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Vida de São Tomás Moro e Santa Maria Goretti, Mártires (6 de julho)


SANTA MARIA GORETTI, VIRGEM E MÁRTIR (1902 d.C.)


SANTA MARIA GORETTI, VIRGEM E MÁRTIR

Maria Goretti nasceu em 1890 em Corinaldo, uma pequena vila que fica a cerca de cinquenta quilômetros de Ancona. Era filha do camponês Luís Goretti e de sua esposa, Asunta Carlini. A família era composta por seis filhos. Em 1896, Luís Goretti mudou-se com sua família para Colle Giantruco, perto de Galiano, e mais tarde para Ferriere di Conca, não longe de Nettuno, na Campânia Romana. Pouco depois de chegar a esta última localidade, Luís Goretti adoeceu de malária e faleceu. Sua esposa teve que assumir a responsabilidade pelo sustento da família. A luta pela vida era dura, de modo que em casa se contava até o último centavo. Maria, que era chamada normalmente de Marietta, era a mais alegre e a mais carinhosa com sua mãe.


Numa tarde quente de julho de 1902, Maria estava sentada no alto da escada de casa para remendar uma camisa. Embora ainda não tivesse completado doze anos, já era uma moça feita, pois na Itália as meninas se desenvolvem mais rapidamente do que nos países nórdicos. Uma carroça parou diante da porta da casa, e um jovem de dezoito anos, chamado Alessandro, vizinho da família Goretti, subiu rapidamente as escadas. Alessandro convidou Maria a entrar em um dos quartos. Não era a primeira vez que isso acontecia, e Maria rejeitou novamente o convite. Então o jovem a empurrou para dentro e fechou a porta. Maria resistiu e tentou pedir socorro; mas, como Alessandro a segurava pelo pescoço, mal conseguiu murmurar suas protestas e jurar que preferia morrer a se entregar a ele. Ao ouvir isso, o jovem rasgou o vestido da moça e a esfaqueou brutalmente. Maria caiu ao chão pedindo ajuda. Alessandro cravou ainda mais uma vez a faca nas costas dela e fugiu.


A jovem foi levada ao hospital numa ambulância, mas seu estado era desesperador. As últimas horas de sua vida foram comoventes; recebeu com a ingenuidade de uma criança o santo viático; tentou convencer a mãe a descansar um pouco e perdoou de todo o coração seu agressor. Confessou também que, há algum tempo, tinha medo de Alessandro, mas não havia contado nada para não causar problemas à sua família. Sua morte ocorreu vinte e quatro horas depois da agressão. A mãe da jovem, o pároco de Nettuno, uma dama espanhola nobre e duas religiosas permaneceram junto à cabeceira de sua cama a noite toda.


Alessandro foi condenado a trinta anos de prisão. Durante muito tempo mostrou-se brutal e obstinado em não se arrepender de seu pecado. Mas uma noite, teve um sonho no qual viu Maria colhendo flores num prado e vindo oferecê-las a ele. A partir desse instante, mudou completamente; tornou-se um preso exemplar e foi perdoado quando cumprira vinte e sete anos de sua sentença.


FOTOGRAFIA DE SANTA MARIA GORETTI
A única fotografia de Santa Maria Goretti, sobre um balde, alimentando os animais, em 1902.

Entretanto, a fama de Maria Goretti se espalhou pelo mundo inteiro, e o povo cristão começou a tomar conhecimento da santidade da vida que a jovem levara antes de sua morte prematura. Já era invocada como santa, e sua intercessão operou vários milagres. Finalmente, foi introduzida formalmente sua causa de beatificação. Maria Goretti foi solenemente beatificada por Pio XII em 27 de abril de 1947. O Sumo Pontífice saiu ao balcão do Vaticano, acompanhado pela mãe de Maria, que na época tinha oitenta e dois anos, e por duas de suas irmãs e um de seus irmãos. Pio XII falou aos peregrinos, vindos de todo o mundo, comparando a Beata Maria com Santa Inês e denunciando a obra de corrupção que o teatro, o cinema e a moda exercem sobre a juventude. Segundo o Pontífice, “em nossos dias, até as mulheres são enviadas ao serviço militar, e as consequências disso são muito graves. Três anos depois, o próprio Pio XII canonizou Maria Goretti na Praça de São Pedro, diante da maior multidão que jamais se reuniu para uma canonização. O assassino da santa ainda vivia.


