Vida de São Boaventura e São Francisco Solano (14 de julho)
- Sacra Traditio

- 14 de jul.
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Atualizado: 4 de out.

A única coisa que sabemos sobre este ilustre filho de São Francisco de Assis, no que diz respeito aos seus primeiros anos, é que nasceu em Bagnorea, perto de Viterbo, em 1221, e que seus pais foram João Fidanza e Maria Ritella. Depois de tomar o hábito na ordem seráfica, estudou na Universidade de Paris, sob a direção do mestre inglês Alexandre de Hales. Boaventura, a quem a história conheceria com o nome de “o Doutor Seráfico”, ensinou teologia e Sagrada Escritura na Universidade de Paris, de 1248 a 1257. Ao seu gênio penetrante unia um juízo muito equilibrado, que lhe permitia ir ao fundo das questões e deixar de lado tudo o que era supérfluo para discernir o essencial e pôr a descoberto os sofismas das opiniões errôneas. Nada tem, pois, de estranho que o santo se tenha distinguido na filosofia e teologia escolásticas. Boaventura oferecia todos os estudos à glória de Deus e à sua própria santificação, sem confundir o fim com os meios e sem deixar que seu trabalho degenerasse em dissipação e curiosidade vã. Não contente em transformar o estudo numa prolongação da oração, consagrava grande parte de seu tempo à oração propriamente dita, convencido de que essa era a chave da vida espiritual. Porque, como ensina São Paulo, somente o Espírito de Deus pode nos fazer penetrar os seus desígnios secretos e gravar suas palavras em nossos corações. Tão grande era a pureza e a inocência do santo, que seu mestre, Alexandre de Hales, afirmava que “parecia que não havia pecado em Adão”. O rosto de Boaventura refletia o júbilo, fruto da paz em que vivia sua alma. Como escreveu o próprio santo: “A alegria espiritual é o melhor sinal de que a graça habita numa alma.”
O santo não via em si senão faltas e imperfeições e, por humildade, abstinha-se algumas vezes de receber a comunhão, ainda que sua alma ansiasse por unir-se ao objeto de seu amor e se aproximar da fonte da graça. Mas um milagre de Deus permitiu a São Boaventura superar tais escrúpulos. As atas de canonização o narram assim: “Já fazia vários dias que ele não ousava aproximar-se do banquete celestial. Mas, certa vez em que assistia à Missa e meditava sobre a Paixão do Senhor, nosso Salvador, para premiar sua humildade e amor, fez com que um anjo tomasse das mãos do sacerdote uma parte da Hóstia consagrada e a depositasse em sua boca.” A partir de então, Boaventura comungou sem nenhum escrúpulo e encontrou na comunhão uma fonte de alegria e de graças. São Boaventura preparou-se para receber o sacerdócio com severos jejuns e longas horas de oração, pois sua grande humildade o fazia aproximar-se com temor e tremor dessa altíssima dignidade. A Igreja recomenda a todos os fiéis a oração que o santo compôs para depois da Missa e que começa assim: Transfige, dulcissime Domine Jesu...
Transpassa, dulcíssimo Senhor Jesus
Transpassa, dulcíssimo Senhor Jesus, as entranhas e os afetos da minha alma com a ferida suavíssima e salutar do Vosso amor, com a verdadeira, serena e santíssima caridade apostólica, para que a minha alma desfaleça e se derreta continuamente no amor e no desejo somente de Vós; para que Vos deseje ardentemente, desfaleça nos Vossos átrios, deseje dissolver-se e estar Convosco.
Concedei que a minha alma tenha fome de Vós, Pão dos Anjos, alimento das almas santas, o nosso pão cotidiano, supersubstancial, que contém toda doçura e sabor, e toda delícia de suavidade. Que o meu coração tenha sempre fome de Vós, a quem os Anjos desejam contemplar, que de Vós se alimente, e que as entranhas da minha alma se encham da doçura do Vosso sabor. Que tenha sede de Vós continuamente, fonte da vida, fonte da sabedoria e da ciência, fonte da luz eterna, torrente de delícias, abundância da casa de Deus.
Que sempre Vos procure, Vos deseje, Vos encontre, para Vós caminhe, até Vós chegue; que medite em Vós, fale de Vós, e realize todas as obras em louvor e glória do Vosso Nome, com humildade e discrição, com amor e deleite, com prontidão e afeto, com perseverança até o fim.
