A VIDA DE SÃO FILIPE NÉRI E SÃO ELEUTÉRIO, PAPA (26 de maio)
- Sacra Traditio
- 26 de mai.
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Atualizado: 28 de mai.
SÃO FILIPE NÉRI, CONFESSOR (1595 d.C.)

São Filipe Néri nasceu em Florença, no ano de 1515. Era um dos quatro filhos do tabelião Francisco Néri. Filipe e seus irmãos perderam a mãe muito cedo; mas a segunda esposa de seu pai foi para eles uma verdadeira mãe. Filipe se destacou, desde a infância, por sua docilidade e bondade, o que lhe valeu o apelido de “Pippo buono” (“o bom Felipinho”). Seus pais só tiveram que repreendê-lo em duas ocasiões: quando deu um empurrão em sua irmã mais velha, que o havia incomodado por longo tempo, e outro em sua irmãzinha mais nova, durante a recitação dos salmos. Os primeiros mestres de Filipe foram os dominicanos de São Marcos, cujo exemplo e ensinamentos ficaram gravados em sua alma por toda a vida. Filipe tornou-se um jovem piedoso, amável e muito alegre, querido por todos. Aos dezoito anos, foi enviado a São Germano, à casa de um parente próspero, de quem poderia vir a ser herdeiro. Mas sua estadia lá foi breve, pois logo Filipe teve uma experiência mística que mais tarde chamaria de sua “conversão”; desde então, perdeu o interesse pelos negócios. Sentindo-se deslocado na casa do parente, partiu para Roma, sem dinheiro e sem planos, confiando apenas na Providência Divina. Na Cidade Eterna, hospedou-se na casa de um coletor florentino chamado Galeotto Caccia, que lhe cedeu um sótão e o alimentava. Fora isso, Filipe não precisava de muito: comia apenas uma vez ao dia, e sua alimentação se resumia a pão, azeitonas e água. Em seu quarto havia apenas uma cama, uma cadeira, alguns poucos livros e uma corda para pendurar roupas. Filipe pagava a comida e o aluguel com aulas dadas aos filhos de seu anfitrião, os quais — segundo testemunho da mãe e de uma tia — se comportavam como anjos sob a direção do santo.
Fora o tempo dedicado ao ensino, Filipe viveu como um eremita durante os dois primeiros anos em Roma, consagrado dia e noite à oração em seu sótão. Foi um período de profunda preparação interior, no qual sua vida espiritual se fortaleceu e se confirmou seu desejo de servir a Deus. Passados esses dois anos, Filipe iniciou os estudos de filosofia e teologia na Sapienza e em Santo Agostinho. No entanto, três anos depois, quando seu esforço e sucesso acadêmico lhe abriam promissora carreira, Filipe abandonou os estudos de forma repentina. Movido provavelmente por uma inspiração divina, vendeu a maior parte dos livros e se entregou ao apostolado. A vida religiosa do povo romano, ainda abalada pelos efeitos do saque de 1527, deixava muito a desejar. E havia razões para isso. Abusos graves abundavam na Igreja; todos os reconheciam, mas ninguém fazia nada para corrigir. Os Médici dominavam o Colégio Cardinalício, de modo que quase todos os cardeais eram mais príncipes seculares que pastores. O renascimento dos estudos clássicos havia trocado os ideais cristãos pelos pagãos, com o consequente enfraquecimento da fé e decadência moral. O clero se tornara indiferente, quando não corrupto; a maioria dos sacerdotes mal celebrava missa, deixava as igrejas caírem em ruínas e negligenciava o cuidado espiritual dos fiéis. Não é de estranhar, pois, que o povo tivesse caído em espécie de paganismo. A missão de São Filipe seria reevangelizar a cidade de Roma, o que fez com tanto êxito, que um dia seria chamado “o Apóstolo de Roma”.
Os começos foram modestos. Filipe ia às ruas ou mercados e começava a conversar com as pessoas, especialmente com empregados de bancos e lojas do bairro de Santo Ângelo. Como era muito simpático e tinha grande senso de humor, não lhe era difícil iniciar conversas nas quais inseria oportunamente alguma palavra sobre o amor de Deus ou o estado espiritual dos ouvintes. Assim foi convertendo, pouco a pouco, muitos corações. O santo costumava saudar os amigos com estas palavras: “E então, irmãos, quando vamos começar a ser melhores?” Se perguntavam o que deveriam fazer para isso, o santo os levava a visitar doentes nos hospitais ou a peregrinar pelas sete igrejas — uma de suas devoções favoritas.