O fato de uma morte ser injusta e violenta não basta para o martírio, embora algumas canonizações “por aclamação popular” dos primeiros tempos da Igreja possam fazer crer isso. Por exemplo, é errada a ideia de que Santa Joana d’Arc foi mártir. Em contrapartida, Santa Maria Goretti é verdadeiramente mártir, pois morreu defendendo uma virtude ensinada pela fé cristã. Por outro lado, como disse o cardeal Salotti, “a santidade de sua vida ordinária teria sido suficiente para elevá-la à honra dos altares, mesmo que não tivesse sido mártir”.


O caso de Maria Goretti é único na hagiologia. Sua breve e comovente biografia apareceu em todos os jornais do mundo por ocasião de sua beatificação. Entre as biografias em inglês, citamos as da Madre C. E. Maguire, do Pe. J. Carr, e da Marie C. Buehrle. Na revista L'art sacré, maio-junho de 1951, p. 14, há uma série de fotografias que ilustram a evolução iconográfica desta santa. Há um bom estudo de Eric B. Strauss em Saints and Ourselves (1953). [1]


SÃO TOMÁS MORO, MÁRTIR (1535 d.C.)


SÃO TOMÁS MORO, MÁRTIR (1535 d.C.)

No início e no fim da monarquia medieval na Inglaterra erguem-se as figuras comoventes de dois mártires. Um deu a vida para manter a Igreja livre dos ataques da monarquia durante três séculos e meio. O outro morreu por defender a Igreja dos ataques do rei. Ambos se chamavam Tomás e os dois foram chanceleres do reino, favoritos de um monarca, e ambos amaram mais a Deus que ao rei. Esta série de coincidências é extraordinária. E, se a semelhança entre os dois mártires se desvanece quando se os estuda mais de perto, isso se deve, sobretudo, às diferenças que há entre o século XII e o pleno Renascimento do século XVI, entre o estado clerical, ao qual pertencia Tomás Becket, e o estado leigo de Tomás Moro.


Tomás nasceu em Cheapside, a 6 de fevereiro de 1478. Era filho de Sir John More, advogado e juiz, e de sua primeira esposa, Inês Grainger. Tomás estudou quando criança na escola de Santo Antônio. Aos treze anos, foi acolhido em sua casa pelo arcebispo de Cantuária, o qual reconheceu sua inteligência e o enviou para prosseguir os estudos no Colégio de Cantuária da Universidade de Oxford. O pai de Tomás era muito severo e só lhe enviava dinheiro para o indispensável. Se o jovem Tomás se queixou disso, como sem dúvida o fez, deve ter compreendido mais tarde a prudência da conduta paterna, já que a falta de dinheiro o impediu de se distrair dos estudos que tanto lhe agradavam. O pai de Tomás o retirou de Oxford após dois anos. Em fevereiro de 1496, quando tinha dezoito anos, Tomás ingressou na escola de direito de Lincoln’s Inn; em 1501, começou a exercer a advocacia e, em 1504, passou a fazer parte do Parlamento. Já então era grande amigo de Erasmo e tinha por confessor a Colet; com Guilherme Lilly traduziu para o latim os epigramas da Antologia Grega e deu aulas sobre o “De Civitate Dei”, de Santo Agostinho, em St. Lawrence Jewry. Em suma, era um jovem muito brilhante e aos seus êxitos somava-se a simpatia pessoal.


