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Vida de São Carlos Borromeu e Santos Vital e Agrícola, Mártires (4 de novembro)



São Carlos Borromeu pintado por Giovanni Ambrogio Figino
São Carlos Borromeu pintado por Giovanni Ambrogio Figino.

Entre os grandes homens da Igreja que, nos dias turbulentos do século XVI, lutaram para realizar a verdadeira reforma de que tanto necessitava a Igreja e procuraram suprimir, mediante a correção dos abusos e maus costumes, os pretextos de que se aproveitavam em toda a Europa os promotores da falsa reforma, nenhum foi, certamente, mais grandioso nem mais santo que o cardeal Carlos Borromeu. Juntamente com São Pio V, São Filipe Néri e Santo Inácio de Loyola, é uma das quatro maiores figuras da Contra-Reforma. Era um nobre de alta estirpe. Seu pai, o conde Gilberto Borromeu, distinguiu-se por seu talento e virtudes. Sua mãe, Margarida, pertencia ao ramo milanês da nobre família Médici. Um irmão mais novo de sua mãe chegou a cingir a tiara pontifícia com o nome de Pio IV. Carlos era o segundo dos dois varões entre os seis filhos da família. Nasceu no castelo de Arona, junto ao lago Maggiore, em 2 de outubro de 1538. Desde os primeiros anos, deu mostras de grande seriedade e devoção. Aos doze anos, recebeu a tonsura, e seu tio, Júlio César Borromeu, cedeu-lhe a rica abadia beneditina de São Graciano e São Felino, em Arona, que desde muito tempo estava nas mãos da família. Diz-se que Carlos, embora tão jovem, lembrou ao pai que as rendas desse benefício pertenciam aos pobres e não podiam ser aplicadas a gastos seculares, exceto o que fosse usado em sua educação, para que um dia se tornasse digno ministro da Igreja. Depois de estudar latim em Milão, o jovem transferiu-se para a Universidade de Pavia, onde estudou sob a direção de Francisco Alciati, que mais tarde seria promovido ao cardinalato a pedido do santo. Carlos tinha certa dificuldade na fala e sua inteligência não era brilhante, de modo que seus mestres o consideravam um tanto lento; contudo, o jovem fez grandes progressos em seus estudos. A dignidade e a seriedade de sua conduta fizeram dele um modelo entre os jovens universitários, que tinham fama de se entregarem aos vícios. O conde Gilberto dava ao filho apenas uma parte mínima das rendas da abadia, e pelas cartas de Carlos vê-se que ele frequentemente passava por períodos de verdadeira penúria, pois sua posição o obrigava a manter um estilo de vida de certo luxo. Aos vinte e dois anos, quando seus pais já haviam falecido, obteve o grau de doutor. Em seguida retornou a Milão, onde recebeu a notícia de que seu tio, o cardeal de Médici, fora eleito Papa no conclave de 1559, após a morte de Paulo IV.


No início de 1560, o novo Papa fez de seu sobrinho cardeal-diácono e, em 8 de fevereiro seguinte, nomeou-o administrador da sede vacante de Milão; mas, em vez de deixá-lo partir, reteve-o em Roma e confiou-lhe numerosos encargos. Com efeito, Carlos foi nomeado, em rápida sucessão, legado de Bolonha, da Romanha e da Marca de Ancona, bem como protetor de Portugal, dos Países Baixos, dos cantões católicos da Suíça e, além disso, das ordens de São Francisco, do Carmelo, dos Cavaleiros de Malta e de outras mais. O extraordinário é que todas essas honras e responsabilidades recaíam sobre um jovem que ainda não havia completado vinte e três anos e era apenas clérigo de ordens menores. É incrível a quantidade de trabalho que São Carlos conseguia despachar sem jamais se apressar, graças a uma atividade regular e metódica. Além disso, ainda encontrava tempo para cuidar dos assuntos de sua família, ouvir música e fazer exercícios [espirituais]. Era grande amante do saber e o promoveu muito entre o clero, fundando no Vaticano, com o objetivo de instruir e deleitar a corte pontifícia, uma academia literária composta de clérigos e leigos, algumas de cujas conferências e trabalhos foram publicados entre as obras de São Carlos sob o título de Noctes Vaticanae. Naquele tempo, julgou necessário conformar-se ao costume renascentista que obrigava os cardeais a possuir um palácio magnífico, uma criadagem numerosa, a receber constantemente pessoas importantes e a manter uma mesa condigna com a posição. Mas, em seu coração, estava profundamente desprendido de todas essas coisas. Mortificara perfeitamente seus sentidos, e sua atitude era humilde e paciente. Muitas almas se convertem a Deus na adversidade; São Carlos teve o mérito de reconhecer a vaidade da abundância enquanto vivia nela e, por isso, seu coração se desapegava cada vez mais das coisas terrenas. Fez tudo o que pôde para prover o governo da diocese de Milão e remediar os desordens nela existentes; nesse sentido, a ordem do Papa para que permanecesse em Roma dificultava-lhe a tarefa. O Venerável Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, foi então a Roma, e São Carlos aproveitou a ocasião para abrir-lhe o coração, dizendo: “Vedes a posição que ocupo. Sabeis o que significa ser sobrinho — e sobrinho dileto — de um Papa, e não ignorais o que é viver na corte romana. Os perigos são imensos. Que posso eu fazer, jovem inexperiente? Minha maior penitência é o fervor que Deus me deu, e com frequência penso em retirar-me a um mosteiro e viver como se só Deus e eu existíssemos.” O arcebispo dissipou as dúvidas do cardeal, assegurando-lhe que não devia largar o arado que Deus pusera em suas mãos para o serviço da Igreja, mas antes procurar governar pessoalmente sua diocese quando lhe fosse possível. Quando São Carlos soube que Bartolomeu dos Mártires fora a Roma precisamente para renunciar ao arcebispado, pediu-lhe explicações sobre o conselho que lhe havia dado, e o arcebispo teve de usar de todo o seu tato naquela circunstância.


