Vida de Santa Rosa de Lima e São Pamáquio (30 de agosto)
- Sacra Traditio
- 30 de ago.
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Atualizado: há 2 dias

Ásia, Europa e África já tinham sido profusamente banhadas pelo sangue dos mártires e iluminadas com o exemplo resplandecente dos santos, enquanto o imenso continente americano permanecia estéril. Finalmente, a luz da fé começou a brilhar para o Novo Mundo no século XVI. Rosa de Lima, a primeira santa americana canonizada, brotou, de fato, como uma rosa entre os espinhos. Nasceu na capital do Peru em 1586, de ascendência espanhola. Seus pais, Gaspar de Flores e Maria de Oliva, eram pessoas modestas. Embora a menina tenha sido batizada com o nome de Isabel, era comumente chamada de Rosa e esse foi o único nome que lhe impôs na Confirmação o arcebispo de Lima, Santo Toríbio. Rosa tomou Santa Catarina de Sena por modelo, apesar da oposição e das zombarias de seus pais e amigos. Em certa ocasião, sua mãe lhe coroou com uma grinalda de flores para mostrá-la a algumas visitas e Rosa cravou uma das horquilhas da grinalda na cabeça, com a intenção de fazer penitência por aquela vaidade, de tal modo que depois teve bastante dificuldade em retirá-la. Como as pessoas frequentemente louvavam sua beleza, Rosa costumava esfregar a pele com pimenta para se desfigurar e não ser ocasião de tentação para ninguém. Uma dama lhe fez um dia certos elogios acerca da suavidade da pele de suas mãos e da fineza de seus dedos; imediatamente a santa esfregou as mãos com barro, consequência da qual não pôde vestir-se sozinha durante um mês. Essas e outras austeridades ainda mais surpreendentes a prepararam para a luta contra os perigos exteriores e contra seus próprios sentidos. Mas Rosa sabia muito bem que tudo isso seria inútil se não expulsasse de seu coração todo amor-próprio, cuja fonte é o orgulho, pois essa paixão é capaz de se esconder até mesmo na oração e no jejum. Assim, dedicou-se a atacar o amor-próprio mediante a humildade, a obediência e a abnegação da própria vontade. Embora não tivesse receio em opor-se a seus pais quando pensava que estavam enganados, jamais os desobedeceu voluntariamente, nem se afastou da mais escrupulosa obediência e paciência nas dificuldades e contradições. E deve-se notar que a santa donzela teve de sofrer enormemente por parte daqueles que não a compreendiam.
O pai de Rosa fracassou na exploração de uma mina, e a família se viu em circunstâncias econômicas difíceis. Rosa trabalhava o dia inteiro no horto, costurava parte da noite e dessa forma ajudava no sustento da família. A santa estava contente com sua sorte e jamais teria tentado mudá-la, se seus pais não quisessem induzi-la ao matrimônio. Rosa lutou contra eles durante dez anos e fez voto de virgindade para confirmar sua resolução de viver consagrada ao Senhor. Ao cabo desses dez anos, ingressou na terceira ordem de São Domingos e, a partir de então, praticamente se recolheu em uma cabana que havia construído no horto. Usava sobre a cabeça uma estreita cinta de prata, cujo interior estava erizado de pontas, de modo que era uma espécie de coroa de espinhos. Seu amor a Deus era tão ardente que, quando falava d’Ele, mudava o tom de sua voz e seu rosto se inflamava como reflexo do sentimento que enchia sua alma. Esse fenômeno se manifestava sobretudo quando a santa se encontrava na presença do Santíssimo Sacramento ou quando, na comunhão, unia seu coração à Fonte do Amor.

Deus concedeu à sua serva graças extraordinárias, mas também permitiu que sofresse durante quinze anos a perseguição de seus amigos e conhecidos, enquanto sua alma se via mergulhada na mais profunda desolação espiritual. Por outra parte, o demônio a molestava com violentas tentações. O único conselho que souberam dar-lhe aqueles a quem consultou foi que comesse e dormisse mais. Mais tarde, uma comissão de sacerdotes e médicos examinou a santa e declarou que suas experiências eram realmente sobrenaturais.
