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Vida de São Jerônimo, Doutor da Igreja e São Gregório, o Iluminador (30 de setembro)



São Jerônimo, retratado por Giovanni Battista Merano.
São Jerônimo, retratado por Giovanni Battista Merano.

Jerônimo (Eusebius Hieronymus Sophronius), o Padre da Igreja que mais estudou as Sagradas Escrituras, nasceu por volta do ano 342, em Stridon, uma pequena povoação situada nos confins da região dálmata da Panônia e do território da Itália, perto da cidade de Áquileia. Seu pai cuidou bem para que fosse instruído em todos os aspectos da religião e nos elementos das letras e das ciências, primeiro no próprio lar e, mais tarde, nas escolas de Roma. Na grande cidade, Jerônimo teve como tutor Donato, o famoso gramático pagão. Em pouco tempo, chegou a dominar perfeitamente o latim e o grego (sua língua natal era o ilírio), leu os melhores autores em ambos os idiomas com grande aplicação e fez grandes progressos na oratória; mas como havia ficado sem a guia paterna e sob a tutela de um mestre pagão, esqueceu-se de alguns dos ensinamentos e das devoções que lhe haviam sido inculcados desde pequeno. Na verdade, Jerônimo terminou seus anos de estudo sem ter adquirido os grandes vícios da juventude romana, mas, infelizmente, já era estranho ao espírito cristão e adicto às vaidades, luxos e outras fraquezas, como admitiu e lamentou amargamente anos mais tarde. Por outra parte, em Roma recebeu o batismo (não foi catecúmeno até que tivesse completado mais ou menos dezoito anos) e, como ele mesmo nos deixou dito, “tínhamos o costume, meus amigos e eu, da mesma idade e gostos, de visitar, aos domingos, os túmulos dos Mártires e dos Apóstolos e entrávamos nas galerias subterrâneas, cujas paredes conservam as relíquias dos mortos”. Depois de haver passado três anos em Roma, sentiu o desejo de viajar para ampliar seus conhecimentos e, em companhia de seu amigo Bonoso, partiu para Tréveris. Foi aí que renasceu impetuosamente o espírito religioso que sempre estivera arraigado no fundo de sua alma e, desde então, seu coração entregou-se inteiramente a Deus.


No ano de 370, Jerônimo estabeleceu-se temporariamente em Áquileia, onde o bispo, São Valeriano, havia atraído tantos elementos valiosos que seu clero era famoso em toda a Igreja do Ocidente. Jerônimo fez amizade com vários daqueles clérigos, cujos nomes aparecem em seus escritos. Entre eles se encontrava São Cromácio, o sacerdote que sucedeu a Valeriano na sede episcopal, seus dois irmãos, os diáconos Joviniano e Eusébio, São Heliodoro e seu sobrinho Nepociano e, sobretudo, estava ali Rufino, que foi, primeiro, amigo íntimo de Jerônimo e, depois, seu encarniçado opositor. Já então, Rufino provocava contradições e discussões violentas, com as quais começava a criar inimigos. Ao cabo de dois anos, algum conflito, sem dúvida mais grave que os outros, dissolveu o grupo de amigos, e Jerônimo decidiu retirar-se para alguma região distante, visto que Bonoso, que havia sido seu companheiro de estudos e de viagens desde a infância, foi viver em uma ilha deserta do Adriático. Jerônimo, por sua parte, havia conhecido em Áquileia a Evágrio, um sacerdote de Antioquia com merecida fama de ciência e virtude, que despertou no jovem o interesse pelo Oriente, e para lá partiu com seus amigos Inocêncio, Heliodoro e Hylas, este último havia sido escravo de Santa Melânia.


São Jerónimo na companhia de Santa Paula e Santa Eustóquia
São Jerónimo na companhia de Santa Paula e Santa Eustóquia.