“São Carlos Borromeu rezando diante do Santo Cravo”, por Francisco de Zurbarán.
“São Carlos Borromeu rezando diante do Santo Cravo”, por Francisco de Zurbarán.

Pio IV havia anunciado, pouco depois de sua eleição, que tinha a intenção de reunir novamente o Concílio de Trento, suspenso em 1552. São Carlos empregou toda a sua influência e energia para que o Pontífice realizasse esse projeto, apesar das circunstâncias políticas e eclesiásticas serem muito adversas. Os esforços do cardeal tiveram êxito, e o Concílio voltou a reunir-se em janeiro de 1562. Durante os dois anos que durou a sessão, o santo teve de trabalhar com a mesma diplomacia e vigilância que empregara para conseguir que ela se realizasse. Por várias vezes a assembleia esteve prestes a se dissolver, deixando a obra incompleta; mas, com sua grande habilidade e com o constante apoio que deu aos legados do Papa, conseguiu que o empreendimento prosseguisse. Assim, nas nove sessões gerais e nas inúmeras reuniões particulares, foram aprovados muitos dos decretos dogmáticos e disciplinares de maior importância. O êxito deveu-se a São Carlos mais do que a qualquer outro dos participantes da assembleia, de modo que se pode dizer que ele foi o diretor intelectual e o espírito condutor da terceira e última sessão do Concílio de Trento. No decorrer das reuniões, faleceu o conde Frederico Borromeu, com o que São Carlos ficou como chefe de sua nobre família, e sua posição tornou-se mais difícil do que nunca. Muitos supuseram que ele abandonaria o estado clerical para se casar, mas o santo nem sequer pensou nisso. Renunciou a seus direitos em favor de seu tio Júlio e foi ordenado sacerdote em 1563. Dois meses depois, recebeu a consagração episcopal, embora não lhe fosse permitido trasladar-se para sua diocese. Além de todos os seus encargos, foi-lhe confiada a supervisão da publicação do Catecismo do Concílio de Trento e a reforma dos livros litúrgicos e da música sacra; foi ele quem encomendou a Palestrina a composição da Missa Papae Marcelli. Milão, que estivera durante oitenta anos sem bispo residente, encontrava-se em estado deplorável. O vigário de São Carlos havia feito todo o possível para reformar a diocese com a ajuda de alguns jesuítas, mas sem grande êxito. Finalmente, São Carlos obteve permissão para reunir um concílio provincial e visitar sua diocese. Antes de partir, o Papa o nomeou legado a latere para toda a Itália. O povo de Milão o recebeu com grande alegria, e o santo pregou na catedral sobre o texto: “Com grande desejo desejei comer esta Páscoa convosco.” Dez bispos sufragâneos assistiram ao Sínodo, cujas decisões sobre a observância dos decretos do Concílio de Trento, sobre a disciplina e a formação do clero, sobre a celebração dos ofícios divinos, sobre a administração dos sacramentos, sobre o ensino dominical do catecismo e sobre muitos outros pontos, foram tão acertadas que o Papa escreveu a São Carlos para felicitá-lo. Quando o santo se encontrava no cumprimento de seu ofício como legado na Toscana, foi convocado a Roma para assistir Pio IV em seu leito de morte, onde também estava São Filipe Néri. O novo Papa, São Pio V, pediu a São Carlos que permanecesse algum tempo em Roma para desempenhar os ofícios que seu predecessor lhe havia confiado, mas o santo aproveitou a primeira oportunidade para rogar ao Papa que o deixasse partir, e soube fazê-lo com tal prudência que Pio V o despediu com sua bênção.


