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Vida de São Pedro, Papa e São Paulo, Apóstolo (29 de junho)


SÃO PEDRO, PRÍNCIPE DOS APÓSTOLOS* (¿64? d.C.)


SÃO PEDRO, PRÍNCIPE DOS APÓSTOLOS

A história de São Pedro, tal como é contada nos Evangelhos, é muito conhecida e não há necessidade de relatá-la aqui em detalhe. Sabemos que era galileu, que tinha sua casa em Betsaida, que era casado, que era pescador e que era irmão do Apóstolo São André. Seu nome era Simão, mas o Senhor, no primeiro encontro que teve com ele, disse-lhe que se chamaria Cefas, o equivalente, em aramaico, da palavra grega que significa “pedra” e que, em sua forma espanhola, derivou até converter-se no apelativo Pedro. Ninguém que tenha lido, ainda que superficialmente, o Novo Testamento, terá deixado de notar o lugar predominante que sempre lhe é concedido entre os primeiros seguidores de Jesus. Foi ele quem atuou como porta-voz dos demais, ao proclamar uma sublime profissão de fé: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” A ele pessoalmente dirigiu o Salvador estas palavras, com uma solenidade que não tem paralelo nos Evangelhos: “Bendito és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne nem o sangue que te revelaram estas coisas, mas meu Pai que está nos Céus! E Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; a ti darei as chaves do Reino dos Céus: e tudo o que ligares na terra, será ligado no céu; e o que desligares na terra, será desligado no céu” (Mt. 16, 16-19).


Não é menos familiar a história da tripla negação de Pedro diante de seu Mestre, apesar do aviso que o próprio Jesus lhe havia feito a esse respeito. O caso foi relatado pelos quatro evangelistas com tal abundância de detalhes que parece exagerada, considerando a pequenez do acontecimento, se o compararmos com os demais incidentes da Paixão de Nosso Senhor. Essa mesma singularização surge como um tributo à elevada posição que São Pedro ocupava entre seus companheiros. Por outro lado, embora as advertências de Jesus não tenham sido levadas em conta pelo Apóstolo, recordemos que foram precedidas por outras palavras, assombrosas e desconcertantes, devido à estranha mudança do plural para o singular na mesma frase: “Simão, Simão, eis que Satanás pediu permissão para vos peneirar como o trigo na peneira; mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos” (Lc. 22, 31-32). Igualmente impressionante é a tripla reparação que o Senhor, com acentos de ternura, mas com uma insistência quase cruel, pediu ao seu envergonhado discípulo junto ao Lago da Galileia: “Depois de terem comido, Jesus disse a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes? Ele respondeu: Sim, Senhor, Tu sabes que te amo. Jesus lhe disse: Apascenta meus cordeiros. Depois tornou a dizer: Simão, filho de João, amas-me? Simão respondeu: Sim, Senhor; Tu sabes que te amo! E Ele lhe disse: Apascenta meus cordeiros. E pela terceira vez repetiu: Simão, filho de João, amas-me? E ele respondeu: Senhor! Tu, que sabes todas as coisas, bem sabes que te amo! Jesus disse novamente: Apascenta as minhas ovelhas” (João 21, 15-17). Ainda mais maravilhosa é a profecia que Jesus fez em seguida: “Em verdade, em verdade, te digo: quando eras jovem, cingias-te a ti mesmo e ias para onde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as mãos para que outro te cinja e te leve aonde não queiras” . “E isso”, acrescenta o evangelista, “Ele disse para significar com que morte Pedro havia de glorificar a Deus” (João 21, 18-19).