"Rosa tratava seu inocente corpo com extrema severidade. Desde pequena, abstinha-se de frutas, que em seu país são tão deliciosas. Seus jejuns e abstinências eram sobre-humanos, pois, com apenas seis anos de idade, alimentava-se quase exclusivamente de água e pão. Aos quinze, fez um voto de nunca comer carne, exceto quando obrigada por obediência. Nem mesmo quando estava doente ingeria alimentos de melhor qualidade. Por vezes, durante cinco ou oito dias, não comia nada, vivendo apenas do Pão dos Anjos (isto é, a Eucaristia). Durante toda a Quaresma, comia apenas cinco sementes de cidra por dia. Ainda que isto possa parecer inacreditável ao leitor, trata-se de um fato relatado por uma autoridade inquestionável.
Para dormir, Rosa usava uma tábua tosca ou alguns pedaços de madeira com nós. Seu travesseiro era um saco cheio de juncos ou pedras. Todas as noites, açoitava seu corpo com duas pequenas correntes de ferro, em memória da dolorosa flagelação do nosso Salvador e em oferecimento pela conversão dos pecadores. Quando, porém, seu confessor a proibiu de fazer isso, ela, a exemplo de Santa Catarina de Sena, amarrou três vezes ao redor do corpo uma corrente fina, que em poucas semanas cortou tão profundamente a carne que quase não se podia vê-la. Temendo ser obrigada a revelá-lo, pediu ajuda a Deus e a corrente soltou-se por si mesma.
Mal as feridas tinham sarado, a santa de Lima voltou a usar a corrente, até que seu confessor, ao saber disso, também a proibiu de fazê-lo. Depois, passou a usar um manto penitencial feito de crina de cavalo, que chegava abaixo dos joelhos e lhe causava grande sofrimento. Por baixo do véu, em memória da coroa de espinhos de Nosso Salvador, trazia uma coroa com alfinetes no interior, que lhe feria dolorosamente a cabeça.
Amava a solidão acima de tudo, pois só assim podia dedicar-se mais às suas orações. Tendo em vista este objetivo, pediu autorização aos seus pais para construir uma pequena cela para si num canto do jardim. A cela tinha apenas cinco metros de comprimento e quatro de largura, mas Rosa vivia mais feliz nela do que muitas outras pessoas vivem em palácios reais. Quantas graças recebeu do Céu neste lugar! Quantas visões teve de Santa Catarina de Sena, do seu anjo da guarda, da Santíssima Virgem e até do próprio Cristo!

A santa também foi muitas vezes favorecida com visões em outros lugares. A mais notável foi a que teve no Domingo de Ramos, na capela do Santo Rosário, diante de uma imagem da Santíssima Virgem. Rosa, olhando para a imagem, percebeu que a Virgem Mãe, assim como o divino Menino, olhavam para ela com muita amabilidade e, por fim, ouviu nitidamente dos lábios do Divino Menino as palavras: “Rosa, tu serás minha esposa.” Embora cheia de santo temor, respondeu com as palavras que a Santíssima Virgem dissera ao anjo: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra.” Depois disto, a Santíssima Virgem disse: “Que possas dar muito valor à graça que o meu Filho te concedeu, querida Rosa!”
Deixo ao piedoso leitor a tarefa de imaginar a alegria inexprimível que tal visão proporcionou a Rosa. Serviu-lhe como um poderosíssimo incentivo para a prática de todas as virtudes, dentre as quais não foi certamente a menor a paciência heroica que esta santa virgem demonstrou, tanto nos sofrimentos corporais como nas angústias interiores e espirituais.
O Todo-Poderoso permitiu-lhe que, durante quinze anos, fosse diariamente atormentada, ao menos durante uma hora, pelas mais hediondas imaginações, de tal natureza que, por vezes, julgava estar no meio do inferno. Nestas crises, Rosa não conseguia pensar em Deus, nem nas graças que Ele lhe tinha concedido; nem a oração, nem a leitura devota lhe davam qualquer conforto. Assim, Deus quis provar e purificar sua virtude, como tinha feito com muitos outros santos. Sua paciência também foi duramente provada por doenças dolorosas, pois às vezes ela tinha uma combinação de duas ou três doenças ao mesmo tempo, o que a fazia sofrer profundamente.