“São Carlos Borromeu”, por Orazio Borgianni.
“São Carlos Borromeu”, por Orazio Borgianni.

São Carlos chegou a Milão em abril de 1566 e logo começou a trabalhar energicamente na reforma de sua diocese. Seu primeiro passo foi a organização de sua própria casa. Como considerava o episcopado um estado de perfeição, mostrou-se extremamente severo consigo mesmo. Contudo, soube sempre aplicar a discrição à penitência, para não desperdiçar as forças que necessitava no cumprimento do dever, de modo que, mesmo nas maiores fadigas, conservava toda sua energia. As rendas de que dispunha eram abundantes, mas dedicava a maior parte delas às obras de caridade e opunha-se decididamente à ostentação e ao luxo. Em certa ocasião, quando alguém mandou aquecer-lhe o leito, o santo disse sorrindo: “A melhor maneira de não achar o leito demasiado frio é ir a ele mais frio do que ele possa estar.” Francisco Panigarola, arcebispo de Asti, disse no sermão fúnebre de São Carlos:


“De suas rendas não empregava para seu próprio uso senão o absolutamente indispensável. Em certa ocasião, quando o acompanhei a uma visita ao vale de Mesolcina, que é um lugar muito frio, encontrei-o à noite estudando, vestido apenas com uma batina velha. Naturalmente lhe disse que, se não queria morrer de frio, devia se cobrir melhor, e ele sorriu ao responder-me: ‘Não tenho outra batina. Durante o dia sou obrigado a vestir a púrpura cardinalícia, mas esta é a única batina que realmente me pertence e me serve tanto no verão como no inverno.’”

Quando São Carlos se estabeleceu em Milão, vendeu a baixela de prata e outros objetos preciosos por 30.000 coroas, soma que consagrou inteiramente a socorrer famílias necessitadas. Seu esmoleiro tinha ordem de distribuir entre os pobres 200 coroas mensais, sem contar as esmolas extraordinárias, que eram numerosas. A generosidade de São Carlos deixou uma lembrança imperecível. Por exemplo, ajudou tão liberalmente o Colégio Inglês de Douai, que o cardeal Allen costumava chamar São Carlos de fundador da instituição. Por outro lado, o santo organizou retiros para seu clero. Ele mesmo fazia os Exercícios Espirituais duas vezes por ano e tinha por regra confessar-se todos os dias antes de celebrar a Missa. Seu confessor habitual era o Dr. Griffith Roberts, da diocese de Bangor, autor da famosa gramática galesa. São Carlos nomeou outro galês (o Dr. Owen, que mais tarde se tornou bispo da Calábria) vigário-geral de sua diocese, e levava sempre consigo uma pequena imagem de São João Fisher. Tinha o maior respeito pela liturgia, de modo que jamais dizia uma oração ou administrava um sacramento apressadamente, por mais que estivesse com pressa ou por mais longa que fosse a cerimônia.

“São Carlos Borromeu ante o Cristo morto”, por Giovanni Battista Crespi.
“São Carlos Borromeu ante o Cristo morto”, por Giovanni Battista Crespi.

