Vida de São Bonifácio e São Sancho (5 de junho)
- Sacra Traditio
- 5 de jun.
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Atualizado: 6 de jun.
SÃO BONIFÁCIO, ARCEBISPO DE MAGÚNCIA, MÁRTIR (754 d.C.)

O título de “Apóstolo da Alemanha” pertence particularmente a São Bonifácio, pois embora a Baviera e o Vale do Reno já tivessem aceitado o cristianismo antes de sua época, e alguns missionários já tivessem pregado em outras partes, especialmente na Turíngia, a ele cabe o mérito de ter evangelizado e civilizado sistematicamente as grandes regiões centrais da Alemanha, de ter fundado e organizado igrejas e de ter criado uma hierarquia sob jurisdição direta da Santa Sé. Outra das grandes obras do santo, quase tão importante quanto a anterior, embora não tão geralmente reconhecida, foi a regeneração da Igreja dos francos.
Bonifácio ou Winfrido, para dar-lhe o nome que recebeu no batismo, nasceu por volta do ano 680, provavelmente em Crediton, no condado de Devonshire. Aos cinco anos de idade, após ouvir a conversa de alguns monges hospedados em sua casa, decidiu tornar-se como eles e, ao completar sete anos, seus pais o enviaram para estudar num mosteiro próximo a Exeter. Cerca de sete anos depois, transferiu-se para a abadia de Nursling, na diocese de Winchester. Ali tornou-se o discípulo dileto do sábio abade Winberto e, após completar seus estudos, foi nomeado diretor da escola. Sua habilidade para o ensino, unida à sua simpatia pessoal, aumentou o número de alunos, em benefício dos quais o santo escreveu a primeira gramática latina feita na Inglaterra. Seus alunos o respeitavam e escutavam com entusiasmo; durante as aulas, tomavam notas que depois estudavam diligentemente e compartilhavam com seus colegas. Aos trinta anos de idade, Winfrido recebeu as ordens sacerdotais e encontrou novos campos para desenvolver seu talento, nos sermões e instruções que extraía infalivelmente da Bíblia, livro que leu e estudou com prazer durante toda a sua vida.
Contudo, sua vocação não se realizava plenamente com as atividades de ensino e pregação; ao considerar cumprida sua missão em sua terra natal, sentiu-se chamado por Deus a empregar suas energias no campo das missões estrangeiras. Todo o norte e grande parte do centro da Europa ainda estavam mergulhados nas trevas da heresia; na Frísia, São Willibrordo havia lutado durante longo tempo contra enormes dificuldades para incutir as verdades do Evangelho naquele povo. Winfrido pensou que deveria dirigir-se à Frísia e, após obter a muito custo a permissão de seu abade, embarcou com dois companheiros e desembarcou em Duunstede, na primavera de 716. – No entanto, o momento era inoportuno para iniciar a missão, e Winfrido, ao perceber que seus esforços seriam inúteis, retornou à Inglaterra no outono. Seus fiéis e discípulos de Nursling, felizes com seu retorno, recorreram a todos os meios para fazê-lo permanecer, chegando até a nomeá-lo abade após a morte do sábio Winberto, mas nada disso afastou Winfrido de sua decisão. O fracasso de sua primeira tentativa o convenceu de que, se quisesse triunfar, precisava obter um mandato direto do Papa. Em 718, apresentou-se resolutamente ao Papa São Gregório II em Roma, para solicitá-lo. No tempo oportuno, o Pontífice o enviou com a missão de levar a palavra de Deus aos hereges em geral. Foi então que mudou seu nome de Winfrido para Bonifácio. Sem perda de tempo, o santo partiu rumo à Alemanha, cruzou os Alpes, atravessou a Baviera e chegou a Hesse.
Mal começava a desenvolver sua missão quando recebeu notícias da morte do pagão Rodbord, regente local, e das pouquíssimas esperanças de que algum governante favorável aos cristãos viesse a sucedê-lo. Obedecendo ao que considerou como um segundo chamado à sua missão original, Bonifácio retornou à Frísia, onde trabalhou energicamente sob a direção de São Willibrordo durante três anos. Mas quando este, já bastante idoso, anunciou sua decisão de nomeá-lo como seu auxiliar e sucessor, São Bonifácio recusou aceitar, lembrando que o Papa lhe havia confiado uma missão geral, não limitada a uma só diocese. Pouco tempo depois, receoso de ver-se obrigado a aceitar, voltou para Hesse. Os dialetos das diversas tribos germânicas do noroeste da Europa, tão semelhantes à língua falada na Inglaterra naquele tempo, não representaram nenhuma dificuldade para Bonifácio comunicar-se e, apesar de outros obstáculos, a missão progrediu com notável rapidez. Em pouco tempo, Bonifácio pôde enviar à Santa Sé um relatório tão altamente satisfatório, que o Papa mandou chamar o missionário a Roma, com vistas a confiar-lhe um bispado.