Para que Vós sejais sempre e unicamente a minha esperança, toda a minha confiança, as minhas riquezas, a minha delícia, a minha alegria, o meu gozo, a minha paz e tranquilidade, a minha suavidade, o meu perfume, a minha doçura, o meu alimento, o meu sustento, o meu refúgio, o meu auxílio, a minha sabedoria, a minha porção, a minha posse, o meu tesouro; em Vós esteja fixa, firme e imutavelmente enraizada para sempre a minha mente e o meu coração. Amém.
Transfige, dulcissime Domine Jesu
Transfige, dulcissime Domine Iesu, medullas et viscera animae meae suavissimo ac saluberrimo amoris tui vulnere, vera serenaque et apostolica sanctissima caritate, ut langueat et liquefiat anima mea solo semper amore et desiderio tui, te concupiscat et deficiat in atria tua, cupiat dissolvi et esse tecum.
Da ut anima mea te esuriat, panem Angelorum, refectionem animarum sanctarum; panem nostrum cotidianum, supersubstantialem, habentem omnem dulcedinem et saporem, et omne delectamentum suavitatis. Te, in quem desiderant Angeli prospicere, semper esuriat et comedat cor meum, et dulcedine saporis tui repleantur viscera animae meae; te semper sitiat fontem vitae, fontem sapientiae et scientiae, fontem aeterni luminis, torrentem voluptatis, ubertatem domus Dei.
Te semper ambiat, te quaerat, te inveniat, ad te tendat, ad te perveniat, te meditetur, te loquatur, et omnia operetur in laudem et gloriam nominis tui, cum humilitate et discretione, cum dilectione, et delectatione, cum facilitate et affectu, cum perseverantia usque in finem;
ut tu sis solus semper spes mea, tota fiducia mea, divitiae meae, delectatio mea, iucunditas mea, gaudium meum, quies et tranquillitas mea, pax mea, suavitas mea, odor meus, dulcedo mea, cibus meus, refectio mea, refugium meum, auxilium meum, sapientia mea, portio mea, possessio mea, thesaurus meus, in quo fixa et firma et immobiliter semper sit radicata mens mea et cor meum. Amen.

Boaventura entregou-se com entusiasmo à tarefa de cooperar na salvação do próximo, como exigia a graça do sacerdócio. A energia com que pregava a Palavra de Deus incendiava os corações de seus ouvintes; cada uma de suas palavras era ditada por um amor ardente. Durante os anos que passou em Paris, compôs uma de suas obras mais conhecidas, o “Comentário sobre as Sentenças de Pedro Lombardo”, que constitui uma verdadeira suma de teologia escolástica. O Papa Sisto IV, referindo-se a essa obra, disse que “a maneira como se expressa sobre a teologia indica que o Espírito Santo falava por sua boca.” Os violentos ataques de alguns professores da Universidade de Paris contra os franciscanos perturbaram a paz dos anos que Boaventura passou nessa cidade. Tais ataques deviam-se, em grande parte, à inveja que provocavam os êxitos pastorais e acadêmicos dos filhos de São Francisco e ao fato de que a vida santa dos frades era um constante reproche à existência mundana de outros professores. O chefe do partido que se opunha aos franciscanos era Guilherme de Saint Amour, que atacou violentamente São Boaventura em uma obra intitulada “Os perigos dos últimos tempos”. Este teve que suspender suas aulas durante algum tempo e respondeu aos ataques com um tratado sobre a pobreza evangélica, intitulado “Sobre a pobreza de Cristo”. O Papa Alexandre IV nomeou uma comissão de cardeais para examinar o assunto em Anagni, com o resultado de que o livro de Guilherme de Saint Amour foi publicamente queimado, as cátedras foram devolvidas aos filhos de São Francisco, e foi ordenado silêncio aos seus inimigos. Um ano mais tarde, em 1257, São Boaventura e São Tomás de Aquino receberam juntos o título de doutores.