Seu espírito de oração e seu amor a Deus deixavam nos outros uma grande alegria espiritual, ganhavam-lhes os corações e infundiam em todos o desejo de perseverar na virtude e de sofrer por ela. Tal foi o espírito que São Carlos aplicou à reforma de sua diocese, começando pela organização de sua própria casa. Sua casa era composta por cerca de cem pessoas; a maior parte eram clérigos, aos quais o santo pagava generosamente para evitar que recebessem presentes de outros. Na diocese, a religião era mal conhecida e ainda menos compreendida; as práticas religiosas estavam desfiguradas pela superstição e profanadas pelos abusos. Os sacramentos haviam caído em abandono, porque muitos sacerdotes mal sabiam como administrá-los e eram indolentes, ignorantes e de má vida. Os mosteiros encontravam-se no maior desordenamento. Por meio de concílios provinciais, sínodos diocesanos e múltiplas instruções pastorais, São Carlos aplicou progressivamente as medidas necessárias para a reforma do clero e do povo. Essas medidas foram tão sábias que muitos prelados ainda as consideram modelo e as estudam para aplicá-las. São Carlos foi um dos homens mais eminentes em teologia pastoral que Deus enviou à sua Igreja para remediar os desordens causadas pela decadência espiritual da Idade Média e pelos excessos dos "reformadores" protestantes. Usando, de um lado, a ternura paternal e ardentes exortações e, de outro, aplicando rigorosamente os decretos dos sínodos — sem distinção de pessoas, classes ou privilégios —, dobrou pouco a pouco os obstinados e venceu dificuldades que teriam desanimado até os mais valentes. São Carlos teve de superar sua própria dificuldade de fala com paciência e atenção, pois possuía um defeito na língua. A esse propósito, dizia seu amigo Aquiles Gagliardi:


“Muitas vezes me admirei de que, mesmo sem possuir qualquer eloquência natural, nem especial atrativo pessoal, tenha conseguido operar tais mudanças no coração de seus ouvintes. Falava brevemente, com suma seriedade, e mal se podia ouvir sua voz; contudo, suas palavras produziam sempre efeito.”


“São Carlos Borromeu distribuindo esmolas aos pobres”, por José Salomé Pina.
“São Carlos Borromeu distribuindo esmolas aos pobres”, por José Salomé Pina.

São Carlos ordenou que se prestasse especial atenção à instrução cristã das crianças. Não contente em impor aos sacerdotes a obrigação de ensinar publicamente o catecismo todos os domingos e dias santos, fundou a Confraria da Doutrina Cristã, que chegou a contar, segundo se diz, com 740 escolas, 3.000 catequistas e 40.000 alunos. Assim, São Carlos fundou as “escolas dominicais” dois séculos antes de Roberto Raikes introduzi-las na Inglaterra para as crianças protestantes. São Carlos valeu-se particularmente dos clérigos regulares de São Paulo (“barnabitas”), cujas constituições ele mesmo ajudara a revisar e, em 1578, fundou uma congregação de sacerdotes seculares chamada Oblatos de Santo Ambrósio, que, por um simples voto de obediência ao bispo, se colocavam à disposição deste para serem empregados conforme sua vontade na obra da salvação das almas. Pio XI fez parte mais tarde dessa congregação, cujos membros se chamam atualmente Oblatos de Santo Ambrósio e de São Carlos.


Mas nem em toda parte a obra reformadora do santo foi bem acolhida, pois, em certos casos, ele teve de enfrentar oposição violenta e sem escrúpulos. Em 1567, teve uma dificuldade com o senado. Certos leigos, que levavam abertamente uma vida pouco edificante e se recusavam a ouvir as exortações do santo, foram presos por sua ordem. O senado, por esse motivo, ameaçou os funcionários da cúria do arcebispo, e o caso chegou até o Papa e Filipe II da Espanha. Enquanto isso, o alcaide episcopal foi espancado e expulso da cidade. São Carlos, depois de considerar o assunto com prudência, excomungou os que haviam participado no ataque. Finalmente, a decisão sobre esse conflito de jurisdição favoreceu São Carlos, já que, pela antiga lei, um arcebispo gozava de certo poder executivo; mas o governador de Milão recusou-se a aceitar essa decisão. São Carlos partiu então para visitar três vales alpinos: o de Leventina, o de Bregno e o da Riviera, que os arcebispos anteriores haviam deixado completamente abandonados, e onde a corrupção do clero era ainda maior que a dos leigos, com os resultados que se podem imaginar. O santo pregou e catequizou por toda parte, destituiu os clérigos indignos e os substituiu por homens capazes de restaurar a fé e os costumes do povo, e de resistir aos ataques dos protestantes zwinglianos. Mas seus inimigos em Milão não o deixaram muito tempo em paz. Como a conduta de alguns cônegos da colegiada de Santa Maria della Scala (que pretendiam estar isentos da jurisdição do ordinário) não correspondia à sua dignidade, São Carlos consultou São Pio V, que lhe respondeu que tinha o direito de visitar essa igreja e de tomar contra os cônegos as medidas que julgasse necessárias. São Carlos apresentou-se então na igreja para realizar a visita canônica; mas os cônegos fecharam-lhe a porta na cara, e alguém disparou um tiro contra a cruz que o santo havia erguido com a mão durante o tumulto. O senado tomou o partido dos cônegos e apresentou a Filipe II da Espanha as mais violentas acusações contra o arcebispo, dizendo que ele se havia arrogado os direitos do rei, porque a colegiada estava sob o patronato régio. Por outro lado, o governador de Milão escreveu ao Papa ameaçando desterrar o cardeal Borromeu como traidor. Finalmente, o rei escreveu ao governador ordenando-lhe que apoiasse o arcebispo, e os cônegos ofereceram resistência por algum tempo, mas acabaram por se submeter.