Filipe dedicava todo o dia ao apostolado, mas ao entardecer se retirava à solidão, passando frequentemente a noite no pórtico de alguma igreja ou nas catacumbas de São Sebastião, junto à Via Ápia. Ali se encontrava na véspera de Pentecostes de 1544, pedindo os dons do Espírito Santo, quando viu descer do céu um globo de fogo que penetrou em sua boca e se expandiu no peito. O santo sentiu-se tomado por tal amor de Deus que parecia sufocá-lo; caiu ao chão como fulminado e exclamou em tom de dor: “Basta, Senhor, basta! Não posso suportar mais!” Quando recobrou plenamente os sentidos, notou em seu peito um tumor do tamanho de um punho; mas jamais lhe causou dor. Desde então, São Filipe experimentava acessos de amor divino tão intensos que todo seu corpo tremia. Muitas vezes precisava abrir o peito para aliviar o ardor interior, e suplicava a Deus que moderasse seus consolos, para que não morresse de alegria. A autópsia de seu corpo revelou duas costelas quebradas que se haviam arqueado para dar mais espaço ao coração.
Em 1548, com a ajuda do Pe. Persiano Rossa, seu confessor, que vivia em São Girolamo della Carità, São Filipe fundou uma confraria de pobres que se reuniam para exercícios espirituais na igreja de São Salvador in Campo. Essa confraria, que se encarregava de socorrer peregrinos necessitados, ajudou o santo a difundir a devoção das quarenta horas. Deus abençoou tanto esse trabalho que logo foi fundado o célebre hospital de Santa Trindade dos Peregrinos; no Ano Santo de 1575, os membros da confraria atenderam ali a 145.000 peregrinos e mais tarde se dedicaram ao cuidado dos pobres em convalescença. Assim, com apenas trinta e quatro anos, São Filipe já havia realizado grandes obras; mas seu confessor estava convencido de que faria ainda maiores se recebesse a ordenação sacerdotal. Embora resistisse por humildade, Filipe acabou aceitando o conselho. No dia 23 de maio de 1551, recebeu as sagradas ordens e foi viver com o Pe. Rossa e outros sacerdotes em São Girolamo della Carità. A partir de então, concentrou seu apostolado sobretudo no confessionário, onde atendia desde a madrugada até o meio-dia — e às vezes até a tarde — uma multidão de penitentes de todas as idades e classes sociais. O santo possuía o dom de ler os pensamentos dos penitentes e obteve muitas conversões. Para ajudá-los ainda mais, organizava conversas e discussões espirituais que terminavam com uma visita ao Santíssimo Sacramento em alguma igreja ou com a participação nas Vésperas. Nessas reuniões lia-se frequentemente a vida dos mártires e missionários. O exemplo heroico de São Francisco Xavier levou São Filipe a oferecer-se como missionário; mas um cisterciense, consultado sobre o assunto, assegurou-lhe que Deus o queria como missionário em Roma, e o santo seguiu seu conselho.
Na igreja de São Jerônimo foi construída uma grande sala para as conferências de São Filipe, e vários sacerdotes começaram a ajudá-lo na obra. O povo os chamava de “os Oratorianos”, porque tocavam o sino para chamar os fiéis a rezar em seu oratório. No entanto, a fundação oficial da Congregação do Oratório só ocorreu vários anos depois, quando São Filipe enviou cinco de seus discípulos, que haviam acabado de receber a ordenação sacerdotal, para assumirem a igreja de São João, cujo cuidado lhes havia sido confiado pelos florentinos de Roma. O santo redigiu uma regra muito simples para seus jovens discípulos, entre os quais se contava o futuro historiador César Baronio. Eles viviam e rezavam em comunidade, sob a direção de São Filipe; mas o santo lhes proibiu de se obrigarem por votos e de renunciarem às suas propriedades. A congregação cresceu rapidamente, talvez em parte devido à oposição que despertava em certos círculos. Em 1575, o Papa Gregório XIII a aprovou formalmente e, algum tempo depois, confiou-lhe a igreja de Santa Maria in Vallicella. Como o edifício estava em ruínas e era pequeno demais, São Filipe decidiu demoli-lo e construir um maior. O Papa, São Carlos Borromeu e outras personalidades distintas de Roma contribuíram generosamente com esmolas para a obra. São Filipe era amigo de vários cardeais e príncipes, apesar de que, com frequência, dizia e fazia coisas desconcertantes; às vezes para divertir-se, pois tinha grande senso de humor, e outras vezes para ocultar as graças que recebia ou para diminuir-se diante da estima de seus amigos. Porque a humildade era, sem dúvida, a virtude que o santo praticava mais fervorosamente e procurava incutir em seus penitentes. Apesar disso, não conseguiu ocultar sua santidade, nem os dons extraordinários que Deus lhe havia concedido.