Jerônimo chegou a Antioquia em 374 e ali permaneceu durante certo tempo. Inocêncio e Hylas foram atacados por uma grave doença e ambos morreram; Jerônimo também esteve doente, mas recuperou-se. Em uma de suas cartas a Santa Eustóquia conta que, no delírio de sua febre, teve um sonho em que se viu diante do trono de Jesus Cristo para ser julgado. Ao perguntar-lhe quem era, respondeu que um cristão. “Mentes!”, replicaram-lhe. “Tu és um ciceroniano, pois onde está o teu tesouro aí também está o teu coração”. Aquela experiência produziu um profundo efeito em seu espírito, e seu encontro com São Malco, cuja estranha história se relata nesta obra na data de 21 de outubro, aprofundou ainda mais esse sentimento. Como consequência daquelas emoções, Jerônimo retirou-se para as selvagens solidões de Cálcis, um deserto inóspito ao sudeste de Antioquia, onde passou quatro anos em diálogo com sua alma. Ali suportou grandes sofrimentos por causa das debilidades de sua saúde, mas sobretudo, pelas terríveis tentações carnais:


“No recanto remoto de um árido e selvagem deserto”, escreveu anos mais tarde a Santa Eustóquia, “queimado pelo calor de um sol tão impiedoso que assusta até os monges que lá vivem, parecia-me estar no meio dos deleites e das multidões de Roma... Naquele exílio e prisão aos quais, por temor ao inferno, eu me condenei voluntariamente, sem outra companhia além da dos escorpiões e das feras, muitas vezes me imaginei contemplando as danças das bailarinas romanas, como se estivesse diante delas. Tinha o rosto abatido pelo jejum e, no entanto, minha vontade sentia os ataques do desejo; em meu corpo frio e em minha carne magra, que parecia morta antes de morrer, a paixão ainda tinha vida. A sós com aquele inimigo, lancei-me em espírito aos pés de Jesus, banhei-os com minhas lágrimas e, enfim, pude domar minha carne com jejuns de semanas inteiras. Não me envergonho de revelar minhas tentações, mas lamento não ser agora o que fui então. Com muita frequência velava do ocaso à aurora entre lágrimas e golpes no peito, até que voltava a calma”.

Dessa maneira, Deus prova de vez em quando seus servos; mas sem dúvida que a existência diária de São Jerônimo no deserto era regular, monótona e tranquila. A fim de conter e prevenir as rebeliões da carne, acrescentou às suas mortificações corporais o trabalho do estudo constante e absorvente, com o qual esperava refrear sua imaginação desatada. Propôs-se a aprender o hebraico.


Quando minha alma ardia com os maus pensamentos”, disse em uma carta datada de 411 e dirigida ao monge Rústico, “como último recurso, recorri a um monge que havia sido judeu, a fim de que me ensinasse o alfabeto hebraico. Assim, das judiciosas regras de Quintiliano, da florida eloquência de Cícero, do grave estilo de Frontão e da doce suavidade de Plínio, passei a esta língua de som sibilante e palavras entrecortadas. Quanto trabalho me custou aprendê-la e quantas dificuldades tive que vencer! Quantas vezes abandonei o estudo, desesperado, e quantas vezes o recomecei! Só eu, que suportei o peso, posso ser testemunha, eu e também os que viviam junto a mim. E agora dou graças ao Senhor que me permite colher os doces frutos da semente que semeei durante aqueles amargos estudos”.

Não obstante seu tenaz aprendizado do hebraico, de tempos em tempos dava-se ocasião para reler os clássicos pagãos.


Por aquele tempo, a Igreja de Antioquia sofria perturbações por causa das disputas doutrinais e disciplinares. Os monges do deserto de Cálcis também tomaram partido nessas dissensões e insistiam para que Jerônimo fizesse o mesmo e se pronunciasse sobre os assuntos em discussão. Ele teria preferido manter-se à margem das disputas, mas, de qualquer modo, escreveu duas cartas a São Dâmaso, que ocupava a Sé Pontifícia desde o ano 366, a fim de consultá-lo sobre o assunto e perguntar-lhe para quais tendências se inclinava. Na primeira de suas cartas diz:


Estou unido em comunhão com vossa santidade, isto é, com a cátedra de Pedro; eu sei que, sobre essa pedra, está construída a Igreja, e quem comer o Cordeiro fora dessa santa casa é um profano. Quem não estiver dentro da arca perecerá no dilúvio. Não conheço Vitalis; ignoro Melecío; Paulino[a] é-me estranho. Todo aquele que não recolhe convosco, dispersa; e o que não está com Cristo, pertence ao anticristo... Ordenai-me, se for de vosso agrado, o que eu devo fazer”.

São Jerônimo é ordenado por Paulino de Antioquia, pintura de Simão Rodrigues, século XVII.
São Jerônimo é ordenado por Paulino de Antioquia, pintura de Simão Rodrigues, século XVII.

