VIDA DE SÃO JOÃO I, PAPA E SÃO BEDA, DOUTOR DA IGREJA
- Sacra Traditio

- 27 de mai.
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Atualizado: 28 de mai.
SÃO BEDA, O VENERÁVEL, DOUTOR DA IGREJA (735 d.C.)

Quase todos os dados que temos sobre São Beda provêm de um breve escrito do próprio santo e de uma comovente descrição de suas últimas horas, feita por um de seus discípulos, o monge Cutberto. No último capítulo de sua famosa obra, História Eclesiástica do Povo Inglês, o Venerável Beda escreve:
“Eu, Beda, servo de Cristo e sacerdote do mosteiro dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, de Wearmouth e Jarrow, escrevi esta história eclesiástica com a ajuda do Senhor, baseando-me em documentos antigos, na tradição de nossos predecessores e nos meus próprios conhecimentos. Nasci no território do referido mosteiro. Aos sete anos de idade, meus parentes confiaram-me aos cuidados do muito reverendo abade Bento (São Bento Biscop) e depois ao de Ceolfrido, para que me educassem. Desde então, vivi sempre no mosteiro, consagrado ao estudo da Sagrada Escritura. Além da observância da disciplina monástica e do canto diário na igreja, minhas maiores delícias foram aprender, ensinar e escrever. Aos dezenove anos recebi o diaconato e aos trinta o sacerdócio; ambas as ordens foram-me conferidas pelo muito reverendo bispo João (São João de Beverley), a pedido do abade Ceolfrido. Desde então até o presente (tenho atualmente cinquenta e nove anos), dediquei-me, para meu proveito e o de meus irmãos, a anotar a Sagrada Escritura, baseando-me nos comentários dos Santos Padres e de acordo com suas interpretações.” Em seguida, o Venerável Beda faz uma enumeração de suas obras e conclui com estas palavras: “Suplico-te, ó Jesus amado, que, assim como me concedeste beber as doces palavras de tua sabedoria, me permitas um dia chegar até Ti, fonte de toda ciência, e permanecer para sempre diante de tua face.”
Alguns dias do ano 733, São Beda passou em York, com o arcebispo Egberto; isso permite supor que, de tempos em tempos, visitava seus amigos em outros mosteiros. Mas, fora desses curtos períodos, sua vida era inteiramente consagrada à oração, ao estudo e à redação de livros. Duas semanas antes da Páscoa do ano 735, o santo foi acometido de uma doença respiratória, e todos entenderam que se aproximava o fim. Ainda assim, seus discípulos continuaram seus estudos junto ao leito do mestre, embora as lágrimas frequentemente interrompessem as leituras. Por sua parte, o Venerável Beda dava graças a Deus. Durante os quarenta dias que separam a Páscoa da Ascensão, São Beda dedicou-se a traduzir para o inglês o Evangelho de São João e uma coletânea de notas de São Isidoro, sem por isso interromper o ensino e o canto do ofício divino. A propósito dessas traduções, o santo disse: “Faço-as porque não quero que meus discípulos leiam traduções imprecisas nem percam tempo traduzindo o original depois da minha morte.” Na terça-feira das Rogativas, sua enfermidade se agravou; no entanto, São Beda ainda deu suas lições como de costume, embora dissesse de tempos em tempos: “Apressai-vos, pois não sei por quanto tempo ainda poderei resistir, nem se Deus me chamará em breve para Si.”