Durante algum tempo, Tomás teve sérias dúvidas sobre sua vocação. Passou quatro anos na Cartuxa de Londres, já que tinha, sem dúvida, certa inclinação pela vida dos cartuxos, embora também se sentisse atraído pela Ordem de São Francisco. Mas, como não tinha certeza de que Deus o chamasse à vida monástica e não queria ser um sacerdote medíocre, acabou por contrair matrimônio, no início de 1505. Mas, ainda que fosse um homem de muito mundo, no bom sentido da expressão, jamais partilhou do desprezo pelo ascetismo que caracterizava tantos personagens do Renascimento. Muito pelo contrário: desde os dezoito anos passou a usar uma camisa de cilício (o que divertia enormemente sua nora, Ana Cresacre); disciplinava-se nas sextas-feiras e na véspera das festas, assistia à missa todos os dias e rezava o ofício parvo de Nossa Senhora. Erasmo disse dele: “Jamais na vida vi alguém a quem menos interessasse a comida... Mas não é um homem que despreza as boas coisas da vida”.


A primeira esposa de Moro — “Uxorcula Mori”, como ele lhe chamava — se chamava Joana e era filha de João Colt, morador de Netherhall, em Essex. O genro de Moro, Guilherme Roper, conta a esse respeito que Moro “se inclinava mais a casar com a segunda filha de Colt, que era mais formosa e mais bem dotada que a primogênita, Joana; mas, ao perceber que esta sofreria muito e se envergonharia de ver a irmã mais nova casar-se antes dela, Moro, movido por compaixão, começou a cortejá-la e contraiu matrimônio com ela.” Este fato nos revela, ao mesmo tempo, a alta qualidade moral de Tomás Moro e o que se considerava em sua época como a quintessência da cavalaria. Tomás e Joana foram felizes e tiveram quatro filhos: Margarida, Isabel, Cecília e João. Na casa de Tomás Moro praticava-se fielmente o dever e cultivava-se amorosamente o saber; como o diletantismo não tinha lugar nela, em nossa época provavelmente se diria que os Moro eram um tanto “duros”. Tomás se inclinava pela educação das mulheres, não por feminismo doutrinário, mas simplesmente porque achava isso razoável e porque era recomendado por vários santos da Antiguidade, como São Jerônimo e Santo Agostinho, “para não falar de outros”. A família e os criados se reuniam para as orações noturnas e, nas refeições, lia-se uma perícope da Escritura e um breve comentário. Um dos filhos do santo se encarregava da leitura, à qual normalmente seguia uma discussão; cartas e dados eram proibidos. Tomás fez uma doação para uma capela na paróquia de Chelsea e, mesmo quando era chanceler do reino, não tinha vergonha de ir cantar ali com o coro, revestido de sobrepeliz.


Quando Moro tomava conhecimento de que alguma mulher da vizinhança estava para dar à luz, costumava pôr-se em oração até que lhe avisassem que a criança havia nascido com sucesso... Também tinha por costume ir pessoalmente informar-se sobre as necessidades das famílias pobres... Com frequência convidava à sua mesa seus vizinhos pobres, a quem recebia com grande simplicidade e bondade; em contrapartida, raramente convidava os ricos e quase nunca os membros da nobreza” (Stapleton, Tres Thomae).

Mas, se bem que os ricos raramente iam à casa de Moro, este recebia com frequência a visita de humanistas como Grocyn, Linacre, Colet, Lilly, Fisher e, em geral, de todos os personagens ilustres por sua cultura e religiosidade, tanto da Inglaterra quanto do continente. Talvez o visitante mais assíduo e mais bem recebido por Moro fosse Desidério Erasmo. Alguns autores tentaram desfigurar essa amizade; os protestantes exageram a suposta falta de ortodoxia de Erasmo, e os católicos minimizam os laços que o uniam a Moro. Mas o melhor testemunho é o do próprio Tomás: “Se eu tivesse visto em meu querido Erasmo os vis propósitos que encontro em Tyndale, ele não seria mais meu querido Erasmo. Mas meu querido Erasmo detesta e abomina os erros e heresias que Tyndale ensina e pratica abertamente; portanto, Erasmo continuará sendo meu querido Erasmo.”


