Vida de São Hipólito de Roma e São Casiano de Ímola, Mártires (13 de agosto)
- Sacra Traditio
- 13 de ago.
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O Martirológio Romano menciona neste dia Santo Hipólito, o mártir cujo nome aparece nos “atos” de São Lourenço. Segundo esse documento, Hipólito era um dos guardas na prisão onde se encontrava Lourenço, convertido e batizado por ele. Hipólito assistiu ao enterro de Lourenço e, quando o imperador soube disso, mandou chamá-lo e repreendeu-o por ter profanado o uniforme militar com “uma conduta indigna de um oficial e um cavalheiro”. Em seguida mandou açoitá-lo, juntamente com sua ama-de-leite Concórdia e outros dezenove mártires, que morreram na tortura. Só Hipólito sobreviveu à flagelação e foi condenado a perecer arrastado por um tronco de cavalos. Isto constitui um dado muito suspeito, se recordarmos que o filho de Teseu, Hipólito, fugindo da cólera de seu pai, encontrou-se com um monstro que espantou seus cavalos; o herói escorregou de seu carro, *enredou-se nas rédeas e morreu despedaçado contra as pedras. Os verdugos de Santo Hipólito escolheram os dois cavalos mais selvagens que encontraram, amarraram-nos com uma longa corda e penduraram nela o mártir pelos pés. Os cavalos arrastaram-no furiosamente sobre pedras e rochas; o chão, as árvores e as pedras ficaram salpicados com o sangue do mártir. Os fiéis que presenciavam a execução a certa distância encarregaram-se de recolhê-lo em panos e reuniram os membros e ossos do santo, que se espalharam por toda parte.
Esta versão é lendária. Ao que parece, o mártir que a Igreja comemora neste dia era um sacerdote romano chamado Hipólito, que viveu no início do século III. Era um homem muito erudito e o mais destacado dos escritores teológicos dos primeiros tempos da Igreja de Roma. A língua que utilizava em seus escritos era o grego. Talvez tivesse sido discípulo de Santo Irineu, e São Jerônimo qualificou-o como “varão muito santo e eloquente”. Hipólito acusou o Papa Santo Ceferino de ter-se mostrado negligente em descobrir e denunciar a heresia. Quando São Calisto I foi eleito Papa, Hipólito retirou-se da comunhão com a Igreja romana e se opôs ao Sumo Pontífice.** Durante a perseguição de Maximino, foi desterrado para a Sardenha juntamente com o Papa São Ponciano, no ano 235, e lá se reconciliou com a Igreja. Morreu mártir naquela ilha insalubre, em consequência dos maus-tratos que recebeu. Seu corpo foi, mais tarde, trasladado ao cemitério da Via Tiburtina.
Prudêncio, baseando-se em uma interpretação equivocada da inscrição do Papa São Dâmaso, confunde Santo Hipólito com outro mártir do mesmo nome e afirma que morreu esquartejado por um tiro de cavalos selvagens na foz do Tibre. Em um hino, refere que sempre havia sido curado de suas doenças do corpo e da alma quando ia pedir auxílio no túmulo de Santo Hipólito, e agradece a Cristo as graças que lhe concedera pela intercessão do mártir. O mesmo autor assegura que o túmulo de Santo Hipólito era um lugar de peregrinação, frequentado não só pelos habitantes de Roma, mas também por cristãos de regiões muito distantes, sobretudo no dia da festa do mártir: “O povo acorre desde a madrugada ao santuário. Toda a juventude passa por ali. A multidão vai e vem até o cair do sol, beijando as letras resplandecentes da inscrição, derramando especiarias e regando o túmulo com suas lágrimas. E quando chega a festa do santo, no ano seguinte, a multidão acode novamente com zelo... e os amplos campos mal podem conter a alegria do povo.” Outra prova da grande veneração que os fiéis tinham por Santo Hipólito é que seu nome figura no cânon da missa ambrosiana de Milão.
Em 1551, descobriu-se, no cemitério de Santo Hipólito, no caminho de Tívoli, uma estátua de mármore do século III que representa o santo sentado em uma cátedra; as tábuas para calcular a Páscoa e a lista das obras de Santo Hipólito estão gravadas em ambos os lados da cátedra. A estátua encontra-se atualmente no Museu de Latrão.
