Dedicação da Basílica de São João de Latrão e a Vida de São Teodoro e Santo Agropino (9 de novembro)
- Sacra Traditio

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Toda a Igreja do Ocidente celebra nesta data o aniversário da consagração da Basílica de São João de Latrão, em cuja fachada está gravada a seguinte inscrição: “Omnium Urbis et Orbis Ecclesiarum Mater et Caput” (Mãe e Cabeça de todas as igrejas da Cidade e do Mundo). Com efeito, essa igreja é a catedral de Roma, e nela se encontra a cátedra permanente do Sumo Pontífice. É superior em dignidade à Basílica de São Pedro e, de certo modo, pode ser considerada a catedral do mundo.
Nos primeiros dias do cristianismo, o culto era celebrado em casas particulares, e o santo sacrifício era oferecido sobre uma mesa comum (embora, sem dúvida, essa mesa não fosse usada para outros fins). Mas, no início do século III, já se fala de um edifício em Roma destinado ao culto cristão, e, no começo do século IV, existiam muitos mais. Naturalmente, após o decreto de Constantino que concedia liberdade ao cristianismo, construíram-se muitas outras igrejas. Seguindo os costumes do Templo judaico e dos templos pagãos, costumava-se consagrar as igrejas ao serviço do Todo-Poderoso mediante uma cerimônia de dedicação. Eusébio descreve, em sua História Eclesiástica, a solene dedicação da igreja de Tiro, no ano 314, e vários historiadores relatam as magníficas cerimônias realizadas em 335, por ocasião da dedicação da basílica constantiniana de Jerusalém, no aniversário da Invenção da Cruz. Durante muito tempo, o rito de dedicação consistia simplesmente na consagração do altar, mediante a solene celebração da Missa, e também se fazia o depósito das relíquias, se as houvesse. Mais tarde, quando os templos pagãos começaram a ser consagrados ao culto cristão, introduziram-se certos ritos purificatórios, compostos de orações, abluções e unções. Mas o desenvolvimento da cerimônia atual de dedicação, tão imponente e complexa, tal como a descreve o Pontificale Romanum, só começou no século VIII.

Provavelmente, a celebração anual do aniversário da dedicação de uma igreja é tão antiga quanto a própria dedicação; em todo caso, é muito mais antiga que o rito atual da consagração. Trata-se, indubitavelmente, de uma prática de origem judaica, pois foi instituída por Judas Macabeu, no ano 164 a.C., para comemorar a purificação do Templo após a profanação de Antíoco Epífanes. São João relata em seu Evangelho (10, 22) que o Senhor estava no pórtico de Salomão durante a celebração dessa festa. Os judeus a observavam e ainda hoje a celebram com uma oitava. A cerimônia não tinha lugar apenas no Templo de Jerusalém, mas em todas as sinagogas — assim como a celebração da dedicação de São João de Latrão ocorre em todas as igrejas católicas. A sexta lição de matinas do ofício comum da dedicação de uma igreja, que se afirma ser tirada de uma carta do Papa São Félix IV (III), falecido em 530, fala de tudo isso; mas, na verdade, tal lição data apenas do século IX, ainda que descreva costumes muito mais antigos. Na época de Sozómeno, ou seja, nos primeiros anos do século V, o aniversário da dedicação da basílica constantiniana de Jerusalém, de que falamos acima, era celebrado com oitava e outras solenidades. À prática de comemorar a data da dedicação das igrejas se deve a existência de várias festas do calendário eclesiástico, e ela também serve para determinar com exatidão a data de outras, como a de São João ante Portam Latinam (6 de maio), São Pedro ad Vincula (1º de agosto) e São Miguel Arcanjo (29 de setembro).