SÃO TOMÁS MORO E SUA ESPOSA

Nos primeiros anos de vida matrimonial, Tomás Moro viveu em Bucklesbury, na paróquia de São Pedro Walbrook. Em 1509, morreu Henrique VII. Moro havia se oposto no Parlamento à política econômica daquele monarca com tanto êxito, que seu próprio pai foi encarcerado na Torre de Londres e teve que pagar cem libras de multa. A coroação de Henrique VIII inaugurou um período de prosperidade para o jovem advogado, que no ano seguinte foi nomeado professor em Lincoln’s Inn e assistente do prefeito de Londres. Mas, na mesma época, a “pequena utopia de Moro” desmoronou com a morte de sua querida esposa, Joana Colt. O santo contraiu novo matrimônio poucas semanas depois com Alice Middleton. Escreveram-se muitas tolices acerca desse casamento tão rápido, mas o fato não tem nada de estranho: Moro era um homem de grande bom senso e não carecia de sensibilidade; como tinha quatro filhos, casou-se com uma viúva sete anos mais velha que ele, que sabia administrar uma casa e era falante, bondosa e muito sensata. Alguns autores falaram do matrimônio de Moro como se se tratasse de um segundo martírio. Mas não se pode censurar Alice Middleton por não estar à altura de seu marido; Alice não era uma Xantipa e, provavelmente, seu único defeito — se assim se pode realmente chamá-lo — era não saber apreciar as piadas do esposo. Por outro lado, devemos reconhecer que as piadas de Moro teriam posto à prova a paciência de qualquer um. Moro transferiu-se então de Bucklesbury para Crosby Place; só viria a ocupar a casa de Chelsea cerca de doze anos mais tarde.


Em 1516, Moro concluiu a redação da “Utopia”. Não vamos discutir aqui o profundo significado dessa obra. Basta citar a opinião de Sir Sidney Lee, segundo a qual “devemos buscar nos outros escritos de Moro suas ideias práticas sobre religião e política.” O rei e Wolsey haviam decidido chamar Moro à corte. O santo não desejava isso particularmente, pois conhecia o suficiente dos reis e de suas cortes para saber que a felicidade não se encontrava ali. Apesar disso, não recusou seus serviços ao soberano e ascendeu rapidamente de posição até ser nomeado, em outubro de 1529, chanceler do reino, em substituição a Wolsey, que caíra em desgraça. Os testemunhos da época nos permitem considerar Moro sob dois pontos de vista. Erasmo escrevia: “Em assuntos sérios, não há melhor conselheiro que Moro e, se o rei quiser divertir-se um pouco, não encontrará conversa mais amena que a de seu chanceler. Com frequência surgem questões complicadas e difíceis; nesses casos, Moro demonstra tal prudência, que ambas as partes ficam satisfeitas. Contudo, Moro jamais se deixou vencer por presentes. Feliz o país cujos monarcas podem escolher homens com as qualidades de Moro!... Sua nomeação não alterou em nada sua simplicidade... Dir-se-ia que o rei o nomeou defensor dos pobres.” O cartuxo João Bouge, que conhecia Moro ainda mais intimamente, escrevia em 1535: “No que toca a Sir Thomas More, ele pertenceu, em certa época, à minha paróquia em Londres... Foi, além disso, meu filho espiritual. Suas confissões eram tão nítidas, tão claras e tão profundas, que raramente me foi dado ouvir outras como as suas. É um cavalheiro muito versado em leis, artes e teologia...” Tomás Moro era tão bom cortesão quanto pode sê-lo um cristão e um santo, ou seja, muito bom. Por outro lado, sua amizade com Henrique VIII não o cegava quanto aos defeitos do monarca. Moro soube conquistar o afeto do soberano e jamais lhe foi desleal; mas não se fazia ilusões a seu respeito, como prova o que dizia a seu genro: “Te asseguro que não posso me orgulhar da amizade do rei, porque, se pudesse comprar um castelo na França ao preço de minha cabeça, não hesitaria em fazê-lo.”