Somente muito recentemente os historiadores começaram a reconhecer a importância de Santo Hipólito na história da Igreja romana. Butler escreveu um século antes que se descobrissem os Philosophumena. Ainda as excelentes páginas que escreveu sobre Santo Hipólito Mons. Duchesne, em sua Histoire ancienne de l’Église, precisam ser completadas pela descoberta de R. H. Connolly, que demonstrou que a chamada “Ordem da Igreja do Egito” data da época de Hipólito e constitui a base das famosas “Constituições Apostólicas” (cf. Texts and Studies de Cambridge, vol. III, n. 4, 1916). Acerca da personalidade e dos escritos do presbítero Hipólito, veja-se Lightfoot, Apostolic Fathers, vol. II, pp. 316-477, e o excelente artigo de Amann no DTC, vol. VI, cc. 2487-2511. A. d'Alès, La théologie de S. Hippolyte (1906) é também uma obra de valor. Ver também G. Dix, The Treatise of the Apostolic Tradition (1937); G. Bovini, Sang Ippolito (Studi di antichità cristiana, 1943); e B. Botte, na coleção Sources Chrétiennes (La Tradition Apostolique e o Commentaire de Daniel, 1947). Alguns historiadores ainda se recusam a admitir que Hipólito seja o autor dos Philosophumena. O hino de Prudêncio é o nono do Peristephanon (Migne, PL., vol. LX, cc. 530 ss.). É impossível determinar com certeza se o escritor Hipólito se identifica com o santo venerado em Porto. A lenda do esquartejamento parece ser pura invenção; mas Prudêncio afirma que havia no túmulo um afresco representando o incidente. Hipólito foi sepultado no cemitério da Via Tiburtina, em frente a São Lourenço; por isso, inventou-se a lenda de sua participação no martírio do diácono romano. Veja-se Delehaye em CMH, pp. 439-440; e H. Leclercq, em DAC, vol. VI, cc. 2409-2483. [1]

A Igreja une a celebração de São Casiano com a de Santo Hipólito, embora não exista relação alguma entre ambos os mártires. Casiano era um mestre-escola que ensinava as crianças de Ímola a ler e escrever. Ímola é uma cidade da Itália que dista cerca de quarenta quilômetros de Ravena. Durante uma furiosa perseguição contra os cristãos, Casiano foi preso e levado à presença do governador da província. Ensinava também taquigrafia como forma de ensinar os preceitos religiosos cristãos sem que os seus perseguidores compreendessem o que estava escrito. Como se recusasse a oferecer sacrifícios aos deuses, o bárbaro juiz, ao saber que era mestre-escola, ordenou que os próprios discípulos o matassem com seus “estilos”***. Acorreram duzentos discípulos de Casiano, “que o odiavam porque era seu professor”. Os guardas despiram o condenado, e alguns dos discípulos atiraram-lhe ao rosto as tábuas, os estilos e as navalhas; outros lhe rasgaram o corpo com as navalhas; outros ainda lhe cravaram os estilos no corpo e chegaram mesmo a divertir-se barbaramente gravando letras em sua pele. Santo Casiano, coberto de sangue e ferido em todo o corpo, ainda teve coragem de dizer aos perversos alunos que não tivessem medo e o golpeassem com mais força. Com isso, não queria exortá-los ao pecado, mas manifestar seu desejo de morrer por Cristo. Os cristãos de Ímola encarregaram-se de sepultá-lo. Prudêncio relata que, a caminho de Roma, visitou o túmulo do mártir e pediu ali a Deus perdão por seus pecados; também descreve uma pintura que estava sobre o altar e representava a cruel morte do mártir da forma como ele a narra em seus versos.
A paixão do mártir, que se encontra no Sanctuarium de Mobricio (vol. VII), não é provavelmente mais que uma tradução em prosa do poema de Prudêncio (Peristephanon, IX). O detalhe da intervenção dos discípulos no martírio é provavelmente uma reminiscência de um incidente de Apuleio (cf. P. Franchi de Cavalieri, Hagiographica, p. 131), e lembra de forma muito suspeita o martírio de São Marcos de Aretusa (29 de março). Mas não se pode duvidar razoavelmente da existência de Santo Casiano de Ímola. Veja-se Lanzoni, Le Leggende di S. Cassiano d'Imola (1913); Didaskaleion, vol. I (1925), pp. 1-44; e Delehaye em CMH, pp. 440-441. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 318–320.
Ibid. p. 320.
NOTA:
* O nome de Hipólito significa “cavalo desenfreado”. Se considerarmos a história do martírio deste santo e o significado de seu nome, compreender-se-á facilmente por que Santo Hipólito foi adotado como padroeiro de cocheiras, cavalgadas e cavaleiros.
** No início do século III, a Igreja de Roma enfrentava controvérsias relacionadas à heresia modalista (Sabelianismo), que confundia as Pessoas da Santíssima Trindade. Hipólito, teólogo de formação rigorosa e muito zeloso pela ortodoxia, achava que o Papa São Ceferino (†217) era demasiado indulgente e não condenava o modalismo com firmeza.
Quando São Calisto I (217–222) sucedeu Ceferino, Hipólito acusou-o de excessiva misericórdia para com pecadores públicos, especialmente adúlteros e fornicadores, permitindo-lhes penitência e reconciliação — algo que Hipólito considerava inaceitável.
Por causa disso, Hipólito rompeu a comunhão com o Papa e chegou a atuar como “bispo” de um grupo separado de cristãos romanos, se tornando o primeiro antipapa da historia da Igreja. Porém, se reconciliou com o Papa São Ponciano e morreu mártir.
*** Naquela época escrevia-se sobre tábuas de cera com “estilos” ou penas de aço. Uma extremidade do estilo era pontiaguda e a outra romba, para poder apagar o que se escrevia.
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