No dia de São André do ano 722, foi consagrado bispo regional com jurisdição geral sobre a Alemanha. O Papa Gregório lhe confiou uma carta para que a entregasse ao poderoso Carlos Martel. Graças à missiva que o recém-consagrado bispo entregou pessoalmente ao passar pela França, a caminho da Alemanha, recebeu um documento selado que lhe garantia proteção absoluta. Assim armado com a autoridade da Igreja e do Estado, Bonifácio voltou para Hesse e, como primeira medida, propôs-se arrancar pela raiz as superstições pagãs que constituíam o principal obstáculo ao progresso da evangelização e à estabilidade dos primeiros convertidos. Em certa ocasião, amplamente anunciada de antemão e diante de uma multidão atônita e expectante, Bonifácio e seus cristãos começaram a golpear com machados um dos objetos de maior veneração popular: o carvalho sagrado de Donar [Thor], situado no cume do monte Gudenberg, próximo a Fritzlar, em Geismar. Bastaram poucos golpes para que a árvore enorme tombasse ao chão, com seu grosso tronco partido em quatro partes, e o povo, que esperava ver chover fogo do céu sobre os autores de tão nefando ultraje, teve de reconhecer que seus deuses eram impotentes para proteger seus próprios santuários. A partir daquele momento, a tarefa da evangelização avançou constantemente. Para o zelo de Bonifácio, os sucessos obtidos num lugar eram um sinal de que era hora de buscar outro e, portanto, assim que considerou possível deixar sozinhos seus fiéis de Hesse, transferiu-se para a Turíngia.
Aí encontrou um pequeno núcleo de cristãos, incluindo alguns poucos sacerdotes celtas e francos, mas estes foram mais um obstáculo do que uma ajuda. Em Ohrdruf, perto de Gotha, estabeleceu seu segundo mosteiro, com o propósito de criar ali um centro missionário para a Turíngia. Por toda parte encontrava pessoas ansiosas por ouvi-lo; era evidente que faltavam mestres para tantos alunos. A fim de obtê-los, Bonifácio teve a brilhante ideia de solicitar o envio de monges dos mosteiros da Inglaterra, com os quais mantinha uma correspondência regular. Os ingleses, por sua vez, não haviam deixado de se interessar pelo trabalho do missionário, apesar do tempo decorrido. É inegável que o entusiasmo e a energia do santo eram contagiantes, e que todos os que o conheciam ou colaboravam com ele se sentiam impulsionados a trabalhar no mesmo ritmo; mas, sem dúvida, a resposta ao seu pedido aos ingleses superou os seus cálculos mais otimistas. Durante vários anos consecutivos, numerosos grupos de monges e monjas, os mais seletos representantes das casas religiosas de Wessex, cruzaram o mar para se colocar às ordens do santo, que os enviava a pregar o Evangelho aos hereges. Foi necessário ampliar os dois mosteiros que havia fundado para dar abrigo a tantos missionários. Entre os monges ingleses, vieram personagens como São Lulo, que haveria de ser sucessor de São Bonifácio no bispado de Mainz; São Cobano, que compartilhou com Bonifácio a glória do martírio; São Burcardo e São Wigberto; entre as mulheres, também se destacaram algumas, como Santa Tecla, Santa Valburga e a bela e culta prima de São Bonifácio, Santa Lioba.
No ano de 731, morreu o Papa Gregório II, e seu sucessor, Gregório III, a quem São Bonifácio havia escrito, enviou-lhe o pálio e o nomeou metropolita para toda a Alemanha além do Reno, com autoridade para criar bispados onde julgasse conveniente. Alguns anos mais tarde, o santo foi a Roma pela terceira vez com o objetivo de tratar de assuntos relacionados às igrejas que havia fundado. Nessa ocasião, foi nomeado delegado da Sé Apostólica. Também então, na abadia de Monte Cassino, descobriu um novo missionário para a Alemanha na pessoa de São Willibaldo, irmão de Santa Valburga. Valendo-se de sua dignidade de legado apostólico, organizou a hierarquia na Baviera, destituiu os maus sacerdotes e pôs fim aos abusos. Da Baviera passou aos seus centros de missão, onde procedeu à criação dos novos bispados de Erfurt, na Turíngia; Beraburgo, na Hesse; Würzburg, na Francônia; e posteriormente criou também uma sede episcopal em Nordgau, para a região de Eichstätt. Cada uma dessas dioceses foi confiada a um de seus discípulos ingleses. No ano de 741, São Bonifácio e seu jovem discípulo São Stúrmio fundaram e começaram a construir a célebre abadia de Fulda, que, com o tempo, chegou a ser o que São Bonifácio desejava que fosse: o Monte Cassino da Alemanha.