São Filipe sempre teve saúde delicada. Em certa ocasião, a Santíssima Virgem lhe apareceu e o curou de uma doença na vesícula. O acontecimento deu-se assim: o santo havia quase perdido a consciência, quando subitamente se sentou, abriu os braços e exclamou: “Minha bela Senhora! Minha santa Senhora!” O médico que o assistia o segurou pelo braço, mas São Filipe lhe disse: “Deixai-me abraçar minha Mãe, que veio visitar-me.” Depois, ao perceber que havia várias testemunhas, escondeu o rosto entre os lençóis, como uma criança envergonhada. O santo curou muitos enfermos e, em diversas ocasiões, predisse corretamente o futuro. Vivia em tão estreito contato com o sobrenatural que, às vezes, a dificuldade para ele era não se desligar demasiadamente do mundo. Êxtases o surpreendiam tanto ao rezar o ofício ou celebrar a missa, quanto ao vestir-se. Aqueles que o viram nesses arroubos testificaram que seu rosto brilhava com uma luz celestial.
Em abril de 1577, a construção da Chiesa Nuova estava suficientemente avançada para que os oratorianos pudessem mudar-se para Vallicella; mas São Filipe preferiu continuar morando em São Jerônimo como antes, pois tinha apego ao quarto que havia ocupado durante trinta e três anos. Contudo, em 1584, mudou-se para a Chiesa Nuova, conforme lhe pedira o Papa. Mas mesmo então, vivia e comia separado da comunidade, embora seus filhos pudessem ir vê-lo quantas vezes quisessem. Por outro lado, o santo não vivia como um eremita, pois seu quarto estava sempre cheio de pessoas de todas as classes. O povo romano lhe tinha grande veneração em seus últimos anos: praticamente todos os cardeais o tinham como conselheiro e diretor espiritual, e numerosos peregrinos pediam para ver o famoso santo. Assim, São Filipe pôde continuar seu apostolado a partir de seu quarto, quando a idade e as enfermidades o impediam de sair. Ricos e pobres subiam as íngremes escadas que levavam ao aposento do santo, no terraço da casa, com uma bela vista sobre Roma; ali, aquele homem de Deus, que sempre amou os espaços abertos, dava a cada um o conselho de que necessitava.
Perto do fim da vida, São Filipe teve várias enfermidades que o deixaram à beira da morte e o obrigaram a receber os últimos sacramentos. Dois anos antes de sua morte, conseguiu renunciar ao cargo de superior, sendo substituído por seu discípulo Baronio. Obteve também permissão para celebrar diariamente a missa no pequeno oratório junto de seu quarto. Como frequentemente era arrebatado em êxtase durante a missa, os assistentes passaram a se retirar no “Agnus Dei”. O acólito fazia o mesmo, depois de apagar os círios, acender uma lamparina e pendurar na porta um aviso indicando que São Filipe ainda celebrava; duas horas depois, o acólito voltava, reacendia os círios e a missa continuava. No dia de Corpus Christi, 25 de maio de 1595, o santo estava transbordando de alegria, de modo que seu médico lhe disse que nunca o tinha visto tão bem nos últimos dez anos. Mas São Filipe sabia perfeitamente que havia chegado sua última hora. Confessou durante todo o dia e recebeu, como de costume, os visitantes. Mas antes de retirar-se, disse: “Afinal de contas, é preciso morrer.” Perto da meia-noite sofreu um ataque tão agudo, que a comunidade foi convocada. Baronio, depois de rezar as orações dos agonizantes, pediu-lhe que se despedisse de seus filhos e os abençoasse. O santo, que já não podia falar, levantou a mão para dar a bênção e morreu um instante depois. Tinha então oitenta anos e deixava atrás de si uma obra imperecível. [1]

O corpo de São Filipe Néri foi sepultado três dias após sua morte, não em um cemitério comum, mas numa pequena capela situada dentro da igreja de Santa Maria in Vallicella, também chamada “Chiesa Nuova”. Quatro anos mais tarde, em 7 de março de 1599, seu túmulo foi reaberto. A seguinte citação, amplamente registrada nas biografias do santo, refere-se a esse momento