Jesus dá as chaves para SÃO PEDRO, PRÍNCIPE DOS APÓSTOLOS

Após a Ascensão, vemos que São Pedro continua em primeiro plano. É ele quem é mencionado em primeiro lugar no grupo dos Apóstolos e é indicado que morava com os demais em “um cenáculo”, onde “todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (At. 1, 14), até a vinda do Espírito Santo, no dia de Pentecostes. Também foi Pedro quem tomou a iniciativa de eleger um novo Apóstolo em lugar de Judas e quem primeiro falou à multidão para testemunhar sobre “Jesus de Naza­ré, homem de quem Deus tem dado testemunho diante de vós com milagres, prodígios e sinais que Deus por Ele realizou no meio de vós como vós mesmos o sabeis” (At. 2, 22). E mais adiante se acrescenta: “Ouvindo essas palavras, compungiram-se em seus corações e disseram a Pedro e aos demais: Irmãos, que devemos fazer? Ao que Pedro respondeu: Fazei penitência e que cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo” (At. 2, 37-28). Então, “os que acolheram sua palavra foram batizados” e acrescenta-se que naquele dia se uniram à Igreja “cerca de três mil pessoas”. Também se registrou que Pedro foi o primeiro a realizar um milagre de cura na Igreja cristã. Um homem coxo de nascença encontrava-se à beira do caminho por onde Pedro e João subiam ao Templo para orar, e lhes pediu esmola. “Pedro então, fitando o olhar nele juntamente com João, disse: Olha para nós. Ele os olhava atentamente, esperando receber algo. Mas Pedro disse: Prata e ouro não tenho, mas o que tenho, isso te dou. Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda. E, tomando-o pela mão direita, levantou-o, e imediatamente se firmaram os seus pés e tornozelos. E dando um salto, pôs-se de pé e começou a andar, e entrou com eles no templo, caminhando, saltando e louvando a Deus”.


Quando começou a perseguição que culminou com o martírio de Santo Estêvão, diante de Saulo, o futuro Apóstolo dos Gentios, a maioria dos novos convertidos às doutrinas de Cristo se dispersou, mas os Apóstolos permaneceram reunidos em Jerusalém, até que chegaram notícias da acolhida favorável que as pregações de São Filipe, o Diácono, haviam recebido em Samaria. Então, São Pedro e São João se dirigiram àquelas regiões e impuseram as mãos (confirmaram?) sobre os que São Filipe havia batizado. Entre eles estava um homem que conhecemos como Simão, o Mago, que se vangloriava de possuir poderes ocultos e havia alcançado muita fama com suas feitiçarias. Ao ver o que acontecia com os recém-confirmados, o Mago aproximou-se dos Apóstolos e lhes disse: “Dai-me também esse poder, para que todo aquele sobre quem eu imponha as mãos receba o Espírito Santo”. Mas, mesmo oferecendo dinheiro, recebeu apenas uma negativa categórica. Pedro lhe disse: “Pereça contigo o teu dinheiro, pois julgaste que o dom de Deus se obtém com ouro”.


Na literatura apócrifa conhecida como as “Clementinas”, Simão, o Mago, é retratado em época posterior, encontrando-se com São Pedro e travando com ele e com São Clemente uma longa discussão, enquanto viajam de cidade em cidade no litoral da Síria, rumo a Roma. Ainda antes das Clementinas, São Justino Mártir (que escreveu por volta do ano 152), afirma que Simão, o Mago, foi a Roma, onde foi honrado como uma divindade; mas deve-se admitir que as evidências citadas por Justino a esse respeito são bastante insatisfatórias. Também nas apócrifas “Atas de São Pedro” há um relato dramático sobre as tentativas do Mago de conquistar o favor de Nero por meio da exibição de seus poderes ocultos, com os quais pretendia voar pelos ares. Segundo essa lenda, São Pedro e São Paulo estavam presentes e, por meio de suas orações, anularam os poderes mágicos de Simão que, ao tentar voar, caiu por terra e, pouco depois, morreu em consequência dos ferimentos. Muitos outros relatos contraditórios são mencionados por Santo Hipólito (em sua obra Philosophumena) e por vários autores antigos, sempre girando em torno de uma disputa, um conflito entre Simão, o Mago, e os dois grandes Apóstolos, tendo Roma como cenário. Apesar da fragilidade das evidências, havia uma tendência geral entre os escritores cristãos antigos, como por exemplo São Irineu, a considerar Simão, o Mago, como o “pai dos hereges” — e nisso há algo de simbólico, pois os antagonistas do Mago eram sempre São Pedro e São Paulo, os representantes da verdade cristã na capital do mundo de então.


