graças à ciência e ao infatigável zelo de Santo Agostinho e à sua santidade de vida, os católicos ganharam terreno paulatinamente. Isso exasperou tanto os donatistas, que alguns deles afirmavam publicamente que quem assassinasse o santo prestaria um serviço insigne à religião e alcançaria grande mérito diante de Deus. No ano 405, Santo Agostinho teve que recorrer à autoridade pública para defender os católicos contra os excessos dos donatistas e, nesse mesmo ano, o imperador Honório publicou severos decretos contra eles. O santo desaprovou a princípio tais medidas, embora mais tarde tenha mudado de opinião, exceto quanto à pena de morte. Em 411, realizou-se em Cartago uma conferência entre católicos e donatistas que foi o início da decadência do donatismo. Mas, pela mesma época, começou a grande controvérsia pelagiana.
Pelágio era originário da Grã-Bretanha. São Jerônimo o descrevia como “um homem alto e gordo, repleto de aveia da Escócia”. Alguns historiadores afirmam que era irlandês. Em todo caso, o certo é que havia rejeitado a doutrina do pecado original e afirmava que a graça não era necessária para salvar-se; como consequência de sua opinião sobre o pecado original, sustentava que o batismo era um mero título de admissão no Céu. Pelágio passou de Roma para a África no ano 411, junto com seu amigo Celéstio, e nesse mesmo ano o Sínodo de Cartago condenou pela primeira vez sua doutrina. Santo Agostinho não assistiu ao Concílio, mas desde esse momento começou a combater o pelagianismo em suas cartas e sermões. No fim do mesmo ano, o tribuno São Marcelino o convenceu a escrever seu primeiro tratado contra os pelagianos. Contudo, o santo não nomeou nele os autores da heresia, na esperança de assim conquistá-los, e ainda tributou certas honras a Pelágio: “Segundo ouvi dizer, é um homem santo, muito exercitado na virtude cristã, um homem bom e digno de louvor”. Infelizmente, Pelágio se obstinou em seus erros. Santo Agostinho o perseguiu implacavelmente em toda a série de disputas, subterfúgios e condenações que se seguiram. Depois de Deus, a Igreja deve a Santo Agostinho o triunfo sobre o pelagianismo. Após o saque de Roma por Alarico, no ano 410, os pagãos renovaram seus ataques contra o cristianismo, atribuindo-lhe todas as calamidades do Império. Para responder a esses ataques, Santo Agostinho começou a escrever sua grande obra, “A Cidade de Deus”, no ano de 413, e só a terminou em 426. “A Cidade de Deus” é, depois das “Confissões”, a obra mais conhecida do santo. Não se trata simplesmente de uma resposta aos pagãos, mas de toda uma filosofia da história providencial do mundo.
Nas “Confissões” Santo Agostinho havia exposto com a mais sincera humildade e contrição os excessos de sua conduta. Aos setenta e dois anos, nas “Retratações”, expôs com a mesma sinceridade os erros que havia cometido em seus juízos. Nessa obra revisou todos os seus numerosíssimos escritos e corrigiu leal e severamente os erros que havia cometido, sem tentar buscar-lhes desculpas. A fim de dispor de mais tempo para terminar essa e outras obras, e para evitar os perigos da eleição de seu sucessor após sua morte, o santo propôs ao clero e ao povo que elegessem Heráclio, o mais jovem de seus diáconos, que foi efetivamente eleito por aclamação, no ano 426. Apesar dessa precaução, os últimos dias de Santo Agostinho foram muito borrascosos. O conde Bonifácio, que havia sido general imperial na África, caiu injustamente em desgraça junto à regente Placídia e incitou Genserico, rei dos vândalos, a invadir a África. Agostinho escreveu uma carta maravilhosa a Bonifácio para recordar-lhe seu dever, e o conde tentou reconciliar-se com Placídia. Mas já era tarde demais para impedir a invasão dos vândalos. São Posídio, então bispo de Calama, descreve os horríveis excessos que cometeram e a desolação que causaram em seu caminho. As cidades ficavam em ruínas, as casas de campo eram arrasadas e os habitantes que não conseguiam fugir morriam assassinados. Os louvores a Deus já não se ouviam nas igrejas, muitas das quais haviam sido destruídas. A missa se celebrava em casas particulares, quando chegava a ser celebrada, porque em muitos lugares não havia alma viva a quem administrar os sacramentos; por outra parte, os poucos cristãos que sobreviviam não encontravam um só sacerdote a quem pedi-los. Os bispos e clérigos sobreviventes haviam perdido todos os seus bens e se viam reduzidos a pedir esmolas. Das numerosas dioceses da África, as únicas que restavam em pé eram Cartago, Hipona e Cirta, graças ao fato de que tais cidades ainda não haviam sucumbido.

