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Vida de São Pedro Claver, O Apóstolo dos Escravos e São Audomaro (9 de setembro)



Estátua de São Omer na capela à direita da igreja de Saint-Omer em Éstrée.
Estátua de São Omer na capela à direita da igreja de Saint-Omer em Éstrée.

O nome de São Audomaro é mais familiar em sua forma francesa, Omer, especialmente porque na França existe a cidade de Saint-Omer, onde, nos tempos da perseguição religiosa na Inglaterra, funcionava o famoso colégio dos jesuítas que sustentava a missão inglesa, colégio que, posteriormente, passou às mãos do clero secular e onde morreu Alban Butler, que foi seu diretor por algum tempo.


Omer nasceu próximo à cidade de Coutances. Todas as atenções de seus pais estavam voltadas para ele, e a educação do jovem foi sua principal preocupação. Omer correspondeu às expectativas, progrediu rapidamente nos estudos, mostrou inclinação para a vida religiosa e, após a morte de sua mãe, ingressou no mosteiro de Luxeuil. São Eustácio, sucessor do fundador São Columbano, recebeu cordialmente o jovem e seu pai, que o acompanhava; ambos foram admitidos e, a seu tempo, fizeram juntos a profissão religiosa. A humildade, devoção, obediência e pureza do jovem destacaram-no entre seus irmãos, mesmo naquele lar de santos.


Com o tempo, percebeu-se que Thérouanne, capital dos Morini, precisava de um pastor zeloso e enérgico para conduzir seu povo no caminho correto. A região, correspondente ao atual Pas-de-Calais, estava dominada pelo vício e pelo erro, e o rei Dagoberto buscava alguém capacitado para restaurar a fé e a prática das regras morais do Evangelho. São Omer, monge em Luxeuil há vinte anos, foi considerado apto para a tarefa, e São Acário, bispo de Noyon e Tournai, recomendou-o ao rei. Por volta de 637, Omer, feliz em sua solidão, foi subitamente chamado a abandonar seu retiro. Ao receber a ordem, comentou: “Quanta diferença entre a segura enseada onde estou ancorado e este mar tempestuoso ao qual me empurram, contra minha vontade e sem experiência!”


Acolhimento de São Audomaro e de seu pai Friulfo em Luxeuil (Vida de São Audomaro; século XI, Capítulo da Catedral; Ms 698. Biblioteca municipal de Saint-Omer).
Acolhimento de São Audomaro e de seu pai Friulfo em Luxeuil (Vida de São Audomaro; século XI, Capítulo da Catedral; Ms 698. Biblioteca municipal de Saint-Omer).

Sua primeira missão como bispo de Thérouanne foi restaurar a fé entre os poucos cristãos, tarefa tão difícil quanto converter os idólatras. Apesar dos obstáculos, seus esforços foram imensos, elevando sua diocese ao nível das mais prósperas da França. Seus sermões, cheios de eloquência, eram irresistíveis, mas sua vida exemplar pregava ainda mais, incentivando a ajudar os pobres, consolar os enfermos, reconciliar inimigos e servir a todos, para a salvação própria e a glória de Deus. Entre seus principais colaboradores estavam São Momolino, São Beltrão e São Bertino, monjes que trouxe de Luxeuil. Com eles, fundou o mosteiro de Sithiu, que se tornou um dos grandes seminários da França.


As biografias de São Omer mencionam milagres de credibilidade variável. Nos últimos anos, ficou cego, mas isso não diminuiu seu zelo pastoral. Um de seus biógrafos relata que, quando São Auberto, bispo de Arras, transferiu as relíquias de São Vedasto para um mosteiro construído em sua honra, São Omer recuperou a visão temporariamente. É provável que tenha morrido pouco depois de 670.


A biografia mais confiável é a mencionada na bibliografia do artigo sobre São Bertino. W. Levison editou o texto, complementando-o com uma discussão sobre as relações entre as diferentes biografias publicadas no Acta Sanctorum, sept., vol. 111. [1]




São Pedro Claver - Casa natal de São Pedro Claver, Verdú (Espanha).
São Pedro Claver junto com Santo Afonso Rodríguez batizando os escravos.