Como Jerônimo não recebesse logo uma resposta, enviou uma segunda carta sobre o mesmo assunto. Não conhecemos a resposta de São Dâmaso, mas é certo que o Papa e todo o Ocidente reconheceram Paulino como bispo de Antioquia e que Jerônimo recebeu a ordenação sacerdotal das mãos do Pontífice, quando enfim se decidiu a abandonar o deserto de Cálcis. Ele não desejava a ordenação (nunca celebrou o Santo Sacrifício) e, se consentiu em recebê-la, foi sob a condição de não estar obrigado a servir a esta ou àquela igreja com o exercício de seu ministério; suas inclinações o chamavasm à vida monástica de reclusão. Pouco depois de receber as ordens, trasladou-se a Constantinopla para estudar as Sagradas Escrituras sob a direção de São Gregório Nazianzeno. Em muitas partes de seus escritos, Jerônimo se refere com evidente satisfação e gratidão àquele período em que teve a honra de que tão grande mestre lhe explicasse a divina palavra. No ano de 382, São Gregório abandonou Constantinopla, e Jerônimo regressou a Roma, junto com Paulino de Antioquia e São Epifânio, para tomar parte no Concílio convocado por São Dâmaso a fim de discutir o cisma de Antioquia. Ao término da assembleia, o Papa o reteve em Roma e o empregou como secretário. A pedido do Pontífice e de acordo com os textos gregos, revisou a versão latina dos Evangelhos que “tinha sido desfigurada por transcrições falsas, correções mal feitas e acréscimos descuidados”. Ao mesmo tempo, fez a primeira revisão do Saltério em latim.


Enquanto desenvolvia essas atividades oficiais, alentava e dirigia o extraordinário florescimento do ascetismo que ocorria entre as mais nobres damas romanas. Entre elas se encontram muitos nomes famosos da antiga cristandade, como Santa Marcela, a quem nos referimos nesta obra em 31 de janeiro, juntamente com sua irmã Santa Asela e a mãe de ambas, Santa Albina; Santa Léia; Santa Melânia a Maior, a primeira daquelas damas que fez uma peregrinação à Terra Santa; Santa Fabíola (27 de dezembro); Santa Paula (26 de janeiro) e suas filhas, Santa Blesila e Santa Eustóquia (28 de setembro). Mas, ao morrer São Dâmaso, no ano de 384, o secretário ficou sem proteção e encontrou-se, de repente, em situação difícil. Em seus dois anos de atuação pública, havia causado profunda impressão em Roma por sua santidade pessoal, sua ciência e sua honradez, mas justamente por isso havia criado antipatias entre os invejosos, entre os pagãos e gente de má vida, a quem condenara vigorosamente, e também entre as pessoas simples e de boa vontade, que se ofendiam pelas palavras duras, claras e diretas do santo e por seus engenhosos sarcasmos. Quando escreveu em defesa da decisão de Blesila, a jovem viúva, rica e bela, que de súbito renunciou ao mundo para consagrar-se ao serviço de Deus, Jerônimo satirizou e criticou impiedosamente a sociedade pagã e a vida mundana e, em contraste com a modéstia e o recato de que Blesila fazia ostentação, atacou aquelas damas “que pintam as faces com púrpura e as pálpebras com antimônio; as que aplicam tanta quantidade de pós no rosto que, excessivamente branco, deixa de ser humano para converter-se no de um ídolo; e, se em um momento de descuido ou fraqueza derramam uma lágrima, fabricam com ela e com seus cosméticos uma pedrinha que rola sobre as faces polvilhadas. São essas mulheres a quem o passar dos anos não dá a devida gravidade de porte, as que carregam em suas cabeças os cabelos de outras pessoas, as que esmaltam e envernizam sua perdida juventude sobre as rugas da idade e fingem timidezes de donzela em meio à turba de seus netos”.


“A Tentação de São Jerônimo”, por Giorgio Vasari.
“A Tentação de São Jerônimo”, por Giorgio Vasari.