O conde Bonifácio fugiu para Hipona. Ali se refugiaram também São Posídio e vários bispos dos arredores. Os vândalos sitiaram a cidade em maio de 430. O cerco prolongou-se durante catorze meses. Três meses após estabelecido, Santo Agostinho caiu presa da febre e desde o primeiro momento compreendeu que se aproximava a hora de sua morte. Desde que havia abandonado o mundo, a morte tinha sido um dos temas constantes de sua meditação. Em sua última doença, o santo falava dela com alegria: “Deus é imensamente misericordioso!”. Com frequência recordava a alegria com que Santo Ambrósio recebeu a morte e mencionava as palavras que Cristo havia dito a um bispo agonizante, segundo conta São Cipriano: “Se tens medo de sofrer na terra e de ir ao Céu, não posso fazer nada por ti”. O santo escreveu então: “Quem ama a Cristo não pode ter medo de encontrar-se com Ele. Meus irmãos, se dizemos que amamos a Cristo e temos medo de encontrar-nos com Ele, deveríamos cobrir-nos de vergonha”. Durante sua última enfermidade, pediu a seus discípulos que escrevessem os salmos penitenciais nas paredes de seu quarto e que os cantassem em sua presença, e não se cansava de lê-los com lágrimas de alegria. Santo Agostinho conservou todas as suas faculdades até o último momento, enquanto a vida escapava lentamente de seus membros. Finalmente, em 28 de agosto de 430, exalou apaziguadamente o último suspiro, aos setenta e seis anos de idade, dos quais havia passado quase quarenta consagrado ao serviço de Deus. São Posídio comenta: “Nós, presentes, oferecemos a Deus o santo sacrifício por sua alma e lhe demos sepultura”. Com palavras muito semelhantes havia comentado Agostinho a morte de sua mãe. Durante sua enfermidade, o santo havia curado um doente apenas impondo-lhe as mãos. Posídio afirma: “Sei com certeza que, tanto como sacerdote quanto como bispo, Agostinho havia pedido a Deus que libertasse certos possessos por quem lhe haviam pedido que rogasse, e os maus espíritos os deixaram livres”.