Milagre de São Pedro

Quase tudo o que sabemos com certeza sobre a vida posterior de São Pedro provém dos Atos dos Apóstolos e de algumas alusões em suas próprias Epístolas e nas de São Paulo. Tem particular importância o relato sobre a conversão do centurião Cornélio, pois, em consequência daquele acontecimento, surgiu o debate sobre a continuidade da prática do rito da circuncisão e a observância do preceito da lei judaica de não se misturar com os gentios nem comer alguns de seus alimentos. Com as instruções que recebeu durante uma visão, São Pedro, após algumas hesitações, chegou a admitir que o costume antigo havia terminado e que a Igreja fundada por Cristo seria para os gentios o mesmo que para os judeus. São Paulo lhe dirigiu alguns reproches, como sabemos pela Epístola aos Gálatas (cap. 1), chamando-o de oportunista e de falta de firmeza por aceitar estritamente aqueles princípios. O incidente parece ter relação com o congresso de alguns Apóstolos e anciãos no Concílio de Jerusalém, mas não se sabe ao certo se essa reunião foi anterior ou posterior às réplicas que São Paulo dirigiu a São Pedro em Antioquia. De qualquer modo, foi a palavra de Pedro que inspirou as conclusões adotadas pela assembleia de Jerusalém. Essa resolução dizia que os gentios convertidos ao cristianismo não precisavam ser circuncidados nem observar a lei de Moisés. Por outro lado, a fim de não ferir a sensibilidade dos judeus, estes poderiam abster-se de sangue e de comer carne de animais estrangulados, assim como se abstinham da fornicação e dos sacrifícios aos ídolos. Essas decisões foram comunicadas aos cristãos de Antioquia e serviram para acalmar as inquietações dos numerosos fiéis naquela grande cidade.


É possível, embora não tenhamos dados concretos, que antes do Concílio de Jerusalém (c. 49 d.C.), São Pedro tenha sido, durante dois anos ou mais, o bispo de Antioquia, e que também tenha ido até Roma e tomado posse daquela que viria a ser sua sede permanente. Os Atos registram um incidente trágico ao relatar a súbita e violenta perseguição de Herodes Agripa I, possivelmente no ano 43. Afirma-se que Herodes “matou Tiago, irmão de João, à espada” — este, por certo, era Tiago Maior, Apóstolo, cuja festa se celebra em 25 de julho — e que, depois, mandou prender também a Pedro. Mas, enquanto isso, “a Igreja, incessantemente, fazia oração a Deus por ele”, e Pedro, “ainda que estivesse dormindo entre dois guardas, atado a eles com duas correntes; e os sentinelas à porta da prisão, de guarda, foi libertado por um anjo e partiu em busca de um refúgio seguro”, talvez em Antioquia ou talvez em Roma. A partir desse momento, os Atos dos Apóstolos não voltam a mencionar Pedro.


Martírio de São Pedro

A “paixão” de São Pedro ocorreu em Roma, durante o reinado de Nero (54–68 d.C.), mas não existe nenhum relato escrito sobre o acontecimento. Segundo uma antiga tradição, não comprovada, São Pedro foi encerrado na prisão Mamertina, onde hoje se encontra a igreja de San Pietro in Carcere. Tertuliano, que morreu por volta do ano 225, afirma que o Apóstolo foi crucificado; por sua vez, Eusébio acrescenta (com base em um dado tomado do autorizado Orígenes, morto em 253), que, por expresso desejo do velho Pedro, a cruz foi colocada de cabeça para baixo. O local deve ter sido o de costume: os jardins de Nero, cenário de tantos dramas terríveis e gloriosos naquela época. A tradição que outrora era geralmente aceita, de que o pontificado de São Pedro durou vinte e cinco anos, provavelmente não passa de uma dedução, baseada em dados cronológicos inconsistentes. Existe também uma bela lenda que narra que, a pedido dos cristãos de Roma, ansiosos por salvar seu bispo de uma morte certa, São Pedro partiu da cidade e, no caminho, encontrou o Senhor vindo em sentido contrário; o Apóstolo lhe perguntou: “Quo vadis, Domine?” (Aonde vais, Senhor?) Jesus respondeu: “Vou ser crucificado pela segunda vez” e, imediatamente, São Pedro voltou a Roma, pois compreendeu que aquela cruz de que o Salvador falara, lhe era destinada. Santo Ambrósio foi o primeiro a relatar essa lenda, em seu sermão contra Auxêncio. A coincidência de alguns pontos do relato com os pensamentos expressos nos versículos 4 e 5 do hino “Apostolorum Passio” explica, como indica A. S. Walpole, que esse poema tenha sido atribuído a Santo Ambrósio.