"Eles encontraram o corpo coberto com teias de aranha e poeira, que entraram através de uma fenda na tampa do caixão, causada pela umidade na parede que fora construída sobre ela; suas vestimentas se encontravam bastante sujas; a casula se decompôs de tal modo que ficou toda aos pedaços, e a placa sobre a qual o nome do santo havia sido gravado estava coberta de verdete, de modo que eles esperavam encontrar seu corpo reduzido a cinzas. Na noite seguinte, porém, havendo removido todas as sujeiras, eles encontraram não somente braços e pernas preservados, mas o tórax e o abdômen tão bonitos e viçosos, e a pele e a carne tão naturais, que todos ficaram impressionados; o tórax, além disso, mantinha sua coloração branca. O estado do corpo foi considerado, por Andrea Cesalpino, Antonio Porto e Ridolfo Silvestri, três dos mais importantes médicos da época, como indubitavelmente milagroso; e todos os três escreveram sobre o assunto". [2]
O rosto, que havia sofrido um pouco, foi coberto com uma máscara de prata, cumprindo assim a profecia de Filipe, de que sua cabeça seria depositada na prata. [3] Suas relíquias se encontram na Chiesa Nuova, onde os oratorianos continuam encarregados do culto. São Filipe Néri foi canonizado em 1622.
A mais documentada e profunda das biografias de São Filipe é a dos Padres Louis Poncelle e Louis Bourdet, St. Philip Neri and the Roman Society of His Times (tradução inglesa do Pe. Kerr, 1932). O primeiro capítulo dessa obra é consagrado às fontes, por isso aqui citaremos apenas algumas das primeiras biografias, ou das mais conhecidas. A primeira biografia foi a do Pe. Gallonio (oratoriano), escrita em latim (1600). Na Acta Sanctorum, maio, vol. VI, pode-se encontrar essa biografia, bem como a do Pe. Bernabei, que se resume praticamente a um resumo do processo de beatificação. Bacci publicou uma biografia italiana em 1622; G. Ricci a reeditou, corrigida e aumentada, em 1678. A obra de Ricci foi traduzida para o inglês na Oratorian Series, dirigida pelo Pe. Faber (1847). A biografia escrita pelo cardeal Capecelatro também foi traduzida para o inglês (1882 e 1926). O esboço biográfico do Pe. V. J. Matthews (1934) é excelente. Veja-se também a biografia publicada por A. Baudrillart na coleção Les Saints (1939); apesar de seu título sensacionalista e de mau gosto, a biografia de T. Maynard, Mystic in Motley (1946), é de leitura agradável.
SÃO ELEUTÉRIO, PAPA (c. 189 d.C.)

Como acontece com os demais primeiros Papas, temos pouquíssimas informações seguras sobre São Eleutério. Diz-se que era de origem grega. Na época de São Eleutério, o montanismo perturbava a paz da Igreja, tanto no Oriente quanto no Ocidente. São Irineu levou a Roma uma carta dos cristãos de Lião a respeito desse problema; no entanto, desconhecemos qual foi a reação do Pontífice.
São Eleutério é lembrado principalmente, na história, pela correspondência que teria mantido com o rei britânico Lúcio, que lhe teria escrito pedindo autorização para ser batizado. Esse episódio teria marcado o início da primeira evangelização da Inglaterra (cf. São Lúcio, 3 de dezembro). [4]
[Alguns] historiadores já não consideram essa narrativa como verdadeira; mesmo assim, as dioceses de Westminster e Portsmouth ainda celebram a festa de São Eleutério no dia 30 de maio. Ver o Liber Pontificalis (ed. Duchesne), vol. 1, pp. 102-104, 58 e 136; e J. P. Kirsch, na Catholic Encyclopedia, vol. V, pp. 378-379.
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 378–381. Edição espanhola.
Father Bacci, The Life of Saint Philip Neri, vol. II (Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., 1902), pp. 125-126.
Ibid., 127.
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 382. Edição espanhola.
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