JULGAMENTO DE SÃO TOMÁS MORO?

Quando foi nomeado chanceler do reino, Moro estava escrevendo contra o protestantismo e, particularmente, contra as doutrinas de Tyndale. Alguns de seus contemporâneos queixavam-se de que o estilo de Moro em suas controvérsias não era bastante solene, e a posteridade o acusa de não escrever com suficiente elegância; seja como for, é certo que seu tom era mais moderado do que o costume da época, no século XVI. A “integridade e a retidão” caracterizavam as polêmicas do santo, que preferia ridicularizar seus adversários em vez de clamar contra eles, quando percebia que a argumentação séria não surtiria efeito. Porém, na controvérsia com Tyndale, por mais razão que tivesse Moro, ele era incapaz de igualar a perfeição, a clareza e a fluidez do estilo de seu adversário. Moro empregava seis páginas para dizer o que Tyndale era capaz de explicar em uma só. Mas, embora alguns autores pensem de forma diversa, a atitude de Moro em relação aos hereges era muito leal e moderada. O santo opunha-se à heresia, não aos que a sustentavam. Segundo sua própria confissão, “no exercício de meu cargo, jamais mandei torturar ou açoitar um só herege, nem permiti que se lhes tocasse um fio da roupa. Deus é testemunha de que não fiz mais que encarcerá-los para evitar que propagassem a heresia.” Vale a pena estudar um pouco a atitude de Moro diante da questão — então candente — da publicação da Bíblia em línguas vulgares. Moro sustentava que se devia traduzir alguns livros da Sagrada Escritura; a tradução dos outros devia ser deixada ao critério de cada ordinário, já que, segundo o santo, um ordinário “talvez não tivesse dificuldade em permitir que alguém lesse os Atos dos Apóstolos, sem por isso permitir que lesse o Apocalipse”. Exatamente como “um bom pai determina quais de seus filhos possuem suficiente discernimento para usar uma faca para cortar carne e quais correriam o risco de cortar os dedos. Assim, pois, quanto à leitura da Sagrada Escritura, opino (com todo respeito à opinião alheia), que alguns podem lê-la em inglês sem grande perigo e não sem grande proveito; mas isso não significa que devamos divulgá-la em inglês a todo mundo... E posso dizer que alguns dos clérigos mais distintos que conheci partilhavam dessa opinião.”


Quando Henrique VIII impôs ao clero a obrigação de reconhecê-lo como “Protetor e Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra” (coisa que o Ato de Convocação suavizou um pouco com a frase “na medida em que a lei de Cristo o permita”), Moro, segundo conta Chapuys, o embaixador do imperador francês, tentou renunciar ao cargo; mas o monarca o convenceu a continuar em seu serviço e encarregou-o de estudar “a grande questão”, que não era outra senão o processo de anulação do casamento de Henrique com Catarina de Aragão. A questão era, na verdade, muito complicada, tanto do ponto de vista dos fatos quanto do ponto de vista jurídico, de modo que não é de estranhar que homens de boa vontade tenham se dividido em suas opiniões. Moro, que sustentava a validade do matrimônio, obteve permissão do rei para não participar da controvérsia. Em março de 1531, teve de anunciar o estado do processo às duas Câmaras do Parlamento; alguns aproveitaram a ocasião para lhe perguntar sua opinião sobre o assunto, mas o santo recusou-se a manifestá-la. A situação piorou. Em 1532, o rei propôs que se proibisse ao clero perseguir os hereges e organizar reuniões sem sua permissão. Em maio do mesmo ano, foi apresentada no Parlamento uma moção para suprimir o pagamento das anatas ou primícias dos bispados à Santa Sé. Tomás Moro opôs-se abertamente a todas essas medidas, o que enfureceu o rei. No dia 16 de maio, o monarca aceitou a renúncia de seu chanceler, que havia exercido o cargo por menos de três anos.