Este não é o lugar apropriado para discutir as objeções que, de tempos em tempos, têm sido feitas contra o episcopado e o martírio de São Pedro em Roma (cf. festa da “Cátedra de São Pedro”, 18 de janeiro). Talvez seja verdade, por outro lado, que nenhum dos estudiosos mais sérios da atualidade questione o assunto, pois consideram que as evidências de documentos e monumentos são suficientes e decisivas. Mas podemos fazer breves referências a numerosos indícios de uma antiquíssima e vigorosa devoção popular por São Pedro e São Paulo na Cidade Eterna. De acordo com um ponto de vista aceito pela maioria dos arqueólogos, no ano 258, os cadáveres de São Pedro e São Paulo foram exumados de suas respectivas tumbas na Via Ostiense, junto ao Vaticano, para serem sepultados em um lugar oculto na Via Ápia. As escavações realizadas entre 1915 e 1922 tinham por objetivo descobrir esse local oculto, ou pelo menos alguns vestígios dele, mas as investigações não foram coroadas de êxito. No entanto, ali se encontrou o buraco ou poço de uma χίμβη (chýmbe ou chymbē) — texto corrompido —, de onde se derivou o nome agora comum de catacumba. O local foi chamado ad catacumbas, devido à sua característica mais notável: uma série de túmulos ou câmaras sepulcrais construídas na parede do poço ou da depressão natural do terreno.


Junto àqueles sepulcros, encontrou-se a parede de uma espaçosa sala aberta por um dos lados, que pode ter sido construída por volta do ano 250. Pelas decorações da parede e outros detalhes, tratava-se evidentemente de um local para reuniões de caráter comunitário ou cerimonial. Há boas razões para supor que essa sala foi o cenário das reuniões feitas pelos primeiros cristãos e que chamavam de ágapes. Não há dúvida possível de que as placas de gesso que estavam aderidas à parede continham grafites ou inscrições que, com certeza, datam da segunda metade do século III. Pode-se pensar que os membros daquele grupo eram pessoas rudes que se entretinham em rabiscar suas expressões piedosas nas paredes, mas o certo é que, em todas e cada uma das inscrições fragmentárias, manifesta-se a devoção aos Santos Pedro e Paulo, de uma maneira ou de outra. Eis aqui algumas amostras: “PETRO ET PAULO TOMIUS COELIUS REFRIGERIUM FECT.”


Refrigerium era o nome dado ao que se oferecia para comer ou beber naquelas reuniões, e do qual invariavelmente se reservava algo para os cristãos mais pobres. Assim, a inscrição poderia ser traduzida assim: “Eu, Tomius Coelius, ofereci um refrigerium em honra de Pedro e Paulo.”


“DALMATIUM BOTUM IS PROMISIT REFRIGERIUM.”

“Por juramento, Dalmácio prometeu oferecer um refrigerium para eles.”


Algumas das inscrições são simples invocações:

Descrição de São Pedro e São Paulo

“PAULE ET PETRE PETITE PRO VICTORE.”

“Paulo e Pedro, rogai por Victor.”


“PETRUS ET PAULUS IN MENTE ABEATIS ANTONIUS BASSUM.”

“Pedro e Paulo, tende presente Antônio Basso.”


As inscrições cândidas, espontâneas e escritas, muitas vezes, com graves erros de ortografia, indicam que existia um culto muito acentuado pelos santos Pedro e Paulo naquele lugar. A maioria está escrita em latim e algumas em grego, mas há muitas frases em latim, escritas com caracteres gregos. Já dissemos que as placas de gesso estavam quebradas e suas inscrições eram fragmentárias e algumas, ilegíveis, mas em oitenta do número total aparecem os nomes dos santos Apóstolos, às vezes o de Pedro primeiro ou vice-versa. Não há dúvida, portanto, de que na segunda metade do século terceiro, de acordo, consequentemente, com uma indicação do calendário Filocaliano (do ano 324) que comemora uma trasladação ou uma festa dos dois Apóstolos, no ano 258, e nas catacumbas, de que existia por aquele tempo e naquele lugar, uma grande devoção pelos dois Patronos de Roma.


Já no início do século terceiro afirmava Caio, segundo citação de Eusébio, que o lugar do triunfo de São Pedro se encontrava na colina do Vaticano; o local do martírio de São Paulo era venerado na Via Ostiense. O padre Delehaye e alguns outros hagiógrafos distintos sustentam que os corpos dos dois Apóstolos foram sepultados aí desde o princípio, e ninguém os tocou; outros sugerem que foram temporariamente sepultados na Via Ápia, imediatamente após o martírio, até que se construíssem sepulcros ou santuários nos próprios lugares de sua morte. Em qualquer caso, a inscrição feita pelo Papa São Dâmaso I (falecido em 384), num local próximo a São Sebastião, não significa que aí tivessem sido sepultados os dois Apóstolos, mas que se tratava da comemoração de alguma festa instituída em 258, que por alguma razão se celebrava nas catacumbas.


