Vida de São Marino e São Bonifácio I, Papa (4 de setembro)
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Atualizado: há 1 dia

Entre as províncias italianas de Forli, Pésaro e Urbino há um território com uma extensão menor que cinquenta quilômetros quadrados, com 12.000 habitantes, que forma uma República independente onde se manteve a soberania contra todos os assaltos, ataques e tentativas, desde há mil anos. Na mais alta de suas sete colinas, a chamada II Titano, assenta-se a capital desse pequeno estado que se chama San Marino. O nome da república e da cidade capital deriva de São Marino, o Diácono, a quem se menciona no Martirológio Romano. Sua lenda, infelizmente sem valor histórico, diz o que segue.
Marino nasceu na costa dálmata, onde cresceu e se tornou um hábil construtor e talhador de pedras. Quando soube que se reconstruíam as muralhas e as casas da cidade de Rimini, partiu para lá junto com outro pedreiro chamado Leão, em busca de trabalho. Logo lhes foi dado emprego para talhar os blocos de pedra nas oficinas do Monte Titano, no que hoje é San Marino. Ali encontrou o jovem talhador numerosos cristãos, gentios e nobres, que haviam sido condenados a trabalhar nas pedreiras por sua fidelidade às crenças. Marino e Leão fizeram tudo o que esteve ao seu alcance para aliviar as penas daqueles desventurados, ajudando-os em seus trabalhos e animando-os para que perseverassem na fé. Os dois virtuosos servos de Deus realizaram muitas conversões e, depois de três anos, Leão foi ordenado sacerdote por São Gaudêncio, bispo de Rimini. Logo se foi viver para Monte Feltro (cuja catedral leva até hoje o nome do santo). São Marino foi ordenado diácono e pôde regressar ao seu trabalho, que consistia em cuidar dos convertidos. Durante doze anos trabalhou num aqueduto; sempre foi tido como construtor muito hábil e incansável e como homem bom: o modelo do trabalhador cristão. Mas então lhe aconteceu uma grande desgraça.

Certo dia, uma mulher dálmata que acabava de chegar a Rimini, viu passar a Marino e começou a gritar dizendo que aquele homem era o marido que a havia abandonado. A mulher e alguns curiosos perseguiram o assustado diácono pelas ruas da cidade; este perdeu a cabeça, fugiu apressado e se refugiou no Monte Titano, onde permaneceu oculto numa caverna. Até ali o perseguiu a mulher, e Marino teve que se entrincheirar dentro da caverna com ramos e pedras, até que a mulher se retirou para não morrer de fome. Marino aproveitou a oportunidade para internar-se mais na montanha; a mulher já não pôde encontrá-lo e ele decidiu ficar naquela solidão como eremita. No lugar onde esteve a ermida, construiu-se um grande mosteiro e, em torno dele, ergueu-se a cidade de San Marino.
Os bolandistas, que tomaram esta fabulosa história dos documentos de Mombritius, a imprimiram nos Acta Sanctorum setembro, vol. II e agosto, vol. I (ao sacerdote Leão se honra no primeiro de agosto). Veja-se também L. A. Gentili, em Compendio della vita di S. Marino (1864). [1]