São Carlos Borromeu fornecendo viático aos moribundos na peste de Milão por José Manuel
São Carlos Borromeu fornecendo viático aos moribundos na peste de Milão por José Manuel.

Antes que esse assunto se resolvesse, a vida de São Carlos correu um perigo ainda maior. A ordem religiosa dos Humiliati, que contava já com muito poucos membros, mas possuía ainda muitos mosteiros e terras, havia se submetido às medidas reformadoras do arcebispo; porém, os Humiliati estavam totalmente corrompidos, e sua submissão fora apenas aparente. Com efeito, tentaram por todos os meios conseguir que o Papa anulasse as disposições de São Carlos e, ao fracassarem, três priores da ordem tramaram um complô para assassinar o santo. Um sacerdote da ordem, chamado Jerônimo Donati Farina, aceitou tentar matar o santo por vinte moedas de ouro. Essa soma foi obtida com a venda dos ornamentos de uma igreja. No dia 26 de outubro de 1569, Farina se colocou à porta da capela da casa de São Carlos, enquanto este rezava as orações da noite com os seus. Os presentes cantavam um hino de Orlando di Lasso e, precisamente no momento em que entoavam as palavras: “Já é tempo de que eu volte Àquele que me enviou”, o assassino descarregou sua pistola contra o santo. Farina conseguiu escapar no tumulto que se produziu, enquanto São Carlos, pensando que estava ferido de morte, encomendava sua alma a Deus. Na realidade, a bala apenas havia tocado suas vestes, e seu manto cardinalício caíra ao chão, mas o santo estava ileso. Depois de uma solene procissão de ação de graças, São Carlos retirou-se por alguns dias a um mosteiro cartuxo para consagrar novamente sua vida a Deus.


Ao sair de seu retiro, visitou outra vez os três vales dos Alpes e aproveitou a oportunidade para percorrer também os cantões suíços católicos, onde converteu certo número de zwinglianos e restaurou a disciplina nos mosteiros. A colheita daquele ano se perdeu e, no seguinte, Milão atravessou um período de carestia. São Carlos pediu ajuda para obter alimentos aos necessitados e, durante três meses, sustentou diariamente três mil pobres com suas próprias rendas. Como estava bastante debilitado de saúde, os médicos lhe ordenaram que modificasse seu regime de vida, mas a mudança não trouxe melhora alguma. Depois de assistir em Roma ao conclave que elegeu Gregório XIII, o santo voltou ao seu antigo regime e logo se recuperou. Pouco tempo depois, teve um novo conflito com o poder civil de Milão, pois o novo governador, Dom Luís de Requesens, tentou reduzir a jurisdição local da Igreja e pôr o arcebispo em má posição diante do rei. São Carlos não hesitou em excomungar Requesens, o qual, para vingar-se, enviou um pelotão de soldados a patrulhar as imediações do palácio episcopal e proibiu que as confrarias se reunissem sem a presença de um magistrado. Filipe II acabou por destituir o governador. Mas esses triunfos públicos não foram, por certo, a parte mais importante do “zelo pastoral” que exalta o ofício da Festa de São Carlos. Sua principal tarefa consistiu em formar um clero virtuoso e bem preparado. Certa vez, quando um sacerdote exemplar estava gravemente enfermo, o povo comentou que o arcebispo se preocupava demais com ele. O santo respondeu: “Bem se vê que não sabeis quanto vale a vida de um bom sacerdote!”. Já mencionamos acima a fundação dos Oblatos de Santo Ambrósio, que tanto êxito tiveram. Além disso, São Carlos reuniu cinco sínodos provinciais e onze diocesanos. Era incansável na visita às paróquias. Quando um de seus sufragâneos lhe disse que não tinha nada a fazer, o santo lhe enviou uma longa lista das obrigações episcopais, acrescentando depois de cada ponto: “Como pode um bispo dizer que não tem nada a fazer?”. O santo fundou três seminários na arquidiocese de Milão, destinados a diferentes tipos de jovens que se preparavam para o sacerdócio, e exigiu em toda parte a aplicação das disposições do Concílio de Trento acerca da formação sacerdotal. Em 1575, foi a Roma ganhar a indulgência do jubileu e, no ano seguinte, instituiu-a em Milão. Então acorreram à cidade grandes multidões de peregrinos, alguns dos quais estavam contaminados com a peste, de modo que a epidemia se propagou em Milão com grande virulência.