Numa data posterior à época em que foi escrito o trecho anterior, realizaram-se escavações sob a basílica de São Pedro. Os resultados desses trabalhos, iniciados em 1938, foram amplamente publicados. O local e os restos fragmentários da tumba do Apóstolo São Pedro haviam sido identificados sem sombra de dúvida, mas então, agora e talvez para sempre, permanece no campo das possibilidades a suposição de que os restos humanos encontrados nas proximidades da tumba sejam os de São Pedro. As descobertas no Vaticano reacenderam o interesse pelas do local de São Sebastião; mas, por diversas razões, a teoria de que os restos de São Pedro foram levados no ano de 258 às catacumbas e aí permaneceram para sempre é inadmissível.


A meu ver, a festa dupla de São Pedro e São Paulo tem sido comemorada sempre, em Roma, no dia 29 de junho; Duchesne considera que essa prática remonta, ao menos, aos tempos de Constantino; mas no Oriente, essa comemoração era inicialmente fixada no dia 28 de dezembro. O mesmo ocorria em Oxirrinco, no Egito, como atestam antigos papiros, até o ano de 536; mas em Constantinopla e em outras partes do Império Romano do Oriente, a data de 29 de junho foi sendo pouco a pouco aceita. Na Síria, no início do século quinto, como sabemos por uma nota do “Breviário” sírio que diz o seguinte: “28 de dezembro, na cidade de Roma, Paulo, o Apóstolo e Simão Cefas (Pedro), o chefe dos Apóstolos do Senhor”, essa era a data observada no Oriente.


SÃO PEDRO, PRÍNCIPE DOS APÓSTOLOS

Há, naturalmente, uma literatura vastíssima relacionada com São Pedro, com sua vida e seus atos, desde qualquer ponto de vista. Os comentaristas dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos fornecem a esmagadora maioria dos dados utilizados nas pesquisas posteriores. O livrinho St Pierre (da série Les Saints), por L. C. Fillion, é uma excelente introdução para o estudo do assunto, pois inclui todos os dados registrados sobre o Apóstolo; o St. Pierre, de C. Fouard, é mais extenso e detalhado, mas trata apenas dos primeiros anos da Igreja e deixa de lado o que os Evangelhos dizem de São Pedro. Ver R. Aigrain, em St. Pierre (1938) e uma pequena obra popular do americano W. T. Walsh, St. Peter, the Apostle (1950). Sobre a primazia, deve-se consultar a obra do bispo Besson: St. Pierre et les origines de la Primauté Romaine (1929). Entre os estudiosos não católicos, ver Apostolic Fathers (1877), do bispo Lightfoot; W. Ramsey, em The Church and the Roman Empire (1893); O. Cullmann, em Peter, disciple, apostle, martyr (1954); e H. Lietzmann, Petrus und Paulus in Rom (1927) e Petrus Römischer Märtyrer (1936). A discussão sobre o problema das catacumbas pode ser estudada no artigo de F. Toeletti na Rivista di archeologia cristiana de 1947-1948; Mons. A. S. Barns, em The Martyrdom of St. Peter and St. Paul (1933), incluído na Analecta Bollandiana, vol. 11 (1934), pp. 69-72; e P. Stieger, Die römischen Katakomben (1933). Ver o Liber Pontificalis (ed. Duchesne), vol. 1 e Delehaye, em Origines du culte des Martyrs (1933), pp. 263-269. Os relatórios das escavações entre 1938 e 1950 foram publicados em dois volumes de texto e um de ilustrações; ver um artigo do Pe. Romanelli no Osservatore Romano de 19 de dezembro de 1951. Apareceram numerosos artigos em vários idiomas para discutir o resultado das escavações: ver o de J. B. Ward Perkins, em The Listener, 25 de setembro de 1952, e no Journal of Roman Studies, vol. XII (1952). [1]


SÃO PAULO, APÓSTOLO DOS GENTIOS (†67? d.C.)


SÃO PAULO, APÓSTOLO DOS GENTIOS

De entre todos os santos cujos dados nos são fornecidos pelas Sagradas Escrituras, São Paulo é aquele que se conhece de maneira mais íntima. Não apenas possuímos um registro exterior de seus feitos, fornecido por seu discípulo São Lucas nos Atos dos Apóstolos, mas contamos com suas próprias revelações íntimas em suas cartas que, ainda que tivessem o propósito de beneficiar os destinatários, desnudam sua alma.** Sem transcrever boa parte do Novo Testamento, seria difícil esboçar um retrato fiel do caráter e da personalidade do Apóstolo dos Gentios; mas supomos que o Novo Testamento está nas mãos de todos os nossos leitores. No primeiro volume desta série, sob a data de 25 de janeiro, tratou-se da conversão de São Paulo. Nesta nota, pareceu-nos conveniente deixar de lado as trinta e duas páginas que Butler dedica às viagens missionárias de Paulo e seus escritos, para fazer um resumo do que São Lucas relata nos últimos quinze capítulos dos Atos.