Não se mostrou menos áspero em suas críticas à sociedade cristã, como se vê na carta sobre a virgindade que escreveu a Santa Eustóquia, onde ataca com particular ferocidade certos elementos do clero. “Todas as suas ansiedades estão concentradas em suas roupas... Seriam tomados por noivos, e não por clérigos; não pensam em outra coisa senão nos nomes das damas ricas, no luxo de suas casas e no que fazem dentro delas”. Depois de semelhante preâmbulo, descreve certo clérigo em particular, que detesta jejuar, gosta de cheirar os manjares que vai devorar e usa sua língua de maneira bárbara e cruel. Jerônimo escreveu a Santa Marcela em relação a certo cavalheiro que supunha-se, erroneamente, alvo de seus ataques: “Eu me divirto muito e rio da fealdade dos vermes, das corujas e dos crocodilos, mas ele toma tudo para si mesmo... É necessário dar-lhe um conselho: se ao menos procurasse esconder seu nariz e manter quieta sua língua, poderia passar por um homem bem-apessoado e sábio”. Do ano 395 ao 400, São Jerônimo travou guerra contra a doutrina de Orígenes e, infelizmente, no curso da luta, rompeu-se a amizade de vinte e cinco anos que mantinha com Rufino. Anos antes ele lhe escrevera a declaração de que “uma amizade que pode morrer nunca foi verdadeira”, do mesmo modo que, mil e duzentos anos mais tarde, diria Shakespeare desta maneira:

... Love is not love

which alters when its alteration finds

or bends with the remover to remove.

... Amor não é amor

que se altera quando encontra alteração

ou se dobra diante de quem deseja afastá-lo.


Contudo, o afeto de Jerônimo por Rufino sucumbiu diante do zelo do santo em defender a verdade. Jerônimo, como escritor, recorria continuamente a Orígenes e era grande admirador de sua erudição e de seu estilo, mas assim que descobriu que no Oriente alguns haviam se deixado seduzir pelo prestígio de seu nome e tinham caído em gravíssimos erros, uniu-se a São Epifânio para combater com veemência o mal que ameaçava espalhar-se. Rufino, que então vivia num mosteiro de Jerusalém, havia traduzido muitas obras de Orígenes ao latim e era um entusiasta admirador seu, embora isso não signifique que estivesse disposto a sustentar as heresias que, ao menos materialmente, se encontram nos escritos de Orígenes. Santo Agostinho foi um dos bons homens afetados pelas disputas entre Orígenes e Jerônimo, apesar de ninguém melhor que ele estar em posição de compreender a atitude de Jerônimo, já que manteve com este uma longa controvérsia sobre a exegese do capítulo segundo da epístola de São Paulo aos Gálatas. Embora Santo Agostinho tivesse usado com abundância de tato e boas maneiras, suas primeiras cartas feriram a suscetibilidade de Jerônimo, que lhe escreveu no ano 416 com estas palavras: “Nunca deixei de atacar os hereges e fiz todo o possível para considerar sempre os inimigos da Igreja como inimigos pessoais meus”. Contudo, parece que, por vezes, Jerônimo julgava que todos os que possuíssem “opiniões diferentes das suas eram, necessariamente, inimigos da Igreja”. Quando se tratava de defender o bem e combater o mal, não conhecia o sentido da moderação. Era fácil que se deixasse arrastar pela cólera ou pela indignação, mas também se arrependia com extraordinária rapidez de seus arroubos. Há uma anedota referente a certa ocasião em que o Papa Sisto V contemplava uma pintura onde o santo aparecia golpeando o peito com uma pedra. “Fazes bem em usar essa pedra”, disse o Pontífice à imagem, “porque sem ela, a Igreja jamais te teria canonizado”.


“São Jerônimo e o Anjo”, por José de Ribera.
“São Jerônimo e o Anjo”, por José de Ribera.