São Carlos Borromeu leva em procissão o Santo Cravo.
São Carlos Borromeu leva em procissão o Santo Cravo.

O governador e muitos dos nobres abandonaram a cidade. São Carlos consagrou-se inteiramente ao cuidado dos enfermos. Como seu clero não fosse suficientemente numeroso para assistir às vítimas, reuniu os superiores das comunidades religiosas e lhes pediu ajuda. Imediatamente, muitos religiosos se ofereceram como voluntários, e São Carlos os hospedou em sua própria casa. Depois, escreveu ao governador, Dom Antônio de Guzmán, repreendendo-o por sua covardia, e conseguiu que ele voltasse ao seu posto, junto com outros magistrados, para se esforçar em conter o desastre. O hospital de São Gregório era pequeno demais e estava sempre repleto de mortos, moribundos e enfermos, a quem ninguém se encarregava de assistir. O espetáculo arrancou lágrimas de São Carlos, que teve de pedir auxílio aos sacerdotes dos vales alpinos, pois os de Milão se recusaram, a princípio, a ir ao hospital. A epidemia arruinou o comércio, o que causou grande carestia. São Carlos esgotou literalmente seus recursos para ajudar os necessitados e contraiu grandes dívidas. Chegou ao extremo de transformar em roupas para os pobres os toldos e dosséis coloridos que costumavam ser pendurados desde o palácio episcopal até a catedral durante as procissões. Colocou os enfermos nas casas vazias dos arredores da cidade e em abrigos improvisados; os sacerdotes organizaram grupos de ajudantes leigos, e ergueram-se altares nas ruas para que os enfermos pudessem assistir à Missa das janelas. Mas o arcebispo não se contentou apenas em orar, fazer penitência, organizar e distribuir: ele mesmo assistia pessoalmente os doentes, os moribundos e socorria os necessitados. Os altos e baixos da peste duraram desde o verão de 1576 até o início de 1578. Nem mesmo nesse período deixaram os magistrados de Milão de tentar pôr São Carlos em má posição diante do Papa. Talvez algumas de suas queixas não fossem totalmente infundadas, mas todas revelavam, no fundo, a ineficácia e a estupidez de quem as apresentava. Quando terminou a epidemia, São Carlos decidiu reorganizar o cabido da catedral com base na vida comum. Os cônegos se opuseram, e o santo decidiu então fundar seus oblatos.


Na primavera de 1580, hospedou durante uma semana uma dúzia de jovens ingleses que estavam a caminho da missão da Inglaterra, e um deles pregou diante dele: era o Beato Rodolfo Sherwin, que um ano e meio depois morreria pela fé em Londres. Pouco depois, São Carlos deu a primeira comunhão a São Luís Gonzaga, que tinha então doze anos. Por essa época, viajou muito, e as privações e fadigas começaram a afetar sua saúde. Além disso, havia reduzido as horas de sono, e o Papa teve de recomendar-lhe que não levasse demasiado longe o jejum quaresmal. No fim de 1583, São Carlos foi enviado à Suíça como visitador apostólico e, em Grisões, teve de enfrentar não só os protestantes, mas também um movimento de bruxas e feiticeiros. Em Roveredo, o povo acusou o pároco de praticar magia, e o santo se viu obrigado a degradá-lo e entregá-lo ao braço secular. Não se envergonhava de discutir pacientemente sobre pontos teológicos com as camponesas protestantes da região e, certa vez, fez sua comitiva esperar até conseguir ensinar o Pai-Nosso e a Ave-Maria a um pastorzinho ignorante. Tendo sabido que o duque Carlos de Saboia havia adoecido em Vercelli, foi vê-lo imediatamente e o encontrou agonizante. Mas, assim que entrou no quarto do duque, este exclamou: “Estou curado!”. O santo lhe deu a comunhão no dia seguinte. Carlos de Saboia sempre acreditou ter recuperado a saúde graças às orações de São Carlos e, depois da morte deste, mandou pendurar em seu sepulcro uma lâmpada de prata. No ano de 1584, a saúde do santo piorou. Depois de fundar em Milão uma casa de convalescença, São Carlos partiu em outubro para Monte Varallo, a fim de fazer seu retiro anual, acompanhado pelo Pe. Adorno, S.J. Antes de partir, havia predito a várias pessoas que lhe restava pouco tempo de vida. Com efeito, no dia 24 de outubro sentiu-se doente e, no dia 29 do mesmo mês, partiu de volta a Milão, aonde chegou no Dia de Finados. Na véspera, havia celebrado sua última Missa em Arona, sua cidade natal. Uma vez no leito, pediu os últimos sacramentos “imediatamente” e os recebeu das mãos do arcipreste de sua catedral. No começo da noite de 3 para 4 de novembro, morreu serenamente, enquanto pronunciava as palavras “Ecce venio”. Tinha apenas quarenta e seis anos de idade. A devoção ao santo cardeal espalhou-se rapidamente. Em 1601, o cardeal Baronio, que o chamou de “um segundo Ambrósio, enviou ao clero de Milão uma ordem de Clemente VIII para que, no aniversário da morte do arcebispo, não celebrassem Missa de Réquiem, mas uma Missa Solene. São Carlos foi oficialmente canonizado por Paulo V em 1610.