Durante os últimos três anos da vida, Rosa perdeu a mobilidade de quase todos os membros do corpo, mas sua resignação à vontade de Deus era perfeita demais para lhe permitir proferir qualquer tipo de reclamação. A única coisa que desejava e pedia em oração era sofrer ainda mais por amor a Cristo. Ao mesmo tempo, quando estava bem, animava os outros doentes, a quem servia com indescritível bondade. Quando era necessário prepará-los para uma morte feliz, esforçava-se por lhes dar conforto, pois sua maior alegria era falar de Deus e levar os outros até Ele.
Um dia, quando estava muito preocupada com sua salvação, Cristo apareceu e disse-lhe: “Minha filha, só condeno aqueles que não se querem salvar.” Ao mesmo tempo, Nosso Senhor assegurou-lhe, em primeiro lugar, que ela iria para o Céu; em segundo lugar, que nunca perderia sua graça por causa de um pecado mortal;* em terceiro lugar, que a assistência divina nunca lhe faltaria em qualquer emergência. Deus revelou-lhe também o dia e a hora de sua morte, que ocorreu quando ela estava com trinta e um anos. Depois de receber os santos sacramentos, pediu a todos os presentes que perdoassem suas faltas e exortou-os a amar a Deus."
Rosa passou os três últimos anos de sua vida na casa de Dom Gonzalo de Massa, um funcionário do governo, cuja esposa lhe professava particular carinho. Durante a penosa e longa enfermidade que precedeu sua morte, a única oração da jovem era: “Senhor, aumenta-me os sofrimentos, mas aumenta-me na mesma medida o teu amor.” Quanto mais se aproximava a hora de sua morte, mais alegre ficava. Pouco antes do fim, entrou em êxtase e logo depois disse ao seu confessor: “Oh! Quanto poderia falar-te da doçura de Deus e da bem-aventurada morada celestial do Todo-Poderoso!” Pediu ao irmão que lhe tirasse a almofada que tinha posto debaixo da cabeça, para que morresse sobre as tábuas, como Cristo morrera na cruz. Quando isso foi feito, exclamou três vezes: “Jesus, Jesus, ficai comigo!” e expirou. [1]

Deus a chamou a Si em 24 de agosto de 1617, aos trinta e um anos de idade. O cabido, o senado e outras honrosas corporações da cidade se revezaram para transportar seu corpo ao sepulcro. O Papa Clemente X a canonizou em 1671. Como já notamos acima, foi a primeira santa canonizada do Novo Mundo.
O modo de vida e as práticas ascéticas de Santa Rosa de Lima só convêm a almas chamadas a uma vocação muito particular. Os cristãos comuns não devem tentar imitá-las. O que realmente importava era o espírito de santidade heroica que havia em Rosa; porque todos os santos, seja no mundo, no deserto ou no claustro, possuem o traço comum de terem procurado viver para Deus em cada instante. Quem tem a intenção pura de cumprir em tudo a vontade de Deus poderá servi-Lo plenamente tanto comendo como descansando, tanto conversando como fazendo qualquer outra coisa.
Os bolandistas (Acta Sanctorum, agosto, vol. V) citam uma ou duas das primeiras biografias de Santa Rosa, particularmente a espanhola de Juan de Vargas Machuca e a italiana de D. M. Marchese, e reproduzem por inteiro a biografia latina escrita pelo Pe. Leonardo Hansen, O.P. Esta última obra constitui a base de todas as biografias posteriores. No Acta Sanctorum também se encontra a ampla bula de canonização de Clemente X, que relata minuciosamente a vida e milagres da santa. A biografia de J. B. Feuillet foi traduzida para o inglês na Oratorian Series; F. M. Capes, The Flower of the New World (1899); a obra de Sara Maynard, Rose of America (1943) é excessivamente “sentimental”. Ver também Vicomte de Bussière, Le Pérou et Ste Rose de Lima (1863); Mortier, Maîtres Généraux O.P., vol. VII, pp. 76 ss., e Monumenta O.P. Historica, vol. XIII, pp. 22 ss. Recentemente foram publicadas em espanhol várias obras. [2]
Entre os títulos de distinção de Pamáquio contam-se sua santidade, sua cidadania romana, sua ciência e sua amizade com São Jerônimo, de quem havia sido companheiro de estudos na juventude e com quem manteve correspondência epistolar por toda a vida. Pamáquio, que pertencia à família dos Fúrios, era senador. No ano 385, contraiu matrimônio com Paulina, a segunda filha de Santa Paula. Como se sabe, Santa Paula era também muito amiga de São Jerônimo. Provavelmente, Pamáquio foi um dos cristãos que denunciaram ao Papa São Sirício um certo Joviniano, que sustentava, entre outros erros, que todos os pecados são igualmente graves e merecem o mesmo castigo. Em todo caso, é absolutamente certo que Pamáquio enviou uma cópia dos escritos do herege a São Jerônimo, que os refutou num longo tratado. São Pamáquio não se mostrou totalmente conforme com a resposta de São Jerônimo, pois lhe parecia que a linguagem de seu amigo era demasiado forte (defeito ao qual São Jerônimo era muito inclinado), e que os excessivos elogios que prodigava à virgindade resultavam em detrimento do sacramento do matrimônio. São Pamáquio comunicou sua opinião a São Jerônimo, que lhe respondeu em duas cartas nas quais agradecia seu interesse e justificava suas próprias opiniões. Joviniano foi condenado em Roma por um sínodo e em Milão por Santo Ambrósio, e com isso caiu no esquecimento. Alguns anos mais tarde, Santo Ambrósio escreveu que ele havia “mais vomitado que exalado o último suspiro entre os galos e os porcos”.
