Tudo Sobre as Quatro-Têmporas: Dias de Jejum e Abstinência
- Sacra Traditio

- 17 de set.
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Que é Têmporas ou Quatro-Têmporas?
R. As Têmporas (do latim Quatuor Tempora, quatro tempos) são os dias no início das estações do ano ordenados pela Igreja como dias de jejum e abstinência. A Liturgia das Quatro-Têmporas conserva igualmente a estrutura das antigas missas estacionais. Foram definitivamente organizadas e prescritas para toda a Igreja pelo Papa Gregório VII (1073-1085), Chamam-se semanas das Quatro-Têmporas as que vêem imediatamente depois do III Domingo do Advento, do I Domingo da Quaresma, depois do Domingo de Pentecostes e da Festa da Exaltação da Santa Cruz (D. Ant. Coelho O. S. B., C. de Lit. Rom. ed. de 1941, vol. I, pp. 200 e 329). Estabelecendo estes dias de penitência, nas quatro Estações do ano, a Igreja tem em vista atrair as bênçãos de Deus sobre os frutos da terra e graças particulares sôbre os Clérigos que recebem o Sacramento da Ordem nos sábados das Têmporas. O dia mais solene era o sábado e ainda hoje é o dia preferido para as ordenações sagradas. É portanto de sumo interesse para os fiéis que nestes dias implorem a Deus a dádiva de Pastores zelosos para o rebanho do Senhor. Além deste característico comum, as Têmporas ainda influem no tempo do ano em que são celebradas. [1] Nos dias das Têmporas os fiéis são obrigados ao jejum e à abstinência, mas os que tiverem tomado a Bula e o Indulto, ficam obrigados somente à abstinência nas sextas-feiras das Têmporas. [2]
Leia nosso artigo Leis de Jejum e Abstinência.
Das práticas romanas à santificação cristã: a origem das Têmporas
Inicialmente o propósito de sua instituição, além do objetivo geral de toda oração e jejum, era agradecer a Deus pelos dons da natureza, ensinar os homens a usá-los com moderação e socorrer os necessitados. A ocasião imediata foi a prática dos pagãos de Roma. Os romanos eram originalmente dedicados à agricultura, e seus deuses nativos pertenciam à mesma esfera. No início do tempo de semeadura e colheita, realizavam cerimônias religiosas para implorar a ajuda de suas divindades: em junho para uma colheita abundante, em setembro para uma vindima rica e em dezembro para a semeadura; daí suas feriae sementivae, feriae messis e feriae vindimiales. A Igreja, ao converter nações pagãs, sempre procurou santificar quaisquer práticas que pudessem ser aproveitadas para um bom fim.
A princípio, a Igreja em Roma tinha jejuns em junho, setembro e dezembro; os dias exatos não eram fixos, mas anunciados pelos sacerdotes. Segundo a Legenda Áurea, do Beato Tiago de Varazze, teria sido o Papa São Leão Magno a estabelecer, no século V, essas comemorações, porém, o Liber Pontificalis atribui ao Papa Calisto (217-222) uma lei que ordenava o jejum, mas provavelmente é mais antiga. Leão Magno (440-461) a considera uma instituição Apostólica. [3]
O testemunho mais antigo da disciplina eclesiástica sobre os jejuns encontra-se no Didaquê, conhecido também como Doutrina dos Doze Apóstolos. Este documento, datado do século I (c. 60-90 d.C.), mostra como os primeiros cristãos já tinham dias fixos de penitência: “Vossos jejuns não sejam como os dos hipócritas, porque eles jejuam na segunda e na quinta-feira; vós, porém, jejuai na quarta-feira e na sexta-feira (dia de preparação).” (Didaquê, cap. VIII). [4]
Havia nelas, em primeiro lugar, uma relação de continuidade com o Antigo Testamento (cf. Zc 8, 19), pois os judeus costumavam jejuar quatro vezes por ano: uma por ocasião da Páscoa; uma antes de Pentecostes; outra antes da Festa dos Tabernáculos, em setembro; e uma última, por fim, antes da Dedicação, que se dava em dezembro. Os dias em que se faziam esses jejuns sazonais eram a quarta, a sexta-feira e o sábado:
a quarta, por ser o dia em que o Senhor foi traído por Judas Iscariotes;
a sexta, por ser o dia de sua crucificação; e
o sábado, por ser o dia em que ele passou no túmulo e no qual os Apóstolos ficaram de luto por sua morte.
Quando a quarta estação foi acrescentada não se pode determinar com certeza, mas o Papa Gelásio (492-496) fala das quatro. Este papa também permitiu que a ordenação de sacerdotes e diáconos fosse conferida nos sábados das têmporas — antes, só eram concedidas na Páscoa. Antes de Gelásio, as témporas eram conhecidas apenas em Roma, mas depois dele sua observância se espalhou. Foram introduzidas na Inglaterra por Santo Agostinho; na Gália e Alemanha pelos carolíngios. A Espanha as adotou com a Liturgia Romana no século XI. Foram introduzidas em Milão por São Carlos Borromeu. A Igreja Oriental não as conhece. [5] Da Cidade Eterna a observância das Quatro Têmporas se difundiu por todo o Ocidente com o passar dos anos ainda na Alta Idade Média, sendo confirmada mais tarde pela autoridade de vários pontífices romanos — dentre eles, o Papa São Gregório VII, que reinou na Igreja de 1073 a 1085. O alcance desse costume foi tão amplo a ponto de influenciar a culinária do Extremo Oriente: o tempurá, prato feito à base de mariscos e vegetais, nasceu no Japão do século XVI graças à atuação de missionários espanhóis e portugueses. [6]
Por que Jejuamos nas Quatro-Têmporas?