Mas suas denúncias, alegações e controvérsias, por muito necessários e brilhantes que tenham sido, não constituem a parte mais importante de suas atividades. Nada deu tanta fama a São Jerônimo como suas obras críticas sobre as Sagradas Escrituras. Por isso, a Igreja o reconhece como um homem especialmente escolhido por Deus e o considera o maior de seus grandes doutores na exposição, explicação e comentário da palavra divina. O Papa Clemente VIII não hesitou em afirmar que Jerônimo teve a assistência divina ao traduzir a Bíblia. Além disso, ninguém estava mais bem dotado que ele para tal trabalho: durante muitos anos vivera no próprio cenário das Sagradas Escrituras, onde os nomes das localidades e os costumes do povo eram ainda os mesmos. Sem dúvida, muitas vezes obteve na Terra Santa uma clara representação de diversos acontecimentos registrados nas Escrituras. Conhecia o grego e o aramaico, línguas vivas naquela época, e também o hebraico, que, embora já não fosse de uso corrente desde o cativeiro dos judeus, ainda era falado entre os doutores da lei. A estes recorreu Jerônimo para melhor compreender os livros santos e até teve como mestre um erudito e famoso judeu chamado Bar Ananias, que vinha instruí-lo à noite, com todo o cuidado para não provocar a indignação dos demais doutores da lei. Mas não há dúvida de que, além de tudo isso, Jerônimo recebeu auxílio do Céu para obter o espírito, o temperamento e a graça indispensáveis a fim de ser admitido no santuário da sabedoria divina e compreendê-la. Além disso, a pureza de coração e toda uma vida de penitência e contemplação tinham preparado Jerônimo para receber tal graça.


Já vimos que, sob o patrocínio do Papa São Dâmaso, revisou em Roma a antiga versão latina dos Evangelhos e dos Salmos, assim como o restante do Novo Testamento. A tradução da maioria dos livros do Antigo Testamento escritos em hebraico foi a obra que realizou durante seus anos de retiro em Belém, a pedido de seus amigos e discípulos mais fiéis e ilustres e também por vontade própria, pois desejava traduzir do original e não de qualquer outra versão. Não começou a tradução dos livros em ordem, mas ocupou-se primeiro do Livro dos Reis e seguiu com os demais, sem escolhê-los. As únicas partes da Bíblia em latim, conhecidas como a Vulgata, que não foram traduzidas por São Jerônimo, são os livros da Sabedoria, o Eclesiástico, Baruc e os dois livros dos Macabeus. Fez uma segunda revisão dos Salmos, com a ajuda da Hexapla de Orígenes e dos textos hebraicos, e foi essa segunda versão a que ficou incluída na Vulgata e usada no ofício divino.[b] A primeira versão, conhecida como o Saltério Romano, ainda se usa no salmo de convite dos matutinos e em todo o missal, bem como para o ofício divino em São Pedro de Roma, em São Marcos de Veneza e nos ritos milaneses. O Concílio de Trento declarou a Vulgata de São Jerônimo como o texto bíblico latino autêntico ou autorizado pela Igreja Católica, sem que isso implicasse preferência dessa versão sobre o texto original ou sobre outras versões em outras línguas. Em 1907, o Papa Pio X confiou aos monges beneditinos a tarefa de restaurar, na medida do possível, os textos de São Jerônimo na Vulgata, já que, ao longo de quinze séculos de uso, haviam sido consideravelmente modificados e corrigidos.


São Jerônimo, retratado por Caravaggio.
São Jerônimo, retratado por Caravaggio.

No ano de 404, São Jerônimo teve a grande dor de ver morrer sua inseparável amiga Santa Paula e, poucos anos depois, quando Roma foi saqueada pelas tropas de Alarico, grande número de romanos fugiu e refugiou-se no Oriente. Naquela ocasião, São Jerônimo lhes escreveu da seguinte maneira: “Quem teria pensado que as filhas dessa poderosa cidade teriam que vagar um dia, como servas ou escravas, pelas costas do Egito e da África? Quem imaginaria que Belém iria receber diariamente nobres romanas, damas distinguidas criadas na abundância e reduzidas à miséria? Não posso ajudar a todas, mas a todas lamento e choro e, completamente entregue aos deveres que a caridade me impõe para com elas, deixei de lado meus comentários sobre Ezequiel e quase todos os meus estudos. Porque agora é necessário traduzir as palavras das Escrituras em atos e, em vez de pronunciar frases santas, devemos vivê-las”. Novamente, quando sua vida estava prestes a terminar, teve que interromper seus estudos por uma incursão dos bárbaros e, algum tempo depois, pelas violências e perseguições dos pelagianos, que enviaram a Belém uma horda de salteadores para atacar os monges e monjas que ali moravam sob a direção e proteção de São Jerônimo, o qual havia atacado Pelágio em seus escritos. Durante aquela incursão, alguns religiosos e religiosas foram maltratados, um diácono foi morto e quase todos os mosteiros foram incendiados. No ano seguinte, morreu Santa Eustóquia e, poucos dias depois, São Jerônimo seguiu-a à sepultura. Em 30 de setembro do ano 420, quando seu corpo extenuado pelo trabalho e pela penitência, com a vista e a voz esgotadas, parecia uma sombra, passou para a vida eterna. Foi sepultado na igreja da Natividade, perto da tumba de Paula e Eustóquia, mas muito tempo depois, seus restos foram trasladados para o local onde repousam até hoje, na basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Os artistas frequentemente representam São Jerônimo com vestes de cardeal, devido aos serviços prestados ao Papa São Dâmaso, embora às vezes também o pintem junto a um leão, porque se diz que domesticou uma dessas feras, da qual retirou um espinho que se havia cravado na pata. A lenda pertence mais propriamente a São Gerásimo, mas o leão poderia ser o emblema ideal daquele nobre, indomável e valente defensor da fé.