Na hagiografia é um lugar-comum dizer que um santo elevado à sede episcopal a aceita de má vontade; em geral, a maioria deve ter aceitado esses cargos sem muito desejo. Mas no caso de Bonifácio I é absolutamente certo que não queria aceitar o cargo, já que era um homem idoso e sabia que, ao ocupar a Cátedra de São Pedro, teria que enfrentar um temível rival: o antipapa Eulálio. No mesmo dia ou talvez no anterior ao da eleição de Bonifácio como Papa, um grupo de diáconos apoderou-se da basílica de Latrão e ali elegeu “Papa” a Eulálio, que contava com muitos partidários. O caos que esses fatos provocaram durou quinze semanas, e foi necessária a intervenção do imperador Honório para que Bonifácio pudesse tomar posse de sua Sé.
O Pontífice misturava ao seu caráter bondoso e tranquilo uma extraordinária energia para governar; resistiu com especial firmeza à aliança do imperador oriental com a sede de Constantinopla, assim como em outras questões de jurisdição. Mas, ao mesmo tempo em que reiterava que “o bem-aventurado Apóstolo Pedro havia recebido pela palavra de Nosso Senhor o encargo de velar por toda a Igreja”, teve bom cuidado em vindicar os direitos dos bispos contra as usurpações dos vigários papais. São Bonifácio apoiou decididamente Santo Agostinho em sua luta contra o pelagianismo e, quando alguns membros dessa doutrina lhe enviaram cartas com acusações contra seus opositores, ele as enviou a Santo Agostinho como informação. Como sinal de respeito e gratidão, Santo Agostinho dedicou ao Papa Bonifácio I a obra que escreveu em resposta às críticas e enviou o primeiro exemplar a Roma por meio de São Alípio.
O PRIMADO DA SÉ ROMANA
A instituição da nascente Igreja universal tomou início no múnus honorífico do Bem-Aventurado Pedro, no qual está seu governo e ápice. Da sua fonte fluiu, à medida que crescia a veneração da religião, a disciplina eclesiástica em todas as Igrejas. As disposições do Concílio de Niceia não testemunham outra coisa, a tal ponto que não ousou definir nada sobre ele, vendo que era impossível propor algo acima do seu mérito, pois sabia, afinal, que tudo lhe era concedido pela palavra do Senhor. É certo que esta Igreja romana é, para as Igrejas espalhadas pelo orbe inteiro, como a cabeça de seus membros: quem dela se desliga seja banido da religião cristã, já que deixou de estar inserido nela. (Carta “Institutio”, aos bispos da Tessália, 11 de março de 422).[2]
O PRIMADO DA SÉ ROMANA E A AUTORIDADE APOSTÓLICA
Pertence ao Bem-Aventurado Apóstolo Pedro, com base na afirmação do Senhor, o cuidado, por ele assumido, da Igreja universal, que, segundo o testemunho do Evangelho, sabia sobre si fundada. E jamais este seu múnus honorífico pode ser livre de cuidados, pois é certo que as últimas decisões dependem da sua deliberação. … Esteja longe dos sacerdotes do Senhor que algum deles caia na culpa de, em nova tentativa ilícita, tornar-se inimigo das deliberações dos antepassados, sabendo ter como rival de modo particular aquele junto ao qual o nosso Cristo estabeleceu o ápice do sacerdócio; se alguém ousar ultrajá-lo, não poderá habitar no reino dos céus. “A ti”, diz Ele, “darei as chaves do reino dos céus” [Mt 16,19], e neste ninguém entrará sem o favor do porteiro. … Já que o lugar o exige, se parecer bem, passai em resumo as disposições dos cânones; encontrareis qual é a segunda Sé depois da Igreja romana, ou qual é a terceira. … Ninguém jamais levantou com arrogância a mão contra o vértice apostólico, cujo julgamento não é lícito submeter a nova discussão; ninguém se revoltou contra ele, exceto quem quisesse por ele ser julgado. As acima referidas grandes Igrejas mantêm, por força dos cânones, sua posição de dignidade: a de Alexandria e de Antioquia [cf. I Concílio de Nicéia, cân. 6], tendo conhecimento do direito eclesiástico. Elas guardam os estatutos dos antepassados, em tudo deferindo – e em troca recebendo – os favores que reconhecem devidos a Nós, no Senhor, que é a nossa paz. Mas como o assunto o requer, devemos demonstrar com documentos que particularmente as Igrejas Orientais, para as grandes questões, nas quais fosse necessário maior investigação, sempre têm consultado a Sé romana e que, toda vez que necessário, têm pedido o seu auxílio. (Carta “Manet Beatum”, a Rufo e aos outros bispos da Macedônia, 11 de março de 422).[3]
São Bonifácio I morreu no ano 422, após ter sido Papa por pouco menos de quatro anos. Foi sepultado no cemitério de Máximo sobre a nova Via Salaria, perto da capela que ele mesmo construiu sobre o túmulo de Santa Felicidade, pela qual tinha grande veneração.
Nossas fontes de informação mais diretas foram o Liber Pontificalis com as notas de Duchesne, vol. I, pp. 217-229 e as cartas colecionadas por Jaffé Kaltenbrunner, vol. I, pp. 52-54. Veja-se também o Acta Sanctorum setembro, vol. II, DTC., vol. II, cc. 988-989, sem omitir a bibliografia; e Grisar, em History of Rome and the Papacy pp. 219, 220, 466, 471. [4]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, “São Marino”, vol. 3, pp. 483–484.
Denzinger nº 233.
Denzinger nº 234-235.
Butler, Alban. Vida dos Santos, “São Bonifácio I, Papa”, vol. 3, p. 484.
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