Enquanto a evangelização dos alemães seguia progredindo no mesmo ritmo, a situação da Igreja na França, sob o reinado do último monarca merovíngio, ia de mal a pior. Os mais altos cargos eclesiásticos permaneciam vagos, quando não eram vendidos ao melhor ofertante; os clérigos não apenas eram ignorantes e indiferentes, mas frequentemente tinham péssimos costumes ou eram hereges; e haviam se passado oitenta e cinco anos sem que se celebrasse sequer um único concílio eclesiástico. O mordomo do palácio, Carlos Martel, se dizia paladino da Igreja e, no entanto, não cessava de explorá-la e até saqueá-la, a fim de obter fundos para continuar suas intermináveis guerras, sem fazer absolutamente nada para ajudá-la. Porém, em 741, morreu Carlos Martel e subiram ao trono seus filhos, Pepino e Carlomano; com isso, apresentou-se uma oportunidade favorável, que São Bonifácio não deixou de aproveitar. Carlomano era muito devoto e, em consequência, era fácil — sobretudo para São Bonifácio, a quem o regente admirava e venerava — convencê-lo a convocar um sínodo que pusesse fim à relaxação e aos abusos. Assim foi; à primeira assembleia seguiu-se uma segunda, celebrada em 743. Para não ficar atrás, Pepino convocou, no ano seguinte, um sínodo para as Gálias, ao qual se seguiu um concílio geral para as duas províncias. São Bonifácio presidiu todas essas reuniões e teve êxito em realizar todas as reformas que julgou necessárias. Infundiu-se novo vigor ao cristianismo e pôde-se dizer que, ao cabo de cinco anos de árduo trabalho, São Bonifácio devolveu sua antiga grandeza à Igreja nas Gálias. A data do quinto concílio dos francos, no ano de 747, foi também memorável para Bonifácio em outros aspectos. Até então, sua missão havia sido geral e ele considerou chegado o momento de ter uma sede metropolitana fixa. Para isso, escolheu a cidade de Mainz, e o Papa São Zacarias o consagrou primaz da Alemanha, bem como delegado apostólico para a Alemanha e as Gálias.

Apenas se acabava de concluir esse acordo, quando Bonifácio perdeu seu aliado, Carlomano, que decidiu retirar-se para um mosteiro. Restava Pepino, que havia reunido a França sob seu governo e que, embora fosse um homem de ideias diferentes, continuou oferecendo ao santo o apoio de que ainda precisava. “Sem o patrocínio dos chefes da França”, dizia ele numa carta a um de seus amigos ingleses, “não poderia governar o povo nem impor a disciplina a clérigos e monges, assim como também não conseguiria acabar com as práticas do paganismo.” Em sua qualidade de delegado do Papa, coroou Pepino em Soissons; mas não há absolutamente nenhuma prova que sustente a teoria de que Pepino tenha assumido a autoridade nominal e efetiva com o beneplácito, ou sequer o conhecimento, do santo.
Nessa época, Bonifácio já era e se sentia velho; ele mesmo admitia que a administração de uma província tão vasta como a sua exigia o vigor de um homem jovem. Tomou providências para que seu discípulo, São Lulo, fosse nomeado seu sucessor; mas, ao deixar o alto cargo que exercia, não pensou em descansar. O zelo missionário ardia nele com a mesma força de sempre, e estava decidido a passar os últimos anos de sua vida junto aos seus primeiros convertidos, os frísios, que, desde a morte de São Vilibrordo, estavam voltando ao paganismo. Assim, com sessenta e três anos de idade, embarcou com alguns companheiros para descer o rio Reno. Em Utrecht, juntou-se ao grupo o bispo Eobano. No início, os missionários se limitaram a pregar na parte do país que já havia sido evangelizada anteriormente; mas, no começo da primavera do ano seguinte, decidiram atravessar o lago que dividia a Frísia ao meio e penetraram na região nordeste, onde até então nenhum missionário havia chegado. Seus esforços pareciam bem-sucedidos, a julgar pelo grande número de pagãos que vinham pedir o batismo. São Bonifácio organizou uma confirmação em massa, na véspera de Pentecostes, num acampamento erguido na planície de Dokkun, à margem do riacho Borne.