Depois que Saulo foi derrubado no caminho de Damasco pela voz de Cristo e, de encarniçado perseguidor dos cristãos, se transformou no mais fiel dos servos do Senhor, curou-se da cegueira temporária que o afligia e retirou-se para a “Arábia”, onde passou recluso por três anos. De volta a Damasco, começou a pregar o Evangelho com fervor. Mas a fúria dos inimigos de sua doutrina cresceu a tal ponto que, para salvar a vida, teve que escapar escondido em um cesto que foi descido pela muralha da cidade. Dirigiu-se a Jerusalém, onde, logicamente, os cristãos e os próprios Apóstolos, a quem há pouco perseguia, o olhavam com muita desconfiança, até que o generoso apoio de São Barnabé dissipou seus temores. Mas não pôde permanecer em Jerusalém, pois o ressentimento dos judeus para com ele ameaçava sua vida e, advertido por uma visão que teve enquanto se encontrava no templo, refugiou-se por algum tempo em Tarso, sua cidade natal. Até lá foi Barnabé para convencê-lo a acompanhá-lo a Antioquia, na Síria, onde ambos pregaram com tanto êxito que puderam fundar uma numerosa comunidade de fiéis que, naquela cidade e pela primeira vez, foram conhecidos com o nome de cristãos.


Conversão de São Paulo

Após uma estada de doze meses, Saulo fez sua segunda visita a Jerusalém, no ano 44, junto com Barnabé, para levar auxílio aos irmãos que sofriam de fome. Já nesse tempo, todas as dúvidas quanto à sinceridade de Paulo haviam sido dissipadas. Depois de retornar a Antioquia e, por inspiração do Espírito Santo, ele e Barnabé receberam a ordenação sacerdotal e partiram em uma jornada missionária, primeiro para Chipre e depois para a Ásia Menor. Em Chipre, converteram o procônsul Sérgio Paulo e ridicularizaram o falso mago e profeta Elimas, por quem o romano havia sido enganado. De lá passaram para Perge e atravessaram as montanhas do Tauro até chegar a Antioquia da Pisídia; continuaram sua marcha para pregar em Icônio e depois em Listra (onde, ao curar milagrosamente um paralítico, foram tomados por deuses: Barnabé era Júpiter e Paulo, Mercúrio, porque era quem falava). Mas entre os judeus de Listra surgiram inimigos que provocaram uma rebelião contra os pregadores; apedrejaram Paulo (desde sua visita a Chipre havia mudado o nome de Saulo para Paulo) e o deixaram como morto. Contudo, ele não estava morto e, com a ajuda de Barnabé, escaparam e se refugiaram em Derbe; em tempo oportuno, continuaram a marcha para o ambiente mais tranquilo de Antioquia da Síria. Nessa primeira expedição transcorreram cerca de dois ou três anos, pois, ao que parece, no ano 49, Paulo foi pela terceira vez a Jerusalém e esteve presente na assembleia em que se decidiu definitivamente a atitude da Igreja Cristã em relação aos gentios convertidos. Provavelmente foi no inverno entre os anos 48 e 49 que ocorreu em Antioquia o incidente registrado no segundo capítulo da Epístola aos Gálatas, das admoestações feitas a São Pedro por seu judaísmo conservador.


O intervalo entre os anos 49 e 52 encontrou São Paulo ocupado na empreitada de sua segunda grande viagem. Acompanhado por Silas, passou de Derbe a Listra, sem se preocupar com o que lhe havia acontecido ali da primeira vez; mas, nesta segunda ocasião, foi cordialmente acolhido pelos fiéis reunidos ao redor de Timóteo, cujos familiares moravam na cidade; por outro lado, Paulo se mostrou mais precavido e não deu ocasião para que os judeus se irritassem contra ele e aceitou circuncidar Timóteo, cujo pai era grego, mas cuja mãe era judia. Junto com Timóteo e Silas, continuou São Paulo sua jornada através da Frígia e Galácia, sem deixar de pregar e fundar igrejas. Contudo, não lhe foi possível avançar mais pela rota que seguia rumo ao norte, por causa de uma visão que teve, na qual lhe foi ordenado voltar-se para a Macedônia. Consequentemente, partiu de Trôade; ao que parece, já nessa altura, o amado doutor São Lucas, autor de um dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos, fazia parte do grupo de viajantes.