São João Fisher
São João Fisher

A perda de seus emolumentos deixou Moro quase na pobreza. Ao ver-se obrigado a reduzir seu estilo de vida, reuniu toda a sua família e expôs com bom humor a situação, como demonstram as palavras com que pôs fim à reunião: “Por conseguinte, talvez nos vejamos obrigados a reunir todas as bolsas que há em casa para irmos juntos pedir esmola, com a esperança de que algumas boas pessoas se compadeçam de nós. Ou senão, para nos mantermos unidos e contentes, poderemos cantar de porta em porta a ‘Salve Regina’. Moro viveu no anonimato durante dezoito meses, entregue à composição de suas obras, e recusou-se a assistir à coroação de Ana Bolena. Mas seus inimigos não perdiam nenhuma ocasião de molestá-lo e conseguiram envolvê-lo no caso de Isabel Barton, “a santa donzela de Kent”, de modo que o nome de Moro figurou na ata de acusação. Os lordes decidiram então ouvir a defesa de Moro; mas Henrique VIII, a quem não convinha essa perspectiva, mandou suprimir as acusações contra o santo. Contudo, não estava longe o dia da prova definitiva. No dia 30 de março de 1534, publicou-se o Ato de Sucessão, que obrigava todos os súditos do rei a reconhecer os direitos ao trono dos filhos que ele tivesse com Ana Bolena. Pouco depois, foi acrescentado no mesmo Ato que o casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão havia sido invalidado, que o casamento com Ana Bolena era o único válido e que “nenhuma autoridade estrangeira, seja príncipe ou potentado”, tinha direito de intrometer-se no assunto. Quem se opusesse a tal Ato, era réu de alta traição. Por outro lado, apenas uma semana antes, o Papa Clemente VII havia declarado a validade do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão. Muitos católicos prestaram o juramento apoiados na cláusula restritiva: “na medida em que a lei de Cristo o permite.” No dia 13 de abril, em Lambeth, uma comissão apresentou o juramento a Tomás Moro e ao bispo João Fisher para que o assinassem; mas ambos se recusaram a fazê-lo: Sir Thomas foi confiado à custódia do abade de Westminster. Cranmer tentou persuadir o rei a negociar um compromisso, mas o monarca recusou-se a isso. Como Tomás Moro recusasse pela segunda vez assinar o juramento, foi encarcerado na Torre de Londres, apesar da ilegalidade de tal procedimento.