Após passar a noite em oração, São Beda começou a ditar o último capítulo do Evangelho de São João. Às três da tarde, mandou chamar os sacerdotes do mosteiro, distribuiu a eles um pouco de pimenta, incenso e algumas peças de tecido que guardava em uma caixa, e lhes pediu orações por sua alma. Os monges choraram muito quando o santo lhes disse que não mais os veria nesta terra, mas se alegraram ao saber que seu irmão iria ver a Deus. Ao anoitecer, o jovem que servia de amanuense disse: “Falta apenas uma frase para traduzir.” Quando o amanuense lhe anunciou que o trabalho estava terminado, Beda exclamou: “Disseste bem; tudo está terminado. Sustenta minha cabeça para que eu possa sentar-me e olhar na direção onde costumo rezar, e assim possa invocar meu Pai.” Poucos momentos depois, exalou o último suspiro, prostrado no chão da cela, enquanto cantava: “Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo.”
Foram inventadas lendas fantásticas para explicar o título de “Venerável” dado a Beda. Na realidade, trata-se de um título de respeito que se conferia frequentemente, naquela época, aos membros mais ilustres das ordens religiosas. O Concílio de Aachen aplicou esse título a São Beda no ano 836 e, evidentemente, foi aceito pelas gerações posteriores, que o mantiveram em uso através dos séculos. Embora Beda tenha sido oficialmente reconhecido como santo e doutor da Igreja em 1899, até hoje se o chama de Venerável.
São Beda é o único inglês que recebeu o título de Doutor da Igreja, e o único inglês que Dante considerou suficientemente importante para mencioná-lo no “Paraíso”. Isso não tem nada de surpreendente, pois, embora Beda tenha vivido recluso em seu mosteiro, tornou-se conhecido muito além das fronteiras da Inglaterra. A Igreja ocidental incorporou algumas de suas homilias às lições do Breviário. A “História Eclesiástica” de Beda é praticamente uma história da Inglaterra anterior ao ano 729, “o ano dos cometas”. São Beda foi uma das colunas da cultura da época carolíngia, tanto por seus próprios escritos quanto pela influência que exerceu na Europa por meio da escola de York, fundada por seu discípulo, o arcebispo Egberto. É verdade que sabemos muito pouco acerca da vida de São Beda; mas o relato de sua morte, escrito por Cutberto, basta para nos lembrar que “preciosa é aos olhos do Senhor a morte de seus santos”. São Bonifácio disse que São Beda foi “a luz com que o Espírito Santo iluminou sua Igreja”. E as trevas jamais conseguiram extinguir essa luz.
Existem muitas obras sobre São Beda e sua época, escritas principalmente por autores anglicanos. Do ponto de vista católico, podem ser feitas certas objeções à obra do historiador William Bright, Chapters of Early English Church History (1878); mas poucos autores escreveram páginas tão eloquentes e inteligentes sobre o santo. Bede: His Life, Times and Writings, editado por A. Hamilton Thompson (1935), é uma valiosa coleção de ensaios de autores não católicos. A biografia de H. M. Guillet, de caráter popular, é excelente, assim como o estudo sobre Beda incluído na obra de R. W. Chambers, Man’s Unconquerable Mind (1939), pp. 23–52. Nos Acta Sanctorum mal se encontra algo além de uma biografia atribuída a Turgot; na realidade, trata-se de um extrato de Simeão de Durham, no qual este autor relata a trasladação dos restos mortais de São Beda à catedral de Durham. A melhor edição da História Eclesiástica e das outras obras históricas do santo é a de C. Plummer (1896). No entanto, existem outras edições de caráter popular que foram traduzidas a vários idiomas. P. Herford modernizou, em 1935, a saborosa tradução de Stapleton (1565), que já havia sido reeditada em 1930. Sobre o martirológio de Beda, cf. D. Quentin, Les martyrologes historiques (1908). Veja-se também T. D. Hardy, Descriptive Catalogue (Rolls Series), vol. 1, pp. 450–455. O cardeal Gasquet escreve: “Recorde-se que em seu leito de morte, Beda estava traduzindo para o inglês os evangelhos...” Mas não se conserva nem sequer um fragmento dessa obra, destinada “a fazer chegar a Palavra de Deus aos pobres e iletrados.” [1]
SÃO JOÃO I, PAPA E MÁRTIR (526 d.C.)

João I era toscano de nascimento. Desde muito jovem abraçou a carreira eclesiástica em Roma, onde chegou a ser arquidiácono. Com a morte de São Hormisdas, no ano 523, foi eleito para sucedê-lo no trono pontifício. Teodorico, o godo, havia governado a Itália durante trinta anos. Embora fosse um ariano convicto, sempre tratou com respeito seus súditos católicos. Mas sua atitude tolerante mudou por essa época, em parte porque havia descoberto uma correspondência desleal entre os principais membros do senado romano e Constantinopla, e em parte por causa das severas medidas que o imperador Justino I havia decretado contra os arianos. Os arianos do Oriente apelaram a Teodorico, que decidiu enviar uma embaixada para negociar com o imperador. O Papa João, que liderava a embaixada muito contra a sua vontade, foi recebido com entusiasmo em Constantinopla: o imperador e todo o povo saíram ao seu encontro, e o Papa celebrou na catedral no dia de Páscoa. Os relatos sobre a missão de João I e a maneira como a desempenhou variam muito. Contudo, parece que o Papa induziu o imperador a tratar com maior moderação os arianos, para evitar a perseguição dos católicos na Itália. Mas, durante a ausência de João I, o ressentimento de Teodorico contra os católicos havia aumentado. O monarca havia condenado à morte o filósofo São Severino Boécio e seu sogro Símaco, acusados de alta traição, e interpretou a amizade entre o Papa e o imperador como prova de que tramavam uma conspiração contra ele. Assim que o Papa chegou a Ravena, que era a capital, o imperador ordenou que fosse preso. João I morreu poucos dias depois na prisão, em consequência dos maus-tratos que havia recebido.
O texto e as notas da edição de Duchesne do Liber Pontificalis, vol. 1, pp. 275–278, dizem praticamente tudo o que se sabe sobre João I. Veja-se Acta Sanctorum, maio, vol. VI; e Hartmann, Geschichte Italiens im Mittelalter, vol. 1, pp. 220–224. G. Pfeilschifter, Theodorich der Grosse, etc. (1896), pp. 184–203, discute o fato do martírio de João I; o Pe. Grisar o defende em Geschichte Roms und der Päpste, vol. 1, pp. 481–483. Ver também F. X. Seppelt, Der Aufstieg des Päpstums (1931), pp. 274–276. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 385–386. Edição espanhola.
Ibid. pp. 388-389.


























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