Pregação de São Paulo

Em Filipos ocorreu o interessante episódio da jovem adivinha que, ao passar do grupo, começou a vociferar: “Esses homens são os servos do Deus Altíssimo!” Apesar de que aquela proclamação parecia ajudar a causa de São Paulo, este voltou-se irritado para a jovem e ordenou que o espírito de adivinhação a deixasse. Com isso, a moça ficou desprovida dos poderes que a haviam tornado famosa e seus donos, que obtinham disso gordos lucros, começaram a lamentar-se estrepitosamente e acabaram por levar Paulo e Silas perante os magistrados. Os dois missionários foram açoitados e lançados à prisão, mas muito em breve foram libertados, por um milagre. Não há necessidade de descrever os incidentes de cada uma das etapas dessa viagem. A comitiva atravessou a Macedônia, passou por Bereia, foi a Atenas e de lá a Corinto. Relata-se que, em Atenas, São Paulo pronunciou um discurso no Areópago e teve ocasião de referir-se e comentar o altar que havia sido erigido ali “ao deus desconhecido”. Em Corinto, suas pregações causaram profunda impressão e diz-se que permaneceu ali durante um ano e seis meses. Parece que, no ano 52, São Paulo partiu de Corinto para fazer sua quarta visita a Jerusalém, possivelmente para estar presente nas festas de Pentecostes; no entanto, sua estada foi breve, pois logo o encontramos novamente em Antioquia.


Sua terceira viagem abrangeu dois anos entre 52 e 56. Depois de atravessar a Galácia, a província romana da “Ásia”, Macedônia e Acaia, voltou em direção à Macedônia, onde embarcou para fazer uma quinta visita a Jerusalém. É possível que, durante esse período, tenha passado três invernos em Éfeso e foi ali que ocorreu o tumultuoso distúrbio criado por Demétrio, o ourives e escultor, quando as pregações de Paulo arruinaram os lucrativos negócios dos mercadores na compra e venda das imagens da deusa Diana. Da mesma forma, relata-se a maneira indignada com que foi recebido pelos anciãos em Jerusalém e a comoção popular que se produziu quando o Apóstolo fez uma visita ao Templo. Ali foi detido, maltratado e carregado de cadeias, mas teve a oportunidade de defender-se brilhantemente diante do tribunal. A investigação oficial ficou suspensa e o réu foi enviado a Cesareia, porque foi descoberta uma conspiração de quarenta judeus que haviam jurado “não comer nem beber até que Paulo estivesse morto”. Seu cativeiro em Cesareia durou dois anos, os mesmos em que governaram o distrito os procônsules Félix e Festo, enquanto o processo judicial permanecia em suspenso, visto que os governadores não conseguiam encontrar prova alguma de que o réu tivesse cometido crime digno de punição e, por outro lado, não queriam enfrentar os protestos e violências populares se declarassem inocente o réu odiado pelos judeus. Entretanto, Paulo “apelou a César”; em outras palavras, exigiu, valendo-se de seus direitos de cidadão romano, que sua causa fosse julgada pelo próprio imperador. Portanto, o prisioneiro, sob a vigilância do centurião Júlio, foi enviado a Mira e transportado de lá para Creta, em um navio alexandrino com uma carga de trigo. Esse navio, surpreendido por um furacão, naufragou diante das costas de Malta. Após longas demoras, São Paulo foi embarcado em outro navio que o conduziu ao porto de Puteoli e, de lá, seguiu por terra até Roma. O livro dos Atos o abandona nesse ponto, à espera de seu julgamento diante de Nero.