Tomás Moro passou quinze meses na Torre de Londres. Duas coisas o distinguiram nesse período: a serenidade com que suportou a injustiça do soberano e o terno amor que demonstrou por Margarida, a mais velha de suas filhas. Ambos os traços aparecem em cada linha das cartas que escreveu à filha e nas que recebeu dela. Citemos uma bela passagem que nos transmite Roper: “Na verdade, Margarida, estou aqui tão bem quanto em minha casa, porque Deus, que me fez uma criança travessa, me guarda contra seu coração e me acaricia como a um pequenino.” A família de Moro tentou obter o perdão do rei, mas tudo foi inútil. Como lhe fosse proibido receber visitas, Moro começou a escrever o “Diálogo do consolo na tribulação”, que é a melhor de suas obras espirituais. Um escritor francês, o Pe. Brémond, o considera como um predecessor de São Francisco de Sales, e W. H. Hutton vê nele um antecessor de Jeremias Taylor. Em novembro, foi aprovada a acusação de traição que lhe havia sido feita e a Coroa confiscou todas as terras que lhe havia concedido. Moro ficou, pois, reduzido quase à miséria, pois sua única renda era uma pensão muito modesta da Ordem de São João de Jerusalém. A esposa do santo teve que vender seus vestidos para prover-lhe o necessário e em vão pediu duas vezes clemência ao rei, alegando a pobreza e má saúde de seu marido. No dia 1.º de fevereiro de 1535, entrou em vigor o Ato de Supremacia, o qual declarava o rei “único chefe supremo da Igreja da Inglaterra” e réus de traição os que negassem tal supremacia. Em abril, Cromwell foi visitar Tomás Moro na prisão para perguntar sua opinião sobre o Ato, mas o santo recusou-se a responder. No dia 4 de maio, Margarida foi visitar pela última vez seu pai e juntos viram partir ao cadafalso os três primeiros cartuxos e seus companheiros. Moro disse à filha: “Vê como vão contentes ao martírio esses santos, Margarida! Ao vê-los tão felizes, se pensaria que são noivos que vão se casar... Em troca, teu pai, como Deus sabe a vida de pecado que levou, ainda não é chamado à eterna felicidade, mas é deixado mais um pouco no sofrimento das misérias desta vida.” Alguns dias depois, Cromwell voltou à Torre de Londres, acompanhado de outros funcionários para interrogar novamente Moro acerca do Ato. Como o santo se recusasse a responder, Cromwell lhe lançou em rosto sua falta de coragem. Moro respondeu: “Como não levei a vida de santidade que deveria ter levado, não me atrevo a me oferecer espontaneamente à morte, não seja que Deus castigue minha presunção deixando-me cair.”


No dia 19 de junho, sofreram o martírio outros três cartuxos. No dia 22, festa de São Albano, protomártir da Inglaterra, São João Fisher foi decapitado em Tower Hill. Tomás Moro foi convocado a julgamento em Westminster Hall nove dias mais tarde. Como estava muito debilitado, permitiram-lhe sentar-se. Foi acusado de ter-se oposto ao Ato de Supremacia em suas conversas com os membros do conselho real que haviam ido visitá-lo na prisão e em uma conversa imaginária com o procurador geral Rich. “Tomás respondeu que jamais havia falado com ninguém sobre sua opinião acerca do Ato e que Rich jurava falsamente. Terminou sua defesa com estas palavras: “Vossas Senhorias devem compreender que, nas coisas de consciência, todo súdito leal e bom do rei tem que pensar em sua consciência e em sua alma acima de todas as coisas do mundo...” O tribunal declarou-o culpado e o condenou à morte. Então, Moro decidiu falar com clareza. Começou por negar categoricamente que “um senhor temporal pudesse ou devesse ser o chefe espiritual” e terminou por dizer que, assim como São Paulo havia perseguido São Estêvãoe, no entanto, os dois são santos do céu e serão eternamente amigos, assim eu peço e espero que, ainda que Vossas Senhorias tenham sido meus juízes na terra e me tenham condenado, nos reunamos um dia no céu por toda a eternidade.” De volta à Torre de Londres, despediu-se de seu filho e de sua filha. Roper nos deixou uma comovente descrição da cena. Quatro dias mais tarde, enviou a Margarida sua camisa de cilício e uma carta que dizia entre outras coisas: “Alegra-me que teu amor filial e tua caridade não tenham dado ouvidos à vã cortesia mundana.” (A maior parte da relíquia que acabamos de mencionar se encontra no convento das Cônegas de Santo Agostinho de Newton Abbot, que fundou em Lovaina Margarida Clemente, filha da filha adotiva de Moro).