São Boaventura escreveu um tratado “Sobre a vida de perfeição”, destinado à Beata Isabel, irmã de São Luís de França, e às Clarissas Pobres do convento de Longchamps. Outras de suas principais obras místicas são o “Solilóquio” e o tratado “Sobre o triplo caminho”. É comovente o amor que respira cada uma das palavras de São Boaventura. Gerson, o erudito e devoto chanceler da Universidade de Paris, escreve a propósito de suas obras: “A meu ver, entre todos os doutores católicos, Eustáquio (porque assim podemos traduzir o nome de Boaventura) é o que mais ilumina a inteligência e inflama ao mesmo tempo o coração. Em particular, o Breviloquium e o Itinerarium mentis in Deum são compostos com tanto artifício, força e concisão, que nenhum outro escrito pode superá-los.” E em outro livro comenta: “Parece-me que as obras de Boaventura são as mais aptas para a instrução dos fiéis, por sua solidez, ortodoxia e espírito de devoção. Boaventura se guarda quanto pode dos vãos adornos e não trata de questões de lógica ou física alheias à matéria. Não existe doutrina mais sublime, mais divina e mais religiosa que a sua.” Estas palavras se aplicam sobretudo aos tratados espirituais que reproduzem suas frequentes meditações sobre as delícias do céu e seus esforços por despertar nos cristãos o mesmo desejo da glória que o animava. Como diz em seu escrito: “Deus, todos os espíritos gloriosos e toda a família do Rei Celestial nos esperam e desejam que nos reunamos a eles. É impossível não se desejar ser admitido em companhia tão doce! Mas aquele que neste vale de lágrimas não tenha procurado viver com o desejo do céu, elevando-se constantemente sobre as coisas visíveis, terá vergonha ao comparecer diante da corte celestial.” Segundo o santo, a perfeição cristã, mais do que no heroísmo da vida religiosa, consiste em fazer bem as ações mais ordinárias. Eis suas próprias palavras: “A perfeição do cristão consiste em fazer perfeitamente as coisas ordinárias. A fidelidade nas pequenas coisas é uma virtude heroica.” De fato, tal fidelidade constitui uma constante crucifixão do amor-próprio, um sacrifício total da liberdade, do tempo e dos afetos, e, por isso mesmo, estabelece o reino da graça na alma. O melhor exemplo que se pode dar da estima que São Boaventura tinha pela fidelidade nas coisas pequenas é a anedota que se conta sobre ele e o Beato Gil de Assis (23 de abril).
Em 1257, Boaventura foi eleito superior geral dos Frades Menores. Ainda não havia completado trinta e seis anos e a ordem estava dilacerada pela divisão entre os que pregavam uma severidade inflexível e os que pediam a mitigação da regra original; naturalmente, entre esses dois extremos, situavam-se todas as outras interpretações. Os mais rigoristas, conhecidos pelo nome de “os espirituais”, haviam caído no erro e na desobediência, dando assim armas aos inimigos da ordem na Universidade de Paris. O jovem superior geral escreveu uma carta a todos os provinciais exigindo a perfeita observância da regra e a reforma dos relaxados, mas sem cair nos excessos dos espirituais. O primeiro dos cinco capítulos gerais que presidiu São Boaventura reuniu-se em Narbona, em 1260. Ali apresentou uma série de declarações sobre a regra que foram adotadas e exerceram grande influência sobre a vida da ordem, mas não conseguiram aplacar os rigoristas. A pedido dos membros do capítulo, São Boaventura começou a escrever a vida de São Francisco de Assis. A maneira como levou a cabo essa tarefa mostra que estava impregnado das virtudes do santo sobre o qual escrevia. Santo Tomás de Aquino, que foi visitar Boaventura certo dia enquanto este escrevia a biografia do “Pobrezinho de Assis”, encontrou-o em sua cela mergulhado em contemplação. Em vez de interrompê-lo, Santo Tomás retirou-se, dizendo: “Deixemos um santo trabalhar por outro santo”. A vida escrita por São Boaventura, intitulada “Legenda Maior”, é uma obra de grande importância sobre a vida de São Francisco, embora o autor manifeste nela certa tendência a forçar a verdade histórica para usá-la como testemunho contra os que pediam a mitigação da regra. São Boaventura governou a ordem de São Francisco durante dezessete anos e é chamado, com razão, o segundo fundador.

Mais tarde, , São Boaventura foi novamente visitado por Santo Tomás. Desta vez, o Doutor Angélico, desejando conhecer a fonte de tamanha sabedoria teológica, perguntou-lhe em quais livros havia aprendido tão sublimes mistérios. O santo franciscano, tomado de piedade e humildade, levantou-se, apontou para o crucifixo que ornava sua cela e respondeu com reverência: "Eis aqui a fonte de meus conhecimentos. Estudo Jesus, e Jesus crucificado!"
Assim se uniam, no mesmo Espírito, duas colunas da teologia católica: Tomás, o Angélico, sustentado pela luz da razão iluminada pela fé; e Boaventura, o Seráfico, conduzido pela chama do amor divino. Ambos, diferentes em estilo, mas unidos na verdade eterna que é Cristo.