Martírio de São Paulo

Desde então, os movimentos e a história do grande apóstolo são muito incertos. Parece provável que ele tenha sido processado em Roma, após um longo encarceramento e, declarado inocente, tenha sido posto em liberdade. Há indícios de que ele ainda realizou uma quarta viagem. Alguns sustentam que visitou a Espanha, mas podemos afirmar, sem temor de errar, que esteve mais uma vez na Macedônia, onde é possível que tenha passado o inverno entre os anos 65 e 66, na cidade de Nisópolis. Ao regressar a Roma, foi novamente detido e encarcerado. Não se sabe com certeza se foi condenado junto com São Pedro, mas pode-se assegurar que, em sua qualidade de cidadão romano, a forma de execução tinha que ser diferente. A tradição firmemente arraigada e, ao que parece, digna de confiança, diz que lhe cortaram a cabeça, num ponto da Via Ostiense chamado Aquae Salviae (a atual Tre Fontane), perto do local onde hoje se levanta a basílica de São Paulo Extramuros e onde se venera o túmulo do Apóstolo. É crença comum que São Paulo foi executado no mesmo dia e ano que São Pedro, mas não há provas certas disso. Pouco antes de seu martírio, conseguiu fazer chegar a seu fiel Timóteo uma emotiva carta que continha estas famosas palavras: “Já estou pronto para o sacrifício. Sei que o dia da minha partida está próximo. Meu sangue vai ser derramado como o vinho de um cálice. Que importa! Combati o bom combate; concluí minha carreira. Só me resta receber a coroa que me dará, no último dia, o Senhor, justo juiz; e não somente a mim, mas a todos os que esperam com amor sua vinda” (2 Timóteo, 4, 6-8).


Também no caso de São Paulo há abundante literatura que seria impossível considerar em detalhe. Como guia particularmente valiosa sobre os inumeráveis problemas que surgem da obra e dos escritos do Apóstolo, recomenda-se, sobretudo, o breve volume do Pe. F. Prat, Saint Paul, publicado na série Les Saints. O Saint Paul de Fouard também é muito conhecido e fornece amplos detalhes sobre a história do personagem. Serão de grande ajuda os comentários sobre as Epístolas, feitos pelo bispo anglicano Lightfoot, assim como os livros de seu amigo, o explorador arqueológico Sir W. M. Ramsey, sobretudo seu Saint Paul, the Traveller (1908) e The Church in the Roman Empire (1893). Necessariamente, todos os comentários sobre os Atos dos Apóstolos tratam da história de São Paulo; veja-se, por exemplo, E. Jacquier, Les Actes des Apôtres (1926) e Camerlynck e Van der Heeren, Commentarius in Actus Apostolorum (1923). Outros livros úteis são: K. Pieper, Paulus, seine Missionarische Persönlichkeit (1926); P. Delattre, Les Épîtres de S. Paul (1924–1926); Tricot, S. Paul (1928). A indispensável Teologia de São Paulo, de Pe. Prat. Outras publicações recentes traduzidas para o inglês são Paul of Tarsus, de Mons. J. Holzner (1944), e St. Paul, Apostle and Martyr, de Giordani (1946); há uma extensa biografia em italiano por D. A. Penna, San Paolo (1946); E. B. Allo, S. Paul, Apôtre de Jésus-Christ (1946) e o estudo de R. Sencourt, St. Paul: Envoy of Grace (1948). Há muitos escritos apócrifos nos quais São Paulo figura, inclusive cartas que lhe são atribuídas. Os Atos de São Paulo foram editados por W. Schubart, que os extraiu de um papiro manuscrito de Hamburgo. Os Atos de Paulo e Tecla foram impressos mais de uma vez; veja-se neste livro, a 23 de setembro, Santa Tecla, bem como O. von Gebhardt, em Texte und Untersuchungen, vol. VII, parte II (1902); consulte-se também L. Vouaux, em Les Actes de Paul et ses Lettres apocryphes (1913). Sobre o túmulo do Apóstolo no confessio da igreja de São Paulo Extramuros, veja-se Grisar, em Analecta Romana, p. 259 e seguintes. Talvez ninguém tenha escrito sobre São Paulo com maior intuição que o cardeal Newman, que era especialmente apto para apreciar o segredo do encanto do Apóstolo. [2]


Referência:


  1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 673–679.

  2. Ibid. pp. 679-682.


NOTA:

* “Príncipe”, do latim princeps, significa simplesmente, cabeça principal ou chefe supremo. O equivalente grego é χορηφαῖος (chorēphaíos), que no uso de Bizâncio se aplica tanto a São Pedro como a São Paulo; o termo era aplicado ao diretor do coro nos dramas da Ática e, portanto, às vezes era o corifeu, cabeça dos dançarinos.


** Também há algumas descrições sobre seu aspecto físico (ver: 2 Coríntios 10, 10). Um documento do século segundo, os chamados “Atos de Paulo e Tecla”, dizem que era um homem de baixa estatura, calvo, ligeiramente coxo, vigoroso, sem separação entre as duas sobrancelhas, nariz longo, de olhar penetrante e atraente. Às vezes aparecia como um homem e outras se assemelhava a um anjo.


São Pedro e São Paulo
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