A Inglaterra, de certo modo, participou da abolição do tráfico de escravos, mas também foram os ingleses que, por meio de personagens infames como Sir John Hawkins, desempenharam papel importante no estabelecimento desse tráfico entre a África e o Novo Mundo, no século XVI. Entre os verdadeiros heróis que deram suas vidas em defesa das vítimas dessa exploração, especialmente em países que não receberam as doutrinas da "Reforma", destacou-se São Pedro Claver, natural da Espanha católica, então no auge de sua glória e poder, mas vista pelos ingleses como um país de piratas, imperialistas sem escrúpulos e de uma religião supostamente cruel, devido às fantásticas versões sobre a Inquisição. Pedro nasceu em Verdú, Catalunha, por volta de 1581, e desde pequeno demonstrou grande inteligência e espírito, sendo destinado à Igreja e enviado à Universidade de Barcelona. Ali concluiu seus estudos com distinção e, após receber as ordens menores, ofereceu-se à Companhia de Jesus, que o recebeu de bom grado. Aos vinte anos, fez o noviciado em Tarragona e depois foi enviado ao colégio de Montesione, em Palma de Maiorca, onde conheceu Santo Afonso Rodríguez, o porteiro do colégio, reputado pela santidade acima de sua função humilde. Esse encontro marcou a vida de Pedro Claver, que estudou a ciência dos santos aos pés do irmão leigo. Afonso percebeu nele o homem adequado para uma tarefa nova e arduamente negligenciada: socorrer milhares de pessoas sem recursos espirituais nas colônias do Novo Mundo.


Anos depois, Pedro revelou que Santo Afonso lhe indicara não apenas que iria à América, mas também os lugares onde deveria atuar. Motivado, ofereceu-se às missões nas Índias Ocidentais; após estudo em teologia em Barcelona, em 1610 partiu para a colônia de Nova Granada, desembarcando em Cartagena, atual Colômbia. Atuou na casa dos jesuítas em Santa Fé como enfermeiro, sacristão, porteiro e cozinheiro; posteriormente, foi para Tunja fazer a Terceira Provação e, em 1615, voltou a Cartagena, onde foi ordenado sacerdote.


Naquela época, já fazia cerca de um século que funcionava nas Américas o tráfico de escravos, cujo centro principal era o porto de Cartagena, que por sua localização servia como uma espécie de armazém para a mercadoria humana. Além disso, o mercado de escravos cresceu bastante ao se descobrir que os indígenas não tinham resistência física suficiente para suportar o trabalho pesado nas minas de ouro e prata, aumentando a demanda por negros de Angola e do Congo. Estes eram adquiridos pelos mercadores na África Ocidental por duas coroas cada um, ou às vezes trocados por suprimentos, e vendidos na América por duzentas coroas cada. As condições de transporte pelo Atlântico eram incrivelmente cruéis e desumanas; estimava-se que um terço de cada carga morria durante a travessia. Ainda assim, a cada ano desembarcavam em Cartagena cerca de dez mil escravos vivos. O Papa Paulo III e diversas autoridades mundiais condenaram o crime, mas o tráfico continuou, sendo chamado de “suprema vileza” pelo Papa Pio IX. O máximo que os proprietários chegaram a fazer, em resposta às insistentes advertências da Igreja, foi batizar os escravos, medida que se mostrou contraproducente: os negros não recebiam instrução religiosa, não tinham proteção contra os exploradores nem qualquer alívio para sua condição miserável, chegando a ver o batismo como símbolo de opressão e infortúnio. O clero era impotente para remediar a situação, limitando-se a protestar e a exercer seu ministério individualmente, oferecendo socorro corporal e material ao maior número possível de homens, mulheres e crianças em sofrimento. Os sacerdotes não dispunham de fundos de caridade nem de apoio de pessoas bem-intencionadas; frequentemente enfrentavam obstáculos e barreiras impostas pelos proprietários, desânimo diante da hostilidade dos traficantes e, muitas vezes, rejeição pelos próprios negros a quem queriam ajudar.