SÃO TOMÁS MORO, MÁRTIR

Na madrugada de terça-feira, 6 de julho, Sir Thomas Pope foi comunicar ao santo que sua execução teria lugar às nove daquela manhã. (O rei havia comutado a sentença de enforcamento e esquartejamento por decapitação.) Tomás agradeceu ao antigo amigo, consolou-o como pôde e disse que rezaria pelo rei. Vestido com seu melhor traje, Moro caminhou a pé até Tower Hill. No caminho falou com várias pessoas e, ao subir ao cadafalso, disse algumas palavras bem-humoradas ao chefe da guarda. Em seguida, rogou ao povo que rezasse por ele e declarou que morria pela Igreja Católica e que era “um bom súdito do rei, mas antes de tudo, de Deus.” Depois recitou o “Miserere”, beijou e encorajou o carrasco, vendou os olhos e ajeitou a barba. “Esta barba não cometeu traição — pode deixá-la de fora.” A cabeça do santo rolou ao primeiro golpe. Tomás Moro tinha então cinquenta e sete anos.


Seu corpo foi sepultado na igreja de São Pedro ad Vincula, no interior da Torre de Londres. Sua cabeça ficou exposta na Ponte de Londres. Depois, foi reclamada por Margarida Roper, que a depositou no sepulcro da família na igreja de São Dunstano. Moro foi beatificado com outros mártires ingleses em 1886. Sua canonização teve lugar em 1935. Como já notaram mais de um autor, se Moro não tivesse sido mártir, teria merecido a canonização como confessor. Alguns santos chegaram ao altar por terem lavado com seu sangue uma vida de indiferença e até mesmo de pecado. Não foi o caso de Tomás Moro, que foi durante toda a sua vida um homem de Deus e viveu sua própria oração: “Concede-me, Senhor, o desejo de estar contigo, não para evitar as penas deste vale de lágrimas, nem para me livrar das penas do purgatório e do inferno, nem para gozar egoisticamente do céu prometido, mas simplesmente por amor a Ti.” Assim viveu Moro, não na quietude do claustro, mas em pleno mundo, em sua casa, com sua família, entre humanistas e advogados, nos tribunais, nas cortes de justiça e na corte real.


E. V. Hitchcock e R. W. Chambers editaram, em 1932, a mais antiga das biografias de Moro, escrita por Nicolau Harpsfield. Em 1935, Hitchcock editou ainda a biografia escrita pelo genro de Moro, Guilherme Roper. A primeira biografia impressa foi a de Tomás Stapleton em Tres Thomæ (1588; trad. ingl. 1928). A Srta. Hitchcock, Mons. Hallett e A. W. Reed editaram em 1950 a valiosa biografia escrita por “Ro : Ba” (c. 1599). Cresacre More, bisneto do santo, publicou outra biografia antes de 1631. Atualmente está sendo realizada, graças aos esforços de W. E. Campbell e outros historiadores, a edição das Obras Inglesas de Tomás Moro. Já apareceram duas: The Dialogue... concerning Tyndale (com muitos documentos suplementares de importância) e Edy Ports A. Valeditó la Apologye (1930, E.T.S.); tanto o texto quanto as notas fornecem valiosos detalhes sobre a atitude de Moro em relação aos hereges. A biografia do Pe. Bridgett, Life of Sir Thomas More (1891), com os panfletos suplementares, continua sendo a principal fonte de informação para os leitores não especializados. Mas, falando em termos gerais, a melhor biografia é a de R. W. Chambers, Thomas More (1935); cf. a resenha de Analecta Bollandiana, vol. 11vy (1936), p. 245. Existem várias biografias curtas recentes, como as de J. Clayton, C. Hollis, D. Sargent, T. Maynard e outros. A obra de E. E. Reynolds (1953) é excelente. E. F. Rogers editou a Correspondence de Moro (Princeton, 1947). Não podemos mencionar aqui toda a bibliografia sobre Tomás Moro, que é muito extensa [2]


Referência:


  1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 32–33.

  2. Ibid. pp. 25-32.


REZE O ROSÁRIO DIARIAMENTE!


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“O ROSÁRIO
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- Padre Pio

 

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for colocada
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a degradar,

a sociedade

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que veste.

- Papa Pio XII

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- São Gregório de Nissa

 

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e a meditação sobre Ele é o alimento da alma.

- Santo Afonso MARIA
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