Em 397 morreu a esposa de São Pamáquio. Por esse motivo, São Paulino de Nola lhe escreveu:
“Vossa esposa é agora vosso advogado diante de Jesus Cristo e vossa garantia de salvação. Ela vos obterá tantas bênçãos do Céu quantos tesouros lhe oferecestes na terra, já que não vos contentais em chorá-la inutilmente, mas a fazeis participar de vossos atos de caridade. Com vossas virtudes honrais vossa esposa e, quando dais de comer aos pobres, a ela dais de comer...”
São Jerônimo também lhe escreveu uma carta no mesmo espírito. Pamáquio consagrou o resto de sua vida ao estudo e às obras de caridade. Junto com Santa Fabíola, construiu em Porto um albergue para os peregrinos pobres e enfermos que se dirigiam a Roma. Esse albergue foi a primeira instituição desse tipo no Ocidente. O “xenodochium” (pois tal era o nome oficial da instituição) mereceu os elogios de São Jerônimo. Pamáquio e Fabíola encarregavam-se com frequência de atender pessoalmente seus hóspedes. As escavações realizadas puseram a descoberto os alicerces do “xenodochium”. Ao dedicar-se ao socorro dos necessitados, São Pamáquio não fazia senão seguir os passos de sua esposa. São Jerônimo dizia que os cegos, os aleijados e os indigentes eram os herdeiros da mulher de São Pamáquio. Embora ele não saísse à procura dos miseráveis, estes acudiam espontaneamente, sabendo que não lhes fecharia as portas.
São Pamáquio sofreu muito com a acrimônia da controvérsia que São Jerônimo sustentou com Rufino. Além de aconselhar São Jerônimo a traduzir o “De principiis” de Orígenes, ajudou-o muito em seus escritos de polêmica, embora não conseguisse moderar a violência da linguagem da maioria deles. O santo escreveu também às pessoas que viviam em suas propriedades na Numídia, exortando-as a renunciar ao cisma donatista e a voltar ao seio da Igreja. Santo Agostinho de Hipona lhe agradeceu por isso numa carta, no ano 401. Pamáquio possuía uma igreja em sua casa no monte Célio, chamada “titulus Pammachii”, no local onde se encontra atualmente a igreja de São João e São Paulo dos passionistas. As escavações revelaram os restos da casa original. São Pamáquio morreu no ano 410, quando Alarico e os godos tomaram Roma. Com frequência se diz que São Pamáquio era sacerdote, mas não parece que o tenha sido.
No Acta Sanctorum, agosto, vol. vi, há uma biografia bastante completa, escrita pelo Pe. João Pien. Vejam-se também as biografias de São Jerônimo. [3]
Referência:
Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 271ss. Tirado do artigo "Santa Rosa de Lima: perder esta vida para ganhar a eternidade".
Butler, Alban. Vida dos Santos, "SANTA ROSA DE LIMA", vol. 3, pp. 444–446.
Ibid. 446-448.
NOTA: * Quando se diz que "ela nunca perderia a graça por causa de um pecado mortal", não significa que um pecado mortal deixe de ter esse efeito. O que significa é que Deus a preservaria de cair em pecado mortal por um dom especial da graça.
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