Vida de São Merédico e a Festa da Degolação de São João Batista (29 de agosto)
- Sacra Traditio
- 29 de ago.
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Atualizado: 31 de ago.

No nosso artigo de 24 de junho referimos a preparação de São João Batista para sua missão exclusiva de precursor do Messias. O santo começou a desempenhá-la no deserto da Judeia, às margens do Jordão, na altura de Jericó. Coberto de peles, pregava a todos os homens a obrigação de lavar seus pecados com as lágrimas da penitência e proclamava a próxima vinda do Messias. Exortava igualmente as multidões à caridade e à reforma de vida e batizava no Jordão todos os que se encontravam nas devidas disposições. Os judeus costumavam lavar-se como símbolo de purificação interior, mas até então o batismo não havia tido a alta significação mística que São João lhe atribuía. Para ele, o batismo representava a purificação do pecado, a preparação para que os homens participassem do Reino do Messias. Em outras palavras, era um símbolo sensível da purificação interior e uma figura do sacramento que Cristo iria instituir. Esse rito ocupava lugar tão proeminente na pregação de João, que o povo começou a chamá-lo de “o Batista”, isto é, “o que batiza”. Quando João já pregava e batizava havia algum tempo, o Salvador veio de Nazaré ao Jordão e apresentou-se para ser batizado. João o reconheceu por revelação divina e tentou desculpar-se, mas por obediência acabou consentindo em batizá-lo. O Redentor quis receber o batismo entre os pecadores, não para se purificar, mas para santificar as águas, como diz Santo Ambrósio, ou seja, para conferir-lhes a virtude de lavar os pecados dos homens.
A ardente pregação do Batista, sua santidade e seus milagres atraíram a atenção dos judeus, e alguns começaram a considerá-lo como o Messias prometido. Mas João declarou que ele apenas batizava com água os pecadores, para confirmá-los no arrependimento e prepará-los para uma nova vida; mas havia Outro, que em breve se manifestaria, que os batizaria com a virtude do Espírito Santo e cuja dignidade era tão grande, que ele não era digno sequer de desatar as correias de suas sandálias. Não obstante, o Batista havia causado tal impressão entre os judeus que sacerdotes e levitas foram de Jerusalém interrogá-lo, perguntando se era ele o Messias esperado. E São João confessou e não negou, dizendo: “Eu não sou o Cristo”, nem Elias, nem um dos profetas. Embora não fosse Elias em pessoa, possuía o espírito de Elias e até o superava em dignidade, pois o profeta havia sido apenas a figura do Batista. João era profeta e mais do que profeta, já que sua missão consistia, não em anunciar Cristo de longe, mas em indicá-lo aos seus contemporâneos. Assim, como não era Elias em pessoa, nem profeta no sentido estrito da palavra, respondeu negativamente às perguntas dos judeus e se proclamou simplesmente “a voz do que clama no deserto”. Em vez de atrair sobre si os olhares dos homens, encaminhava-os para as palavras que Deus pronunciava por sua boca. João proclamou a messianidade de Cristo no batismo e, justamente no dia seguinte ao interrogatório dos judeus, chamou Jesus de “o Cordeiro de Deus”. O Batista, “como um anjo do Senhor, permanecia indiferente aos louvores e às censuras”, atento somente à vontade de Deus. Não pregava a si mesmo, mas a Cristo. E Cristo declarou que João era maior que todos os santos da antiga lei e o maior entre os nascidos de mulher.
Herodes Antipas, tetrarca da Galileia, havia repudiado sua esposa e vivia com Herodíades, que era ao mesmo tempo sua sobrinha e esposa de seu meio-irmão Filipe. São João Batista repreendeu com valentia o tetrarca e sua cúmplice por sua conduta escandalosa e disse a Herodes: “Não te é lícito viver com a mulher de teu irmão”. Herodes temia e respeitava João, pois sabia que era um homem de Deus, mas ficou muito ofendido com suas palavras. Ainda que o respeitasse como santo, odiava-o como censor, e foi dominado por uma violenta luta entre o respeito à santidade do profeta e o ódio à liberdade com que havia sido repreendido. Finalmente, a cólera do tetrarca, instigada por Herodíades, triunfou sobre o respeito. Para agradar a Herodíades e talvez também por temor da influência que João exercia sobre o povo, Herodes mandou encarcerá-lo na fortaleza de Maqueronte, perto do Mar Morto. Quando o Batista estava na prisão, Cristo disse dele: “A quem fostes ver? Um profeta? Em verdade vos digo, sim, um profeta e mais que um profeta. Dele é que está escrito: Eis que envio meu anjo diante de ti para preparar-te o caminho. Em verdade vos digo: entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior que João Batista”.