Virgem Maria em apoio a Carlos Borromeu - Teto pintado por Johann Michael Rottmayr (1654–1730) para a Karlskirche, Viena.
Virgem Maria em apoio a Carlos Borromeu - Teto pintado por Johann Michael Rottmayr (1654–1730) para a Karlskirche, Viena.

Os bolandistas ainda não publicaram a biografia de São Carlos Borromeu. Em 1894, publicaram o segundo volume de novembro dos Acta Sanctorum, no qual normalmente deveria estar a biografia de todos os santos do dia 4. Mas as fontes sobre São Carlos, particularmente as inéditas, não podiam então ser plenamente utilizadas, e esperar até que isso fosse possível teria retardado indefinidamente a publicação de toda a obra. Assim, os bolandistas decidiram imprimir o segundo volume, reservando a segunda parte para o estudo profundo da vida de São Carlos, que havia sido iniciado pelo Pe. Van Ortroy. Infelizmente, esse distinto historiador, que já reunira uma enorme quantidade de materiais, foi adiando a obra e morreu sem conseguir pôr em ordem suas notas. Veja-se, a esse respeito, Analecta Bollandiana, vol. XXXIX (1921), p. 15. Na mesma revista, o Pe. Van Ortroy publicou muitos juízos sobre livros referentes à obra de São Carlos. Por exemplo, destacou (vol. XIV, p. 346) quão errada era a ideia de que São Carlos havia sido ordenado sacerdote às escondidas; também observou que o santo, levado pelo ardente desejo de obter sacerdotes zelosos para sua arquidiocese, escreveu algumas cartas de tom intempestivo aos superiores de certas ordens religiosas (ibid., vol. XXIX, p. 373). Mais importante ainda é a crítica bibliográfica sobre São Carlos que o Pe. Van Ortroy publicou no mesmo volume XXXIX (1921), pp. 338–345. Pode-se dizer, com verdade, que até hoje não se publicou nenhuma biografia de São Carlos baseada em um estudo sério dos materiais encontrados nos arquivos privados, diplomáticos e eclesiásticos. Os leitores modernos conhecem o santo sobretudo através da biografia de Giussano (1610), cuja edição latina foi anotada por Oltrocchi em 1751, e pela de P. Sylvain, Histoire de Saint Charles Borromée (3 vols., 1884). Nesse mesmo ano, apareceu uma tradução inglesa da obra de Giussano. Talvez a mais valiosa das fontes, por se tratar de obra de um amigo que conheceu intimamente São Carlos, seja o livro do barnabita Bascapé, De vita et rebus gestis Caroli Cardinalis (1592). No decorrer deste século, muitos estudos históricos foram publicados sobre os resultados do Concílio de Trento no âmbito da Contra-Reforma, e muitos deles lançam luz sobre a vida e as atividades de São Carlos. Nesse sentido, poderíamos aqui citar uma imensa bibliografia; mas contentar-nos-emos em mencionar as principais obras. Entre as de caráter geral, convém ver a História dos Papas, de Pastor, e a vasta coleção de documentos iniciada por Merkle e Ehses sobre as sessões do Concílio de Trento. Veja-se, além disso, Aristide Sala, Documenti circa la vita e le gesta di San Carlo (3 vols., 1857–1861); Acta Ecclesiae Mediolanensis (4 vols. in-fólio, editados a partir de 1890 por Achille Ratti, que mais tarde se tornou Pio XI); S. Steinherz, Nuntiaturberichte aus Deutschland, vol. I (1906); D. Tamilia, Monte di Pietà di Roma (1900); a série de ensaios e documentos publicados quase periodicamente de 1908 a 1910 sob o título San Carlo Borromeo nel terzo centenario della canonizzazione; G. Boffito, Scrittori Barnabiti... (3 vols., 1933–1935); Levati e Clerici, Menologia dei Barnabiti (1931); A. Sara, Federico Borromeo e i mistici del suo tempo (1933). L. Celier publicou na coleção Les Saints um esboço biográfico aceitável e essencialmente fidedigno, intitulado Saint Charles Borromée. A biografia italiana de R. Orsenigo é talvez a melhor que existe; foi traduzida para o inglês em 1943. Citem-se também as biografias de E. Thompson e M. Yeo (A Prince of Pastors, 1938), e o relato excepcionalmente completo encontrado em DHG. J. A. Sassi editou em 1747 os escritos de São Carlos em cinco volumes; mas, naquela época, grande parte da correspondência do santo era desconhecida ou não podia ser publicada. Sobre a acusação feita a São Carlos de perseguir impiedosamente os hereges, cf. The Tablet, 29 de julho de 1905. Sobre a falta de precauções sanitárias durante a grande epidemia, veja-se o importantíssimo estudo do Pe. A. Gemelli, em Scuola Cattolica (1910). 1