A casa da família Laterani (Latrão) passou ao poder do imperador Constantino por meio de sua segunda esposa, Fausta, e ele a doou à Igreja. Desde então, até o tempo do exílio em Avinhão, no início do século XIV, os Papas estabeleceram ali sua residência principal. A igreja era provavelmente uma adaptação do salão principal da casa, de modo que só foi necessário construir o famoso batistério, cujas grandes linhas correspondem ao que se conserva atualmente. A basílica foi dedicada ao Santíssimo Salvador, e o batistério, a São João Batista. [a] O costume de chamar a igreja de São João de Latrão data da época em que era servida pelos monges do mosteiro de São João Batista e São João Evangelista, situado ao lado. Em seus 1500 anos de história cristã, a basílica passou por numerosas vicissitudes, pois foi saqueada por bárbaros e destruída por terremotos e incêndios; contudo, conservou sua antiga forma basilical até o século XVII, quando Francesco Borromini construiu a igreja atual. Em 1878, o ábside foi ampliado em forma de coro, o que lhe deu maior beleza. O altar-mor, revestido de mármore, é o único na Igreja do Ocidente que não é feito de pedra, mas de madeira; constitui uma relíquia da época das perseguições, e alguns autores opinam que foi usado por São Pedro. No cibório que se eleva sobre o altar, encontram-se os supostos crânios de São Pedro e São Paulo.
Santo Agostinho escreve: “Cada vez que celebramos a festa da dedicação de um altar ou de uma igreja, contanto que o façamos com fé e atenção e vivamos santa e retamente, realiza-se em nós uma edificação espiritual semelhante à dos templos feitos por mãos humanas. Porque Aquele que disse: ‘Sois templos santos de Deus’, não mente, assim como também não mentiu ao dizer: ‘Não sabeis que vossos corpos são templos do Espírito Santo, que habita em vós?’ Portanto, já que fomos considerados dignos de ser templos de Deus, não pelo que valemos, mas pela graça de Deus, trabalhemos intensamente, com Sua ajuda, para que o Senhor não encontre em seu templo, isto é, em nós, nada que possa ofender Sua Majestade... Se ninguém se atreve a se apresentar malvestido para comer com um rei da terra, quanto mais deveria afastar-se, humilde e reverente, da mesa do Rei eterno, isto é, do altar de Deus, aquele que está envenenado pelo ódio, pela inveja ou devorado por uma cólera injusta? Pois está escrito: ‘Vai primeiro reconciliar-te com teu irmão e depois virás oferecer teu dom’. E em outra passagem: ‘Amigo, como ousaste apresentar-te sem a veste nupcial?’”

Escreveu-se muito acerca da basílica de Latrão e de sua história, assim como sobre o rito da consagração das igrejas. Sobre este último ponto, veja-se Duchesne, Christian Worship (1919), pp. 399-418; e cf. The Month, junho de 1910, pp. 621-631. Entre as muitas obras que existem sobre a basílica de Latrão, talvez a melhor seja a de P. Lauer, Le palais du Latran, Étude historique et archéologique (1911). Sobre os pontos que tratamos em nosso artigo, veja-se Lauer, Date de la dédicace de la basilique du Latran, em Bulletin de la Soc. nat. des antiquaires de France, 1924, pp. 261-265. H. Leclercq publicou um longo artigo e uma vasta bibliografia sobre São João de Latrão, em D.A.C., vol. III, cc. 1529-1887; cf. especialmente cc. 1551-1553. 1

