Vida dos Quatro Santos Coroados, Mártires e Papa São Adeodato I (8 de novembro)
- Sacra Traditio
- há 6 horas
- 5 min de leitura

No Martirológio Romano lê-se na data de hoje: “Em Roma, a cinco quilômetros da cidade, na Via Labicana, o martírio dos santos Cláudio, Nicóstrato, Sinforiano, Castório e Simplício. Primeiro foram lançados na prisão, depois foram horrivelmente açoitados com chicotes armados com pedaços de chumbo; finalmente, como nada conseguisse fazê-los apostatar, foram afogados no rio por ordem de Diocleciano. Igualmente, na Via Labicana, o nascimento para o céu dos quatro santos coroados. Esses irmãos, chamados Severo, Severiano, Carpóforo e Victorino, foram golpeados com chicotes de chumbo até morrerem, durante o reinado do mesmo imperador. Como seus nomes eram então desconhecidos (embora depois se soubessem por revelação divina), decidiu-se celebrá-los juntos sob o título dos Quatro Santos Coroados, e assim tem sido feito na Igreja, mesmo após a revelação de seus nomes.”
Essas duas passagens, assim como as atas em que se baseiam, criam um problema ainda não resolvido com certeza. Os nomes Severo, Severiano, Carpóforo e Victorino, que o Martirológio Romano e o Breviário afirmam terem sido revelados, são na realidade tomados do martirológio da diocese de Albano, onde a Festa dos Santos Coroados se celebra em 8 de agosto. Por outro lado, em outros documentos, esses santos são chamados Cláudio, Nicóstrato, Sinforiano e Castório. Ora, esses quatro santos, juntamente com São Simplício, foram martirizados na Panônia, durante o reinado de Diocleciano, e não em Roma, como afirma o Martirológio Romano.
Existem duas versões diferentes da lenda: as “atas” romanas, vagas e convencionais, e as “atas da Panônia”, vivas, interessantes e anteriores às outras. Nessas últimas, como observa o Pe. Delehaye, há uma magnífica descrição das oficinas e armazéns imperiais em Sirmium (Mitrovic, na atual Iugoslávia), e Diocleciano aparece não como o monstro de crueldade a que estamos acostumados, mas como um imperador de caráter instável, dominado, porém, por uma verdadeira paixão pela construção. As esculturas e baixos-relevos em madeira, trabalhados pelos cristãos Cláudio, Nicóstrato, Sinforiano, Castório e Simplício, chamaram tanto a atenção do imperador (Simplício havia-se convertido ao cristianismo, pois cria que a habilidade de seus companheiros provinha de sua fé), que lhes encomendou diversas obras. Os escultores executaram o que lhes fora pedido, exceto uma estátua de Esculápio, pois eram cristãos (note-se que sua fé não os impediu de esculpir uma estátua do deus Sol). O imperador limitou-se a confiar a estátua de Esculápio a outro escultor, dizendo: “Já basta que sua religião lhes permita fazer obras tão belas.”