    São Pedro Claver pregando aos escravos.
São Pedro Claver pregando aos escravos.

Quando o padre Claver foi ordenado em Cartagena, conduzia o movimento de ajuda aos escravos um grande missionário jesuíta que passou quarenta anos a seu serviço, o padre Alfonso de Sandoval. Depois de trabalhar sob suas ordens, o jovem Pedro Claver comprometeu-se a “ser escravo dos negros para sempre”. Apesar de tímido por natureza e com pouca confiança em si mesmo, lançou-se com absoluta decisão ao trabalho e entregou-se a ele, não com entusiasmo delirante e desordenado, mas com método e verdadeira tenacidade. Procurou numerosos ajudantes, voluntários ou pagos e, assim que um navio carregado de escravos entrava no porto, Pedro Claver ia esperá-lo nos cais. Os negros eram desembarcados e, após uma contagem para verificar as perdas, eram encerrados em currais ou terrenos cercados, onde iam os “curiosos”, como os chama o padre Sandoval, “atraídos pela curiosidade, mas sem ousar aproximar-se demais”. Centenas de homens, que durante semanas estiveram amontoados nas estreitas embarcações, sem receber sequer cuidados mínimos, eram novamente agrupados em espaços cercados, misturando saudáveis com enfermos e moribundos, sob sol abrasador, em clima insuportável pelo calor e umidade. O espetáculo era tão horrível e as condições tão repugnantes que um amigo do padre Claver que o acompanhou uma vez não ousou voltar, e o próprio padre Sandoval, como escreveu em uma das “relações” de sua província, “ao saber que um carregamento de escravos chegaria ao porto, começava a suar frio enquanto uma palidez mortal tingia sua pele, lembrando-se das tremendas fadigas e do trabalho indescritível das ocasiões anteriores. As experiências e práticas de vários anos não puderam habituá-lo a tanto sofrimento”. Por aqueles currais, cercados ou abrigos, adentrava Pedro Claver carregado com remédios e alimentos, pão, aguardente, limões, tabaco e outros itens para distribuir aos negros. Muitos estavam assustados ou doentes demais para aceitar os presentes. “Primeiro temos que falar com eles com nossas mãos e depois tentamos nos comunicar com palavras”, dizia o padre Claver. Ao encontrar algum moribundo, parava para batizá-lo e reunia todas as crianças nascidas durante a viagem para recebê-lo. Durante todo o tempo que os negros permaneciam nesses currais, tão apertados que tinham que dormir grudados uns nos outros, São Pedro Claver permanecia com eles, cuidando dos corpos dos doentes e das almas de todos.