Um antigo panegírico, atribuído a São Gregório de Niceia, pronunciado no dia da Festa de São Teodoro, começa agradecendo à sua intercessão por haver preservado o Ponto das incursões dos citas, que haviam assolado todas as províncias vizinhas. O panegirista implora a proteção do santo, dizendo:
“Como soldado, defende-nos; como mártir, intercede por nós e alcança-nos a paz. Se precisamos de outros intercessores, reúne teus irmãos no martírio e roga com eles por nós. Move Pedro e Paulo e João a demonstrarem sua solicitude pelas igrejas que fundaram. Que não brote nenhuma heresia e que a cristandade se converta em um campo fecundo, graças à tua intercessão e à de teus companheiros.”
O panegirista afirma que a intercessão do mártir expulsava demônios e curava enfermos. Os peregrinos costumavam acudir ao santuário para admirar os afrescos da vida do santo que ali havia; depois aproximavam-se do sepulcro, cujo contato consideravam fonte de bênçãos, e recolhiam um pouco do pó desse lugar para conservar como tesouro. Quando lhes era permitido tocar as relíquias, aplicavam-nas com grande reverência aos olhos, à boca e às orelhas. “Falam ao santo como se estivesse presente e elevam suas orações àquele que está junto a Deus e pode obter todas as graças que quiser.” O panegirista passa então a relatar a vida e o martírio de São Teodoro.
Esse mártir, cujo santuário era um grande centro de devoção em Euquaita, alistou-se quando jovem no exército romano. Então recebeu o apelido de “Tiro” (o recruta), provavelmente porque pertencia à cohors tironum. Segundo a lenda mais antiga, a legião de Teodoro foi enviada aos quartéis de inverno no Ponto. Estando em Amásia, o santo recusou-se a participar dos ritos idólatras de seus companheiros. Foi então conduzido perante o governador da província e o tribuno de sua legião, que lhe perguntaram como ousava professar uma religião que os imperadores haviam condenado sob pena de morte. Ele replicou com coragem:
“Não conheço os vossos deuses; Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, é o meu único Deus. Se minhas palavras vos ofendem, cortai-me a língua. Todo o meu corpo está pronto a oferecer-se em sacrifício, se Deus assim o quiser.”
Por ora foi posto em liberdade, mas Teodoro, que queria a todo custo provar aos juízes que sua resolução era inflexível, incendiou um templo pagão. Quando compareceu pela segunda vez diante do governador e seu adjunto, professou a fé antes que tivessem tempo de lhe perguntar algo. Os juízes tentaram dobrá-lo com ameaças e promessas, mas ele não se deixou convencer. Foram-lhe então infligidos brutais açoites e todo tipo de torturas, nas quais conservou a serenidade. Finalmente, os juízes remetem-no à prisão, onde os anjos entravam à noite para consolá-lo. Após novo interrogatório, os juízes o condenaram a perecer queimado vivo. Uma dama chamada Fusebia recolheu suas cinzas e sepultou-as em Euquaita.

Essa lenda não merece crédito literal, mas refere-se certamente a um mártir real, embora não saibamos se era ou não soldado. Com o tempo, as “atas” de seu martírio foram enriquecidas com detalhes fantásticos, e Teodoro tornou-se um dos mais célebres “santos soldados”, incluído entre os “Grandes Mártires” do Oriente. A lenda acabou por ser tão complicada e contraditória que, para explicar os fatos, chegou-se a inventar a existência de outro soldado com o mesmo nome: São Teodoro de Heracleia (7 de fevereiro). [b] A popularidade de São Teodoro Tiro foi tão grande que trinta e oito dos famosos vitrais do coro da catedral de Chartres, datados do século XIII, representam cenas de sua vida. A ele também está dedicada a igreja de São Teodoro (“Toto”), situada ao pé do Palatino. No dia 17 de fevereiro do ano 971 (data da Festa do santo no Oriente), o imperador João Zimísques obteve uma vitória importante contra os russos em Doristolon e atribuiu-a ao fato de o santo ter comandado suas hostes; em razão desse triunfo, o imperador reconstruiu a igreja de São Teodoro em Euquaita e deu à cidade o nome de Teodorópolis. No Oriente, São Teodoro é ainda muito venerado, e seu nome figura na “prokeimenon” da liturgia bizantina, junto com os de outros dois santos guerreiros: São Jorge e São Demétrio.
O Pe. Delehaye estudou a fundo o caso de São Teodoro. Em sua obra Les légendes grecques des saints militaires editou cinco versões diferentes do martírio e dos milagres do santo e as discutiu amplamente. A menção mais antiga ao culto do santo encontra-se no sermão atribuído a São Gregório de Niceia. Embora não se possa afirmar com absoluta certeza que São Gregório seja o autor, o panegírico é certamente muito antigo. Pode ver-se em Migne, PG., vol. LXVI, pp. 736-738; encontra-se também em Acta Sanctorum, novembro, vol. IV, onde Delehaye volta a estudar profundamente as lendas de Teodoro o recruta e Teodoro o general; aí edita muitas versões das atas, umas em grego e outras em latim, para ilustrar como as lendas se diversificaram e multiplicaram. Veja-se nosso artigo sobre Teodoro, o general, em 7 de fevereiro (em breve). Mons. Wilpert sustenta que no mosaico da igreja de São Teodoro em Roma estão representados, separadamente, o general e o recruta, mas nem todos os autores concordam com tal identificação. Veja-se sobre este ponto Analecta Bollandiana, vol. XIII (1925), p. 389; sobre os milagres de São Teodoro, cf. ibid., pp. 41-45. Em Anatolian Studies presented to Sir W. M. Ramsay (1923) há outro estudo do Pe. Delehaye sobre Euchaita et St Théodore (pp. 129-134). Kiunstle (Ikonographie, vol. II, pp. 551-552) estuda a figura de São Teodoro na arte, mas os estudos sobre mosaicos orientais, realizados por Diehl, Bréhier, de Jerphanion e outros especialistas, são ainda mais importantes. 2