O Bem-aventurado Tiago de Voragine, na sua Legenda Áurea, explica que a prática das Têmporas também está ligada à própria constituição do homem e às mudanças das estações. Cada época do ano, segundo a mentalidade medieval, influía diretamente nos humores do corpo: na primavera, predominava o sangue; no verão, a bílis; no outono, a melancolia; e no inverno, a fleuma. Por isso, a Igreja, em sua sabedoria, prescreveu o jejum em cada uma dessas fases, a fim de corrigir os excessos que poderiam nascer dessas disposições:
Primeira razão: a diversidade das épocas do ano, pois a primavera é quente e úmida, o verão quente e seco, o outono frio e seco, e o inverno frio e úmido. Jejuamos na primavera para temperar o humor nocivo da luxúria; no verão, para castigar o calor prejudicial da avareza; no outono, para temperar a secura do orgulho; e no inverno, para atenuar o frio da infidelidade e da malícia.
Segunda razão: jejuamos quatro vezes por ano — em março, na primeira semana da Quaresma, para mitigar os vícios e cultivar as virtudes; no verão, na semana de Pentecostes, para preparar-nos ao Espírito Santo; em setembro, antes da Festa de São Miguel, ao entregar a Deus os frutos das boas obras; e em dezembro, quando as ervas morrem, para morrer para o mundo.
Terceira razão: imitar os judeus, que jejuavam quatro vezes por ano: antes da Páscoa, antes de Pentecostes, antes da Festa dos Tabernáculos em setembro e antes da Dedicação em dezembro.
Quarta razão: o homem é composto de quatro elementos corporais e três potências da alma — racional, concupiscível e irascível. O jejum quadrimestral, durante três dias, associa o número quatro ao corpo e o três à alma, segundo mestre João Beleth.
Quinta razão: segundo João Damasceno, o sangue aumenta na primavera, a bílis no verão, a melancolia no outono e a fleuma no inverno. Jejuamos na primavera para debilitar o sangue da concupiscência e da alegria desordenada; no verão, para enfraquecer a bílis do arrebatamento e da falsidade; no outono, para acalmar a melancolia da tristeza e da avareza; e no inverno, para diminuir a fleuma da preguiça e da estupidez.
Sexta razão: a primavera é associada ao ar, o verão ao fogo, o outono à terra e o inverno à água. O jejum serve para dominar o ar da elevação na primavera; apagar o fogo da avareza no verão; vencer a frieza espiritual do outono; e destruir a leviandade da água no inverno.
Sétima razão: a primavera corresponde à infância, o verão à adolescência, o outono à maturidade e o inverno à velhice. Jejuamos na primavera para conservar a inocência das crianças; no verão, para consolidar a força e evitar a incontinência; no outono, para recuperar a juventude pela constância e ratificar a maturidade pela justiça; e no inverno, para envelhecer com prudência e reparar nossas faltas diante de Deus.
Oitava razão: segundo mestre Guilherme de Auxerre, jejuamos nos quatro tempos do ano para nos emendarmos das faltas cometidas nas quatro estações. Cada jejum dura três dias: quarta-feira, por ser o dia em que o Senhor foi traído por Judas; sexta-feira, pelo dia da crucificação; e sábado, pelo dia em que Ele permaneceu no túmulo, enquanto os Apóstolos estavam de luto por Sua morte. [7]
As Têmporas também são mencionadas no Lunário Perpétuo de 1857, sendo associadas à teoria dos quatro humores, de maneira semelhante às explicações fornecidas pelo Beato Tiago de Voragine:
"As Têmporas são jejuns celebrados pela Igreja nos quatro tempos do ano, estabelecidos pelo Papa São Calisto. A razão pela qual a Igreja celebra esses jejuns nas quatro estações, segundo São João Damasceno, é para aplacar os efeitos que os quatro humores exercem sobre os corpos humanos em cada período do ano, em relação ao movimento celeste.
As primeiras Têmporas são observadas na quarta, sexta e sábado da segunda semana da Quaresma (primavera), para moderar o sangue, que nesse período predomina, inclinando ao vício da carne e à vanglória.
As segundas Têmporas ocorrem no verão, na semana antes da Santíssima Trindade, para conter a cólera, que nesse tempo predomina e leva ao ódio, à ira e ao engano.
As terceiras Têmporas são observadas no outono, na quarta, sexta e sábado após a Festa da Santa Cruz, para diminuir a melancolia, que predomina nesse período e causa tristeza e avareza.
As últimas Têmporas são celebradas no inverno, na quarta, sexta e sábado após Santa Luzia, para impedir que a fleuma predomine, provocando preguiça e fraqueza corporal e espiritual." [8]
"Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me" (Lc 9, 23).
Referência:
Dicionário da Doutrina Católica, Pe. José Lourenço, (1945), pp. 228-229.
Missal Quotidiano. D. Beda Keckeisen O.S.B. Mosteiro São Bento. Bahia. 1947, pp. 17-18.
Francis Mershman, Ember Days. The Catholic Encyclopedia, v. 5. New York: Robert Appleton Company, 1909.
Didaquê, cap. VIII. "Sobre o Jejum e a Oração", p. 37.
The Catholic Encyclopedia (1909).
Artigo "O jejum das Quatro Têmporas", Equipe Christo Nihil Praeponere.
Legenda Áurea, Jacopo de Varazze, "O Jejum dos Quatro Tempos", pp. 236-238.
Cortés, Jerónimo; Silva de Brito, Antonio da (1857). O Non Plus Ultra do Lunario, e Pronostico Perpetuo, Geral e Particular Para Todos os Reinos e Provincias, pp. 33–34.


























Excelente explanação.