Pintura dos Santos mártires Vital e Agrícola em Bolonha.
Pintura dos Santos mártires Vital e Agrícola em Bolonha.

Conta-se que no ano 393, Eusébio, bispo de Bolonha, teve uma visão na qual lhe foi revelado que, no cemitério judaico daquela cidade, estavam sepultados dois mártires cristãos: Vital e Agrícola. O bispo descobriu e mandou trasladar as relíquias, e Santo Ambrósio de Milão assistiu à cerimônia.


Santo Ambrósio falou desses mártires em um sermão sobre a virgindade e exortou seu auditório a receber com respeito as relíquias que seriam depositadas sob o altar, como penhor de salvação. Essa passagem de Santo Ambrósio é o único testemunho que temos sobre o martírio dos santos Vital e Agrícola, que antigamente eram muito mais venerados no Ocidente do que atualmente.


Mas, embora ninguém tivesse ouvido falar desses mártires antes da revelação de Eusébio, pouco a pouco começaram a surgir alguns relatos sobre seu martírio. Neles se diz que Agrícola vivia em Bolonha e que o povo o amava muito por sua bondade e virtude. Vital, que era seu escravo, converteu-se ao cristianismo graças ao seu senhor e sofreu o martírio antes dele, no circo. Quando morreu, não lhe restava no corpo parte sã. A execução do amo foi adiada para que presenciasse a morte do escravo e se decidisse a abjurar da fé. Mas o exemplo de Vital apenas deu novos ânimos a Agrícola, o que provocou a ira dos juízes e do povo. Agrícola pereceu crucificado. Os algozes se enfureceram contra ele e o fixaram à madeira com muitos cravos.


Martírio de São Agrícola, afresco em Bolonha, Itália.
Martírio de São Agrícola, afresco em Bolonha, Itália.

São Gregório de Tours queixava-se de que em sua época não existia nenhum relato propriamente dito do martírio desses santos. Mas a lenda encarregou-se mais tarde de preencher essa lacuna com dois relatos (que Butler diz ser fictícios e, que foram atribuídos sem razão a Santo Ambrósio). Em Acta Sanctorum, novembro, vol. 11, pode-se ver o documento autêntico de Santo Ambrósio e o texto dos atos pseudo-ambrósianos, assim como muitos outros documentos sobre o assunto. A respeito do culto tão popular desses mártires, cf. Delehaye, Origines du culte des martyrs, e CMH., pp. 623-624. A nota desta última obra encontra-se em 27 de novembro, dia em que o Hieronymianum cita os nomes de Agrícola e Vital (nessa ordem); contudo, parece que a Festa era celebrada em Bolonha, em 4 de novembro, desde o século VIII, como demonstra o antigo calendário que Dom G. Morin descreve em Revue Bénédictine, vol. XIX (1902), p. 355. Cf. Dom Quentin, Martyrologes historiques, pp. 251 e 627. 2



Referência:


1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 4, pp. 258-266.

2. Ibid. p. 267.



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que veste.

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São Domingos

O sofrimento de Jesus na Cruz nos ensina a suportar com paciência
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- Santo Afonso MARIA
de Ligório

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