Mas a opinião pública começou a clamar contra Cláudio e seus companheiros, que foram finalmente presos por se recusarem a oferecer sacrifícios aos deuses. Diocleciano e o carcereiro Lampádio, contudo, os trataram bem no início. Porém, Lampádio morreu subitamente e, como seus parentes culpassem os cinco cristãos, o imperador acabou por condená-los à morte. Foram então encerrados em caixas de chumbo e lançados ao rio. Três semanas depois, um certo Nicodemos recuperou seus corpos.
Um ano mais tarde, Diocleciano construiu em Roma, nas Termas de Trajano, um templo dedicado a Esculápio e ordenou que todos os soldados oferecessem sacrifícios ao deus. Quatro corniculares recusaram-se, sendo então açoitados com chicotes de chumbo até morrerem. Seus corpos foram lançados na vala comum. São Sebastião [a] e o Papa Milcíades os recuperaram; mais tarde, como os nomes dos mártires tivessem sido esquecidos, ordenou-se que fossem comemorados com os nomes de Cláudio, Nicóstrato, Sinforiano e Castório.
No Monte Célio, em Roma, construiu-se uma basílica em honra dos Quatro Santos Coroados, provavelmente na primeira metade do século V. Essa basílica tornou-se, e ainda é, igreja titular de um dos cardeais. Certos indícios parecem indicar que os santos aos quais a basílica foi dedicada eram, na realidade, os mártires da Panônia, embora se ignore por que o nome de Simplício foi omitido, e que suas relíquias foram depois trasladadas para Roma. Alguns autores opinam que, após algum tempo, a verdadeira história dos mártires foi conhecida; então, algum hagiógrafo, para explicar por que eram quatro e não cinco, inventou a lenda acima citada, segundo a qual os Quatro Coroados eram romanos, e não panônios, e soldados, e não escultores. A esse respeito, o Pe. Delehaye comenta que tal invenção é “a vergonha da hagiografia.”
É natural que as corporações de ofício da Idade Média tenham professado grande devoção aos Quatro Coroados, que foram escultores. No Museu Britânico (MS. Royal XVII.A.i) conserva-se um poema que estabelece as regras de um antigo grêmio medieval. Tem uma seção intitulada Ars quatuor coronatorum, que começa assim:
“Oremos agora a Deus Todo-Poderoso
e a Maria, sua santa Mãe.”
Em seguida narra-se brevemente a lenda “destes quatro mártires, que são muito venerados neste ofício”. Aqueles que desejarem saber mais detalhes encontrarão
“Na lenda dos santos (isto é, o livro Legenda Sanctorum)
os nomes dos quatro coroados.
Sua Festa deve ser celebrada sem falta
oito dias depois de Todos os Santos.”
Os pedreiros ingleses conservam, de certo modo, essa tradição. Na Inglaterra, a revista mais séria sobre construção leva o nome de Ars Quatuor Coronatorum. Beda conta que, por volta do ano 620, foi construída em Cantuária uma igreja dedicada aos Quatro Santos Coroados.
Seria fora de propósito discutir aqui detalhadamente os problemas mencionados acima. Nos Acta Sanctorum, novembro, vol. I, o Pe. Delehaye escreveu, em 1910, um artigo de trinta e seis páginas in-fólio; nele editou o texto das atas da Panônia, escritas provavelmente por um certo Porfírio, bem como uma recensão do século X, escrita por um tal Pedro de Nápoles. A Depositio Martyrum do século IV, confirmada pelo Sacramentário Leonino e outros, não deixa dúvida alguma de que em Roma se tributava culto a esses mártires desde tempos antigos. Delehaye inclina-se totalmente à opinião de que o único grupo de mártires que realmente existiu foi o da Panônia, cujas relíquias foram trasladadas a Roma e sepultadas na catacumba da Via Labicana (cf. Analecta Bollandiana, vol. XXXII, 1913, pp. 63-71; Les passions des martyrs..., 1921, pp. 328-344; Étude sur le légendier romain, 1936, pp. 65-73; e CMH., pp. 590-591). Mas outros autores propõem teorias diferentes: Mons. Duchesne, em Mélanges d’archéologie et d’histoire, vol. XXXI, 1911, pp. 231-246; Pe. Franchi de Cavalieri, em Studi e Testi, vol. XXIV, 1912, pp. 57-66; e J. P. Kirsch, em Historisches Jahrbuch, vol. XXXVIII, 1917, pp. 72-97. 1

Sabemos muito pouco sobre a vida e os três anos de pontificado de São Adeodato I. Era romano de nascimento e filho de um subdiácono chamado Estêvão. Em sua época, Roma foi assolada por desordens e guerras, por um terremoto e por uma epidemia de uma doença de pele. São Adeodato dedicou-se inteiramente ao cuidado dos enfermos (o Martirológio Romano menciona a tradição de que curou um leproso com um beijo) e exortou seu clero empobrecido a fazer o mesmo.
Segundo se diz, foi o primeiro Papa a empregar os selos de chumbo chamados “bullae”, nome que atualmente se dá a certos documentos pontifícios. Ainda se conserva um selo da época de São Adeodato. Os antigos calendários beneditinos afirmam que o santo pertenceu à sua ordem, mas não existem provas certas disso.
Veja-se Duchesne, Liber Pontificalis, vol. I, pp. 319-320; H. K. Mann, Lives of the Popes, vol. I, pp. 280-293. 2
Referência:
1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 4, pp. 292-294.
2. Ibid. p. 294.
Notas:
a. Os nomes Cláudio, Nicóstrato, Sinforiano e Castório, aos quais se acrescenta o de Victorino, aparecem também na lenda de São Sebastião. Foram convertidos pelo sacerdote São Policarpo. O Martirológio Romano os menciona em 7 de julho.






