Mas Herodíades não perdia a ocasião de incitar Herodes contra João e de buscar a oportunidade de perdê-lo. A ocasião se apresentou por motivo de uma festa que Herodes deu no dia do seu aniversário aos principais senhores da Galileia. Salomé, filha de Herodíades e de Filipe, dançou diante dos convivas com tal arte, que Herodes jurou conceder-lhe o que pedisse, ainda que fosse a metade dos seus domínios. Herodíades aconselhou a sua filha que pedisse a cabeça do Batista e, para impedir que o tetrarca tivesse tempo de arrepender-se, sugeriu a Salomé que exigisse que a cabeça do santo fosse imediatamente trazida num prato. Esse pedido estranho surpreendeu a Herodes. Alban Butler comenta: “Até aquele homem de ferocidade pouco comum assustou-se ao ouvir falar daquela forma a donzela naquela festa de alegria e regozijo”. Mas não pôde recusar para não faltar à sua palavra. Contudo, como explica Santo Agostinho, com isso cometeu o duplo pecado de fazer um juramento precipitado e cumpri-lo criminosamente. Sem preocupar-se em julgar o Batista, o tirano deu imediatamente a ordem de que o decapitassem na prisão e de que trouxessem num prato sua cabeça a Salomé. A jovem não teve reparo em tomar o prato em suas mãos e oferecê-lo à sua mãe. Assim morreu o grande precursor do Salvador, o maior dos profetas “de quantos nasceram de mulher”. Logo que souberam da notícia, os discípulos do Batista recolheram seu corpo, deram-lhe sepultura e foram contá-lo a Jesus. “E, tendo-o ouvido, Jesus retirou-se ... para um lugar deserto”. Em sua obra “Antiguidades Judaicas”, Josefo dá um testemunho notável da santidade de São João Batista:
“Era um homem dotado de todas as virtudes, que exortava os judeus a praticar a justiça com os homens e a piedade para com Deus. Também pregava o batismo, anunciando-lhes que seriam aceitos por Deus se renunciassem aos seus pecados e acrescentassem a pureza da alma à limpeza do corpo”.
O historiador acrescenta que os judeus atribuíram ao assassinato do Batista as desgraças que caíram sobre Herodes.
A Festa da Degolação de São João Batista começou a ser celebrada em Roma em data relativamente tardia. Não assim em outras cidades do Ocidente, já que a mencionam o Hieronymianum, os dois sacramentários Gelasianos e o Liber Comicus de Toledo (século VII). Além disso, essa festa já se celebrava provavelmente desde antes em Monte Cassino. Como essa comemoração é distinta da do Nascimento do Batista, da qual os Sinaxários de Constantinopla fazem menção no mesmo dia (29 de agosto), podemos supor que se originou na Palestina. No Hieronymianum aparece relacionada com a comemoração do Profeta Eliseu. Isso se deve a que, nos tempos de São Jerônimo, acreditava-se que ambos os profetas haviam sido sepultados em Sebaste, a uma jornada de Jerusalém. O livro dos evangelhos de Wurzburgo, que data aproximadamente do ano 700, comemora a “Deposição de Eliseu e de São João Batista”; também outros livros dos evangelhos comemoram, na mesma data, a ambos os personagens.
Veja-se a nota bibliográfica sobre São João Batista (24 de junho). Acerca da festa de hoje, cf. Morin, em Revue Bénédictine (1891), p. 487; 1893, p. 120; e 1908, p. 494; F. Cabrol em DAC., vol. v, c. 1431; e L. Duchesne, Christian Worship (1931), p. 270. [1]

São Medérico nasceu em Autun no século VII. Desde jovem compreendeu que o fim da vida humana é a salvação e a santificação. Assim, ingressou em tenra idade num mosteiro, provavelmente no de São Martinho de Autun. Nele havia cinquenta e quatro austeros monges, cuja fervorosa vida regular edificava toda a região. Em tão boa companhia, Medérico progrediu na virtude e na escrupulosa observância da regra. Eleito abade muito contra sua vontade, precedia pelo exemplo os seus súditos, pois era “o primeiro no cumprimento do dever”. A fama de sua santidade atraiu sobre ele os olhares dos homens. Logo começaram a vir pessoas de todas as partes para consultá-lo. Como isso lhe trouxesse demasiadas distrações e tentações de vaidade, o santo renunciou ao cargo e retirou-se durante algum tempo para a floresta, a uns cinco quilômetros de Autun. Arrancava o sustento da terra com o suor de seu rosto e encontrava suas delícias numa solidão que lhe permitia consagrar-se inteiramente à contemplação e ao trabalho. Mas o povo não tardou em descobrir seu retiro e uma enfermidade o obrigou a retornar ao mosteiro. Ali passou algum tempo, edificando e ajudando seus irmãos a progredirem na virtude. Já idoso, abandonou novamente o mosteiro para fazer uma peregrinação ao santuário de São Germano de Autun, em Paris. Estabeleceu-se na cidade, com um companheiro chamado Frodulfo, numa pequena cela contígua à capela de São Pedro, no norte da cidade. Após dois anos e nove meses de uma penosa enfermidade, que suportou com admirável paciência, morreu pacificamente no ano 700.
Em Mabillon e no Acta Sanctorum, agosto, vol. vi, há uma biografia latina, bastante sóbria no que se refere aos milagres do santo. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 440–442.
Ibid. p. 443.
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