Em 1265, o Papa Clemente IV tentou nomear São Boaventura arcebispo de York, após a morte de Godofredo de Ludham, mas o santo conseguiu dissuadir o Pontífice. No entanto, no ano seguinte, o Beato Gregório X nomeou-o cardeal-bispo de Albano, ordenou-lhe que aceitasse o cargo por obediência e chamou-o imediatamente a Roma. Os legados pontifícios o esperavam com o barrete cardinalício e as outras insígnias de sua dignidade; conta-se que foram ao seu encontro até perto de Florença e o encontraram no convento franciscano de Mugello, lavando os pratos. Como Boaventura estava com as mãos sujas, pediu aos legados que pendurassem o barrete numa galha de árvore e que passeassem um pouco pelo horto até que ele terminasse sua tarefa. Só então São Boaventura pegou o barrete e foi apresentar aos legados as honras devidas.
Gregório X confiou a São Boaventura a preparação dos temas que seriam tratados no Concílio ecumênico de Lyon, acerca da união com os gregos ortodoxos, pois o imperador Miguel Paleólogo havia proposto a união a Clemente IV. Os mais distintos teólogos da Igreja assistiram a esse Concílio. Como se sabe, Santo Tomás de Aquino morreu a caminho do mesmo. São Boaventura foi, sem dúvida, a figura mais notável da assembleia. Chegou a Lyon com o Papa, vários meses antes da abertura do Concílio. Entre a segunda e a terceira sessão, reuniu o capítulo geral de sua ordem e renunciou ao cargo de superior geral. Quando chegaram os delegados gregos, o santo iniciou as conversações com eles e a união com Roma foi realizada. Em ação de graças, o Papa cantou a missa no dia da festa de São Pedro e São Paulo. A epístola, o evangelho e o credo foram cantados em latim e em grego, e São Boaventura pregou na cerimônia. O Doutor Seráfico morreu durante as celebrações, na noite de 14 para 15 de julho. Isso lhe poupou a dor de ver Constantinopla rejeitar a união pela qual tanto havia trabalhado. Pedro de Tarantaise, o dominicano que mais tarde subiria ao trono pontifício com o nome de Inocêncio V, pregou o panegírico de São Boaventura e disse nele: “Quantos conheceram Boaventura o respeitaram e amaram. Bastava ouvi-lo pregar para se sentir movido a tomá-lo como conselheiro, pois era um homem afável, cortês, humilde, carinhoso, compassivo, prudente, casto e adornado de todas as virtudes.”

Conta-se que, como superior geral, foi um dia visitar o convento de Foligno. Certo fradezinho tinha grande desejo de falar com ele, mas era demasiado humilde e tímido para se atrever. Porém, assim que São Boaventura partiu, o fradezinho deu-se conta da oportunidade perdida e saiu correndo atrás dele, rogando-lhe que o escutasse um instante. O santo acedeu imediatamente e teve uma longa conversa com ele, à beira do caminho. Quando o fradezinho retornou ao convento, cheio de consolo, São Boaventura notou certos sinais de impaciência entre os membros de sua comitiva e lhes disse sorrindo: “Meus irmãos, perdoai-me, mas eu tinha que cumprir meu dever, pois sou ao mesmo tempo superior e servo, e esse fradezinho é, ao mesmo tempo, meu irmão e meu senhor. A regra nos diz: ‘Os superiores devem receber os irmãos com caridade e bondade e portar-se com eles como se fossem seus servos, porque os superiores são, em verdade, os servos de todos os irmãos’. Assim pois, como superior e servo, eu estava obrigado a colocar-me à disposição desse fradezinho, que é meu senhor, e a tentar ajudá-lo o melhor possível em suas necessidades.” Tal era o espírito com que o santo governava sua ordem. Quando lhe foi confiado o cargo de superior geral, pronunciou estas palavras: “Conheço perfeitamente minha incapacidade, mas também sei quão duro é dar coices contra o aguilhão. Assim pois, apesar de minha pouca inteligência, da falta de experiência nos negócios e da repugnância que sinto pelo cargo, não quero continuar oposto ao desejo de minha família religiosa e à ordem do Sumo Pontífice, porque temo opor-me com isso à vontade de Deus. Por conseguinte, tomarei sobre meus ombros fracos esse fardo pesado, demasiado pesado para mim. Confio que o céu me ajudará e conto com a ajuda que todos vós podeis prestar-me.” Estas duas citações revelam a simplicidade, a humildade e a caridade que caracterizavam São Boaventura. E, mesmo que não tivesse pertencido à ordem seráfica, teria merecido o título de “Doutor Seráfico” pelas virtudes angélicas que realçavam seu saber. Foi canonizado em 1482 e declarado Doutor da Igreja em 1588.