Diz o Martirológio Romano: “Em Nápoles da Campânia, Santo Agripino, bispo, célebre por seus milagres”.
No século IX, o autor da Gesta episcoporum neapolitanorum nos dá a sucessão dos bispos de Nápoles, fazendo breves elogios de cada um em termos vagos. O de Agripino, sexto da lista, mais caloroso que os demais, revela a popularidade do santo: “Agripino, bispo, patriota, defensor da cidade, não cessa de rogar a Deus por nós, seus servos. Aumentou o rebanho dos que creem no Senhor e os reuniu no seio da Santa Mãe Igreja. Por isso mereceu ouvir as palavras: Muito bem, servo bom, já que foste fiel nas coisas pequenas, te constituirei sobre as grandes; entra no gozo do teu Senhor. Seus restos foram finalmente transportados para a Estefânia, onde repousam com honra”.
Agripino viveu no fim do século III. Nada se pode precisar, nem dar o menor detalhe sobre sua atividade. A trasladação mencionada pelo autor da Gesta foi realizada pelo bispo João, que governou a sé durante sete anos. Suas relíquias, que estavam em um oratório das catacumbas de São Januário, foram levadas à Estefânia, igreja construída no fim do século V. Em 1744, o cardeal José Spinelli, desejando identificar as relíquias de sua catedral, encontrou uma urna de mármore com a inscrição: “Relíquias duvidosas que se pensa serem do corpo de Santo (divus) Agripino”.
Durante os séculos IX e X, muitos autores registraram o relato dos milagres obtidos pela intercessão de Santo Agripino, que ainda hoje é quase tão famoso quanto São Januário.
Veja-se Hagiographia latina, nn. 174–177; Acta Sanctorum, 9 de novembro, vol. IV, pp. 118–128; B. Capasso, Monumenta ad Neapolitani ducatus historiam pertinentia, vol. I, pp. 239, 322–329; Mazochius, De sanctorum Neapolitanae Ecclesiae episcoporum cultu, vol. I, Nápoles, 1753, pp. 38–40; H. Achelis, Die Katakomben von Neapel, Leipzig, 1936, pp. 56, 28–29; H. Delehaye, Hagiographie napolitaine, em Analecta Bollandiana, vol. LVI, 1939, pp. 30–140; F. Lanzoni, Le diocesi d’Italia, p. 225.3
Referência:
1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 4, pp. 297-299.
2. Ibid. pp. 299-300.
3. Ibid. pp. 300-301.
Notas: a. Notemos, de passagem, que todas as igrejas são dedicadas exclusivamente a Deus. Os nomes dos santos ou dos mistérios cristãos indicam simplesmente o desejo de honrar esses santos ou mistérios em particular. Contudo, admite-se ordinariamente falar de igrejas “dedicadas” a tal ou qual santo.
b. Os estudiosos modernos, especialmente Hippolyte Delehaye e outros membros dos Bolandistas, concluíram que as histórias de São Teodoro de Heracleia (ou “o General”) surgiram da duplicação lendária de São Teodoro Tiro (o Recruta), o mártir venerado em Eucaita (na atual Turquia). Com o tempo, as tradições orais e os relatos populares sobre o mesmo santo se espalharam em diferentes regiões, ganhando versões contraditórias. Mas isso não significa que a história de São Teodoro seja falsa ou que ele não tenha existido; trata-se do mesmo mártir, cuja vida e feitos foram narrados de formas diversas, a ponto de, com o passar dos séculos, muitos pensarem que se tratava de duas pessoas distintas.


























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