“São Jerônimo como Cardeal”, do Museo Thyssen-Bornemisza, de Madri.
“São Jerônimo como Cardeal”, do Museo Thyssen-Bornemisza, de Madri.

Nos últimos anos foram feitos muitos progressos no estudo e na investigação da vida de São Jerônimo. É particularmente valioso o volume Miscellanea Geronimiana, publicado em Roma em 1920, por ocasião do décimo quinto centenário de sua morte. Grande número de distintos pesquisadores, como Dichene, Batdol, Lanzoni, Zeiller e Bulic, colaboraram na formação desse livro com diversos estudos sobre pontos de particular interesse em relação ao santo. Em 1922, surgiu a melhor de suas modernas biografias, a de F. Cavallara, Saint Jérôme, sa vie et son œuvre (1922, 2 vols). Devem-se também consultar as notas críticas do padre Peeters em Analecta Bollandiana, vol. XLIII, pp. 180-184. Em datas anteriores, temos a descoberta feita por G. Morin dos Commentarioli et Tractatus de São Jerônimo sobre os Salmos, assim como outros achados (ver Morin em Études, textes, découverts, pp. 17-25). Um artigo muito completo sobre São Jerônimo, escrito por H. Leclercq, aparece no DAC, vol. VII, cc. 2235-3304, assim como outro de J. Forget, em DTC, vol. VIII (1924), cc. 894-983. No século XVIII, Vallarsi e os bolandistas (setembro, vol. VIII) escreveram obras minuciosas sobre o santo. Os escritos mais antigos sobre São Jerônimo, à exceção da crônica de Marcelino (editada por Mommsen em MGH, Auctores Antiquissimi, vol. II, pp. 47 e ss.), carecem de valor. A correspondência e as obras de São Jerônimo foram, são e serão sempre a fonte principal para o estudo de sua vida. Ver também P. Monceaux, em St. Jerome: the early years (1935); J. Duff, em Letters of St. Jerome (1942); A. Penna, em S. Girolamo (1949); P. Antin, em Essai sur S. Jérôme (1951) e o Monument to St. Jerome (1952), um ensaio de F. X. Murphy. [1]




São Gregório, O Iluminador
São Gregório, O Iluminador.

Provavelmente os primeiros que pregaram a fé cristã na Armênia, durante o segundo e o terceiro século de nossa era, foram missionários vindos da Síria e da Pérsia, mas as crenças e tradições locais sobre as primeiras evangelizações são diversas e contraditórias. Algumas versões dizem que os primeiros evangelizadores foram os apóstolos São Bartolomeu e São Judas Tadeu e, em relação a este último, lhe atribuíram a história do rei Abgar, o Negro, e sua semelhança com Nosso Senhor Jesus Cristo, assunto que, na realidade, pertence a São Addai, que viveu em Edessa. Entretanto, os armênios veneram também a São Gregório de Ashtishat como o apóstolo que levou a luz do Evangelho ao seu país, pelo que o chamam de “Iluminador” e o têm como padroeiro principal. Gregório veio ao mundo na Armênia durante o século III, na época em que o país havia sido invadido pelos persas. Seus antecedentes e até sua nacionalidade são incertos. De acordo com as tradições armênias, pouco dignas de crédito, era filho daquele famoso Anak, o parto que assassinou o rei Khosrov I da Armênia. Este monarca, antes de morrer, pediu a seus súditos que o vingassem por meio do extermínio da família de Anak, e só escapou da matança o recém-nascido Gregório, que foi levado por um mercador de Valarshapat até Cesareia, na Capadócia. Sabe-se com certeza que ali foi batizado e, a seu tempo, casou-se e teve dois filhos, São Aristaces e São Vardanes.