Não existe nenhuma biografia propriamente dita que date da época do santo, mas nas crônicas da Ordem Franciscana e em outras fontes antigas encontram-se numerosos dados sobre ele. Na monumental edição Quaracchi das obras do Doutor Seráfico, reuniram-se os dados mais importantes, tomados, por exemplo, de Salimbene, Bernardo de Besse, Ângelo Clareno, a Crônica dos XXIV Generais, etc. (vol. X). O texto do processo de canonização, que se realizou em Lyon entre 1479 e 1480, encontra-se na Miscellanea Francescana di storia, di lettere, di arti, vols. XVI e XVII (1916 e 1917); porém tal documento trata praticamente apenas dos milagres. A canonização, como se sabe, teve lugar em 1482, nos tempos de Sisto IV. Entre as numerosas biografias modernas, a mais exata parece ser a de L. Lemmens, na versão italiana publicada em Milão em 1921. Para essa versão, o autor revisou o texto original que havia publicado em alemão em 1909, e o modificou bastante, seguindo o conselho dos críticos, particularmente dos do Archivum Franciscanum Historicum (vol. III, pp. 344-348). A biografia italiana de D. M. Sparacio (1921) exagera um pouco o ponto de vista dos franciscanos conventuais e sofre de certo espírito polêmico. A biografia francesa de Leonardo de Carvalho e Castro (1923), embora admiravelmente apresentada, minimiza a atividade de São Boaventura em Paris e sua oposição aos mestres da ordem de São Domingos. Em contrapartida, o Pe. Jules d'Albi, S. Bonaventure et les luttes doctrinales de 1267-1277 (1923), exagera um tanto a agressividade do grande franciscano nas lutas teológicas. P. Glorieux publicou no Archivum Franciscanum Historicum (vol. XIX, pp. 145-168) um importante estudo da cronologia da vida de São Boaventura; segundo tal estudo, a tese de A. G. Little (ibid., pp. 145-168) de que o Doutor Seráfico esteve em Oxford em 1259 tem pouquíssima probabilidade de ser verdadeira. Não podemos deixar de mencionar outras duas biografias francesas: a de E. Clop (1922) e a de E. Gilson (1927). Veja-se também o excelente juízo sobre o santo em Histoire de la fondation et de l’évolution de l’Ordre des Frères Mineurs (1928), pp. 249-333, do Pe. Gartien. Nessa obra se encontrará uma boa bibliografia, assim como no DTC. Cf. E. Longpré em DHG, vol. IX, col. 741-788, e no Dictionnaire de Spiritualité, vol. I, col. 1768-1843. O Breviloquium de São Boaventura constitui um conciso resumo de suas teorias. [1]

Francisco nasceu em Montilla, localidade da Andaluzia, em 1549. Após fazer seus estudos no colégio dos jesuítas, entrou para o convento dos franciscanos observantes em sua cidade natal. Em 1576, recebeu a ordenação sacerdotal. Cheio de caridade e de um ardente desejo pela salvação das almas, dividia seu tempo entre a oração recolhida e a pregação. Embora seus sermões carecessem dos adornos da retórica, produziam profundo efeito na conversão de seus ouvintes. O Pe. Francisco foi nomeado mestre de noviços, e quando estes cometiam alguma falta, em vez de impor-lhes penitência, impunha-a a si mesmo, pois considerava que ele era o verdadeiro culpado pela conduta de seus discípulos.