As principais fontes sobre a vida e o caráter de São Agostinho são os seus próprios escritos, especialmente as Confissões, o De Civitate Dei, a correspondência e os sermões. Existem numerosas edições e traduções dessas obras. O texto do Corpus scriptorum ecclesiasticorum latinorum de Viena é bom, embora difícil de encontrar. Para as Confissões, recomendamos o texto e a tradução francesa publicados em 1926 por Pierre de Labriolle. Provavelmente a melhor tradução inglesa das Confissões é a de Gibb e Montgomery (1927); mais recente é a de F. J. Sheed (1944). Welidon publicou em 1924 uma edição aceitável do De Civitate Dei, com notas em inglês. A tradução das cartas (Letters), de W. J. Sparrow Simpson (1919), é boa; o mesmo autor publicou um interessante estudo intitulado St Augustine's Conversion (1920). A mais importante contribuição moderna ao estudo de São Agostinho é a publicação de uma coleção revisada e enriquecida dos sermões do santo, devida sobretudo a Dom Germain Morin. Essa coleção constitui o primeiro volume de Miscellanea Augustiniana (1931), obra publicada por ocasião do décimo quinto centenário da morte do santo. Adolfo Harnack reeditou e traduziu para o alemão a biografia escrita por São Possídio (1930). É impossível percorrer aqui toda a bibliografia agostiniana; somente a menção das obras publicadas nos últimos vinte anos ocuparia vinte páginas. Contentemo-nos em citar algumas das mais importantes: A Monument to St Augustine (1930), volume escrito por vários autores ingleses; H. Pope, St Augustine of Hippo (ensaios; 1937); G. Bardy, S. Augustin, homme et œuvre (1940); E. Gilson, Introduction à l’étude de S. Augustin (1930); e uma biografia em francês de J. D. Burger (1948). No artigo do P. Portalié no DTC, vol. 1, cc. 2208-2472, há um bom resumo da vida e das obras de São Agostinho, assim como em Bardenhewer, Geschichte der altkirch. Literatur, vol. IV, pp. 435-511. Mais populares são as biografias de Bertrand e Hatzfeld. Mary Allies publicou dois ou três volumes de parágrafos selecionados das obras do santo. Na obra de F. R. Hoare, The Western Fathers (1954), há uma tradução da biografia de Possídio; cf. J. J. O’Meara, The Young Augustine (1954). [1]

Infelizmente não sabemos como se converteu. Talvez tenha procurado refúgio entre os eremitas do deserto quando fugia da justiça, e o exemplo destes acabou por conquistá-lo. O fato é que tornou-se monge no mosteiro de Petra, no deserto de Esquita. Um dia, quatro salteadores assaltaram sua cela. Moisés lutou com eles e os venceu. Em seguida amarrou-os, carregou-os sobre os ombros, levou-os à igreja, lançou-os por terra e disse aos monges, que não cabiam em si de surpresa: “A regra não me permite fazer mal a ninguém. Que vamos fazer destes homens?” Conta-se que os salteadores se arrependeram e tomaram o hábito. Mas o pobre Moisés não conseguia vencer suas violentas paixões e, para conseguir, foi um dia consultar Santo Isidoro [de Pelúsio]. O abade levou-o ao amanhecer até o terraço do mosteiro e lhe disse: “Olha: a luz vence muito lentamente as trevas. O mesmo acontece na alma”. Moisés foi vencendo-se pouco a pouco, à força do duro trabalho manual, da caridade fraterna, da severa mortificação e da perseverante oração. Tornou-se tão senhor de si mesmo que Teófilo, arcebispo de Alexandria, o ordenou sacerdote. Depois da ordenação, quando ainda estava revestido da alva, o arcebispo lhe disse: “Vedes, padre Moisés, o homem negro se transformou em branco”. São Moisés replicou sorrindo: “Somente exteriormente. Deus sabe quão negra tenho ainda a alma”.
Quando os berberiscos se aproximaram para atacar o mosteiro, São Moisés proibiu seus monges de se defenderem e ordenou-lhes que fugissem, dizendo: “Quem com ferro mata, com ferro morre”. O santo permaneceu no mosteiro com outros sete monges. Somente um deles escapou com vida. São Moisés tinha então setenta e cinco anos. Foi sepultado no mosteiro chamado Dair al-Baramus, que ainda existe.
No Acta Sanctorum, agosto, vol. vi, há uma biografia que se atribui a Lourenço, monge calabrês, e um comentário dos bolandistas. Paládio (História Lausíaca) e outros historiadores antigos mencionam também São Moisés. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, "SANTO AGOSTINHO, BISPO DE HIPONA", vol. 3, pp. 429–438.
Ibid. "SÃO MOISÉS, O NEGRO", pp. 439-440.
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