No dia marcado, o santo estava lendo em sua tenda, à espera dos novos convertidos, quando uma horda de pagãos hostis apareceu de repente com evidente intenção de atacar o acampamento. Os poucos cristãos ali presentes rodearam São Bonifácio para defendê-lo, mas ele não permitiu. Pediu-lhes que permanecessem ao seu lado, exortou-os a confiar em Deus e a acolher com alegria a possibilidade de morrer pela fé. Estava ainda falando, quando o grupo foi brutalmente atacado pela horda furiosa. São Bonifácio foi um dos primeiros a cair, e todos os seus companheiros sofreram o mesmo destino. O corpo do santo foi finalmente levado ao mosteiro de Fulda, onde ainda repousa. Também se conserva ali o livro que o santo estava lendo no momento do ataque. Afirma-se que o mártir o ergueu para o alto, a fim de que não sofresse tanto dano quanto ele próprio e, de fato, as capas de madeira do pequeno volume têm entalhes causados por facas e algumas manchas que se supõe serem do sangue do mártir.
O juízo formulado por Christopher Dawson, de que São Bonifácio “exerceu uma influência mais profunda na história da Europa do que qualquer outro personagem inglês da época” (The Making of Europe, 1946, p. 166), é difícil de contradizer. À sua notável santidade, à sua imensa energia e admirável visão de missionário e reformador, à sua glória de mártir, deve-se acrescentar sua gentileza pessoal e a modéstia e simplicidade de seu caráter, que transparecem, sobretudo, através de suas cartas. Até mesmo seus contemporâneos, como o arcebispo Cutberto de Cantuária, escreviam sobre ele grandes louvores como este: “Com um sentimento de profunda gratidão, nós, na Inglaterra, já o contamos entre os melhores e maiores mestres da verdadeira fé”; o mesmo arcebispo acrescenta que a festa de São Bonifácio deverá ser celebrada anualmente na Inglaterra, como a de um de seus padroeiros, ao lado das festas de São Gregório Magno e de São Agostinho.
Há numerosas biografias antigas de São Bonifácio, mas a mais importante é a de Willibaldo; várias delas encontram-se no Acta Sanctorum, junho, vol. 1; porém, existe um texto crítico muito melhor, incluído nos MGH., especialmente no volume editado por W. Levison, Vitae Sancti Bonifacii epis. Moguntini. Há uma quantidade considerável de literatura, na maioria de origem alemã, centrada em São Bonifácio, presente em diversas obras que é impossível citar aqui. Uma fonte de informação da mais alta importância é a coleção de cartas do próprio santo, editada por Tangl em MGH., Epistolae Selectae, vol. 1. As melhores biografias alemãs são as de G. Schnürer (1909) e J. J. Laux (1922); veja-se também um excelente livro sobre sua obra missionária, escrito por F. Flaskamp (1929). Há, ademais, um admirável estudo escrito em francês por C. G. Kurth, assim como uma boa biografia do bispo anglicano G. F. Browne, Boniface of Crediton (1910). Veja-se também England and the Continent in the Eighth Century, de W. Levison (1946); e E. S. Duckett, Anglo-Saxon Saints and Scholars (1947). Existe uma tradução com notas da biografia de Willibaldo, feita por C. H. Talbot, com o título Anglo-Saxon Missionaries in Germany (1954). Devemos esclarecer que o autor não foi Willibaldo, o santo. [1]
SÃO SANCHO, MÁRTIR (851 d.C.)

São Sancho nasceu em Albi, no sul da França. Era ainda muito jovem quando os mouros da Espanha realizaram uma incursão, o sequestraram e o levaram como prisioneiro de guerra até a cidade espanhola de Córdova. Ali foi forçado a ingressar nas fileiras dos jovens cadetes que se treinavam no uso das armas, com o objetivo de se tornarem “doncelhos” ou janízaros do exército mouro. Inspirado, ao que parece, pelo exemplo de São Isaac de Córdova, o jovem Sancho fez uma pública profissão de sua fé cristã e negou corajosamente a divindade do profeta Maomé. Imediatamente foi submetido a julgamento e condenado à morte. Vários outros cristãos pereceram na mesma ocasião e pela mesma causa; mas parece que somente Sancho – sem dúvida para servir de exemplo aterrador aos que presenciavam o suplício – sofreu a horrível tortura de ser empalado vivo. Foi deitado de bruços no chão, e seu corpo foi atravessado com estacas, que, com o cadáver cravado nelas, foram depois fincadas num local de grande movimento, para que o executado ficasse exposto por vários dias, tal como os mouros fariam mais tarde com São Isaac. O cadáver de São Sancho foi finalmente incinerado e as cinzas lançadas ao rio Guadalquivir.
Também neste caso, como no de São Isaac (3 de junho), todas as nossas informações derivam dos escritos de Eulógio. Veja-se as notas bibliográficas no artigo sobre São Isaac [no foi colocado no nosso blog, pois ficaria muito grande colocar todos os santos, podemos escrever no próximo ano]. Outros mártires desta perseguição são comemorados nos dias 7, 13, 14 e 28 deste mês, no Martirológio Romano. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 463–467. Edição espanhola.
Ibid. pp. 468.
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