Francisco exerceu os ministérios sacerdotais durante muitos anos no sul da Espanha. Quando a epidemia de peste se espalhou em Granada, em 1583, o servo de Deus teve um comportamento heroico; embora também tenha adoecido, se recuperou rapidamente. Após a epidemia, pediu aos seus superiores que o enviassem às missões da África, mas seu pedido foi recusado. Contudo, em 1589, Felipe II solicitou que se enviassem mais frades observantes às Índias Ocidentais, e São Francisco foi escolhido para acompanhar o Pe. Baltazar Navarro ao Peru. Os missionários desembarcaram no Panamá, cruzaram o istmo e embarcaram novamente no Pacífico. Porém, devido a uma tempestade, a embarcação encalhou próximo às costas do Peru. O capitão, vendo que o navio não resistiria à fúria das ondas, deu ordem de abandoná-lo, deixando a bordo certo número de escravos negros para os quais não havia lugar no único bote de salvamento. O Pe. Francisco, que durante a viagem havia se dedicado a instruir os negros, recusou-se a partir e permaneceu com eles. Imediatamente os reuniu, exortou-os à confiança na misericórdia de Deus, nos méritos de Cristo, e os batizou. Mal havia terminado o batismo, o navio se partiu ao meio, e alguns dos negros morreram afogados. Os que se salvaram estavam na parte do casco firmemente presa às rochas. Ali permaneceram por três dias. O Pe. Francisco os animava constantemente e tentava enviar sinais à costa. Quando a tempestade cessou, o bote de salvamento retornou e transportou todos os sobreviventes à terra. Frei Francisco chegou a Lima por terra.
Ali empreendeu imediatamente seu ministério entre os indígenas e os colonos espanhóis, que duraria vinte anos. O frade foi primeiro enviado a Tucumán, no norte do atual território da Argentina. Começou por aprender os rudimentos dos dialetos indígenas e, depois, iniciou uma viagem missionária ao Chaco, região selvática entre a Argentina e o Paraguai, onde anos mais tarde os jesuítas fundariam suas famosas reduções. É difícil imaginar o que uma viagem desse tipo representava naquela época. E, no entanto, São Francisco Solano não só a realizou, como também realizou numerosas conversões. Mais tarde, foi nomeado “custódio” dos conventos que sua ordem tinha em Tucumán e no Paraguai e pôde assim supervisionar muitas das missões que havia fundado. Quando expirou seu período como custódio, foi nomeado guardião do convento de Lima. Ali exerceu seu ministério de modo muito distinto entre os espanhóis da cidade de Trujillo e de outras localidades. Em 1604, pregou na praça maior de Lima contra a corrupção e comparou o destino da alma pecadora ao de uma cidade posta sob interdito; o sermão impressionou tanto os ouvintes que pensaram que sobre a cidade de Lima pairava uma calamidade como a que caiu sobre Nínive. O pânico apoderou-se dos habitantes. O vice-rei, muito alarmado, consultou o bispo da cidade, Santo Toríbio. Este falou com o comissário geral dos franciscanos e ambos pediram a São Francisco Solano que acalmasse o povo, declarando que sua profecia não significava a destruição material dos edifícios, mas a catástrofe espiritual da perda das almas.

Diz-se que São Francisco possuía o dom de línguas. Por outro lado, seu dom de milagres lhe valeu o título de “taumaturgo do Novo Mundo”. No sermão que pronunciou por ocasião da morte do santo, o Pe. Sebastiani S.J. disse que ele havia sido “a esperança e a edificação do Peru, o exemplo e a glória de Lima e o esplendor da Ordem Seráfica”. Frei Francisco tinha o costume, muito semelhante ao de seu patrono e pai de sua ordem, de cantar diante do altar de Nossa Senhora, acompanhando-se com um alaúde. Sua morte ocorreu em 14 de julho de 1610, enquanto seus irmãos cantavam a missa conventual, no exato momento da consagração. Suas últimas palavras foram: “Glória a Deus.” Segundo disse o Pe. Álvarez de Paz, toda a sua vida foi uma corrida de trabalho pelas almas e, ao mesmo tempo, de oração contínua. Sua canonização ocorreu em 1726.
Existe uma biografia muito detalhada deste missionário nos Acta Sanctorum, julho, vol. V; compreende a vida escrita por Tibúrcio Navarro e certo número de documentos do processo de beatificação. Vinte anos após a morte do santo, veio à luz uma biografia ainda mais extensa, escrita por Frei Diego de Córdoba. Existem biografias modernas em quase todos os idiomas. A curta biografia composta por F. Courtot foi traduzida para o inglês em 1847 (Oratorian Series). Em 1888, foi publicada em Nova York outra biografia em inglês, e G. Mass publicou mais uma em alemão, em 1938. Muitas dessas obras, como a de A. M. Hiral (1906), são mais de caráter ascético do que crítico. Na coleção Profils Franciscains (1942), há um esboço biográfico escrito por J. Wilbois. A Festa de São Francisco Solano é celebrada em datas diferentes. O Martirológio Romano a comemora no dia 14 de julho, aniversário de sua morte. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 97–101.
Ibid. pp. 102-103.


























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