Tiridates, um dos filhos do rei Khosrov assassinado, que havia vivido exilado em várias partes do Império Romano, conseguiu reunir um exército, com o qual regressou à Armênia e reconquistou o trono de seu pai. A Gregório foi dado um palácio para residir na corte de Tiridates (algo muito singular, se de fato Gregório fosse filho do assassino do rei), mas não tardou em cair em desgraça por causa de suas “atividades em favor dos cristãos e do zelo que empregava na conversão de almas”. Logo eclodiu a perseguição ativa contra os cristãos e, entre os que mais sofreram, estava Gregório. Mas, em última instância, triunfou, pois conseguiu converter e batizar o próprio Tiridates (também o rei é venerado como santo) e, enquanto os cristãos do império eram mortos às centenas durante a perseguição de Diocleciano, na Armênia proclamava-se o cristianismo como religião oficial, razão pela qual se diz que o país foi (ainda que superficialmente) o primeiro Estado cristão da história do mundo.


Gregório foi a Cesareia, onde foi consagrado bispo pelo metropolita Leôncio. Estabeleceu sua sede em Ashtishat e, com a ajuda de missionários sírios e gregos, organizou sua Igreja, instruiu os novos convertidos e conquistou muitos outros. Para dispor de um maior número de sacerdotes, reuniu um grupo de jovens e, pessoalmente, os formou nas Sagradas Escrituras, na moral cristã e nas línguas grega e síria. Contudo, o episcopado tornou-se hereditário e, um século depois, o bispo primaz da Armênia era descendente direto de Gregório.


Sem deter-se nem recuar, nosso ‘Iluminador’ levou o nome vivificador de Jesus de um extremo ao outro da terra, em todas as estações e climas, sem temer as fadigas e sempre diligente no cumprimento dos deveres de evangelizador, lutando contra os adversários, pregando com ardor diante dos chefes e nobres, para iluminar todas as almas que, renascidas no batismo, se tornavam filhas de Deus. Para que resplandecesse a glória de Jesus Cristo, libertava prisioneiros e cativos e também aqueles que viviam oprimidos pelos tiranos; desfazia ou corrigia contratos injustos, e somente com sua palavra consolava a muitos que sofriam ou viviam sob o medo, ao infundir-lhes a esperança na glória de Deus e plantar em sua alma a semente da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que alcançassem a plena felicidade.”

São Gregório, o iluminador, batiza Tiridates III.
São Gregório, o iluminador, batiza Tiridates III.

Gregório enviou seu filho, São Aristaces, como representante no primeiro Concílio Ecumênico de Niceia e afirma-se que, ao ler o decreto daquela assembleia, o bispo exclamou: “Quanto a nós, louvamos a Deus que foi antes de todos os tempos e adoramos a Santíssima Trindade e ao único Deus Pai, Filho e Espírito Santo, agora e por todos os séculos”. Estas são as palavras que, as tenha ou não pronunciado São Gregório naquele momento, o celebrante repete na liturgia eucarística armênia, quando o diácono recita o anátema conciliar após o Credo. Pouco depois, Gregório consagrou Aristaces como seu sucessor na sede episcopal e retirou-se para uma ermida no Monte Manyea, na província de Taron. Ali foi encontrado morto por um pastor no ano seguinte. Seus restos foram sepultados em Thortan.


Os dados que temos dado são muito incertos, mas se escasseiam as informações autênticas, abundam em contrapartida as lendas. Estas serviram de base para o relato que escreveu um tal Agatângelo, que assegura ter sido secretário do rei Tirídates. Essa obra não foi escrita antes de transcorrida a metade do século quinto. De acordo com esse escrito, Gregório teve um primeiro conflito com Tirídates, por ter-se recusado a pendurar uma guirlanda de flores ao pescoço da imagem da deusa Anahit em seu templo de Ashtishat. O rei fez tudo quanto pôde para convencê-lo a obedecer, mas ao ver que as palavras eram inúteis, submeteu Gregório a doze tormentos distintos, alguns cruéis, outros ingênuos, mas todos diferentes dos que praticavam os romanos para martirizar os cristãos. Depois, Gregório foi lançado em um fosso nauseabundo, onde foi deixado esquecido durante quinze anos entre cadáveres putrefatos, lixo e animais imundos. Graças aos bons serviços de uma viúva que diariamente se aproximava do fosso para dar de comer ao desgraçado, pôde manter-se com vida.


O rei Tiridates pede a São Gregório para devolver sua aparência humana, por Francesco Fracanzano (1635).
O rei Tiridates pede a São Gregório para devolver sua aparência humana, por Francesco Fracanzano (1635).

Após o martírio de Santa Rípsima (29 de setembro), o rei Tirídates se transformou em um urso e viveu nos bosques, com os de sua espécie. Mas a irmã do rei teve uma visão na qual lhe foi revelado que unicamente as preces de São Gregório poderiam devolver ao monarca sua forma natural. Então foi uma comitiva de cortesãos até o fosso pestilento para tirar Gregório de entre as imundícies; o santo pôs-se em oração e, em seguida, reapareceu o rei em pessoa, cheio de contrição e de gratidão, pedindo o batismo para ele e toda a sua família. Gregório passou uma temporada na corte, tratado como o próprio rei, e logo se retirou às solidões de Valarshapat, nas encostas do Monte Ararat, onde se entregou ao jejum e à oração. Ao cabo de setenta dias, apareceu-lhe Nosso Senhor Jesus Cristo e disse-lhe que naquele lugar devia edificar-se a grande igreja catedral da Armênia. Gregório se apressou a cumprir as ordens celestiais e em pouco tempo se construiu uma grande igreja que se chamou Etchmiadzin, que significa “o Único Esperado desceu”. É muito possível que a história da aparição tenha sido inventada para reforçar o pedido de que a Igreja da Armênia fosse independente da Igreja de Cesareia. Cada um desses maravilhosos sucessos: os doze tormentos, os quinze anos no fosso, a libertação do fosso e a visão, são comemorados pelos armênios com uma festa particular, além das outras festividades em honra de São Gregório. Em algumas partes, como na Grécia, venera-se-o, equivocadamente, como mártir. Os emigrantes armênios introduziram a devoção a São Gregório no sul da Itália, e ainda há uma igreja em Nápoles que assegura possuir algumas relíquias do santo que, no entanto, se conservam íntegras na catedral da Armênia. São Gregório é mencionado no Cânon da Missa Armênia.


No caso dos santos armênios e georgianos, os que não conhecemos as línguas orientais temos que contentar-nos com fontes de informação de segunda mão. Até mesmo os bolandistas, no século dezoito (Acta Sanctorum, set., vol. VIII), tiveram que se arranjar com as versões gregas ou os resumos incluídos no Metafrasto das fabulosas narrações armênias atribuídas a Agatângelo. Os originais armênios já não existem, mas há uma versão muito antiga em árabe, que data do período imediatamente posterior ao pseudo-Agatângelo. Esta versão encontra-se em uma carta (c. 714) de Jorge, um bispo árabe, dirigida ao presbítero Josué. Veja-se von Ryssel, em Ein Brief Georgs an den Presb. Joshua (1883); A. von Gutschmid, em Kleine Schriften, vol. II (1892), pp. 339-420; Gelzer, em Berichte der Sächsischen Gesellschaft, 1895, pp. 109-174; P. Peeters em Analecta Bollandiana, vol. XXVI (1907), pp. 117-120 e vol. I (1932), pp. 3-58; C.G. Garitte, em Documents pour l’Étude du livre d’Agathange, em Studi e testi, nº CXXVII (1946), onde se inclui um texto inédito em grego sobre os escritos de Agatângelo, do qual deriva o texto árabe. Veja-se também o extenso artigo de Fr. P. Peeters em Analecta Bollandiana, vol. LX (1942), a propósito do calendário de mármore de Nápoles; a nota dos bolandistas no Martirologio Romano (1940), pp. 426-427; S. Weber, em Die Katholische Kirche in Armenien (1903), pp. 115 e ss.; F. Tournebize, em sua Histoire de l’Arménie (1901), pp. 403 e ss.; e L. Duchesne, em Histoire ancienne de l’Église, vol. III (1911), pp. 528-536. [2]


Referência:


  1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 658-659.

  2. Ibid. pp. 722-724.

Notas: a. Paulinos: Eram os que reclamavam para si a sede de Antioquia em perpetua rivalidade.


b. Desde 1945 há outra versão latina que pode ser usada para esse propósito, tomada principalmente dos textos hebraicos massoréticos.



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