Ao contrário da maioria dos clérigos, o padre Claver não considerava que a ignorância da língua o isentasse da obrigação de instruí-los nas verdades da religião, nas regras de moral e nas palavras de Cristo que davam conforto aos espíritos. Para comunicar-se, contava com sete intérpretes, um deles falava quatro dialetos africanos, e com sua ajuda instruía os escravos e os preparava para o batismo, em grupo ou individualmente. “Eram pessoas muito atrasadas e lentas para compreender”, dizia o padre Claver, acrescentando que ele mesmo tinha enormes dificuldades para aprender a língua e se fazer entender. Por isso, recorria a estampas e imagens de Nosso Senhor na cruz ou ilustrações simples de Papas, príncipes e outros grandes personagens “brancos” assistindo alegres ao batismo de um negro. Mas, sobretudo, procurava incutir neles respeito próprio e dignidade, para que compreendessem o valor altíssimo de um ser humano redimido pelo sangue de Cristo, mesmo sendo desprezado e explorado como escravo. Para despertar arrependimento por seus pecados e vícios, mostrava-lhes representações terríveis do inferno com gestos ameaçadores como advertência. Depois, explicava, como podia, que eram muito amados e que o amor de Deus não deveria ser ultrajado pelo pecado, ódio ou sensualidade. Era necessário instruir cada um individualmente e repetir incessantemente o ensinamento mais simples, como fazer o sinal da cruz ou a breve oração que todos deveriam saber: “Jesus Cristo, Filho de Deus, Tu serás meu Pai e [como] minha Mãe e todo o meu bem. Eu Te amo. Sinto-me mal por pecar contra Ti. Senhor, eu Te quero muito, muito, muito”. As dificuldades para ensinar ficavam evidentes no batismo coletivo: a cada grupo de dez catecúmenos dava-se o mesmo nome para que lembrassem. Estima-se que, em quarenta anos, São Pedro Claver instruiu e batizou dessa forma mais de 300.000 escravos. Quando havia tempo e oportunidade, ensinava também o significado do Sacramento da Penitência e sua prática; afirma-se que em um ano ouviu as confissões de cerca de cinco mil negros. Infatigavelmente, esforçava-se para convencê-los a evitar ocasiões de pecado e, com igual empenho, exortava os proprietários a cuidar da alma de seus escravos. O sacerdote tornou-se a representação da força moral em Cartagena, e conta-se que um negro conseguiu livrar-se do assédio de uma mulher leviana nas ruas da cidade apenas dizendo: “Cuidado! Lá vem o padre Claver!”


    São Pedro pregando o Evangelho.
São Pedro pregando o Evangelho.

Quando, finalmente, os escravos eram reunidos para serem enviados às minas e plantações, São Pedro se dedicava intensamente a transmitir-lhes suas recomendações e conselhos, pois seria muito difícil vê-los novamente. Tinha confiança absoluta de que Deus cuidaria deles e, ao contrário de alguns reformadores sociais de épocas posteriores, não acreditava que mesmo o mais brutal dos proprietários de escravos fosse um bárbaro desprezível inalcançável pela misericórdia de Deus. Também os donos de plantações, os encomenderos e fazendeiros tinham almas iguais às dos negros, por isso São Pedro apelava às almas desses senhores para que administrassem justiça física e espiritual, não apenas pelo bem dos outros, mas pelo próprio. Para espíritos cínicos ou céticos, a confiança do santo na bondade humana parecia ingênua, e certamente muitos pensavam que São Pedro ficaria frequentemente desapontado. No entanto, é impossível ignorar que nem mesmo as infâmias do mais cruel encomendero espanhol se comparavam ao tratamento dado pelos plantadores ingleses mais “corretos” da Jamaica, nos séculos XVII e XVIII, cujas crueldades físicas eram infernais e a indiferença moral podia ser qualificada de diabólica. As leis da Espanha para suas colônias autorizavam, pelo menos, o casamento dos escravos, proibiam a separação das famílias, protegiam-nos de castigos e de captura, uma vez livres. São Pedro Claver fez tudo ao seu alcance para que essas leis fossem observadas. A cada primavera, após a Páscoa, São Pedro visitava as plantações, minas e fazendas próximas a Cartagena, a fim de verificar como estavam seus negros. Nem sempre era bem recebido. Os donos reclamavam que ele fazia perder tempo aos escravos com sermões, orações e cânticos; as damas afirmavam que, durante um longo período, após os negros assistirem em massa à igreja durante as visitas do sacerdote, era praticamente impossível entrar no templo. E, se por acaso os servos se desmandavam um pouco, a culpa recaía sobre o padre Claver. “Que tipo de homem sou eu, se não posso fazer um pouco de bem sem causar grande confusão?”, perguntava-se a si mesmo. Mas não se desanimava e não cessou suas tarefas, mesmo quando as autoridades eclesiásticas deram ouvidos às queixas de seus inimigos.


A maioria das histórias sobre o heroísmo ou poderes milagrosos de São Pedro Claver refere-se aos cuidados diligentes que ele tinha com os negros doentes, mas ainda assim encontrava tempo para cuidar de outros que sofriam, além dos escravos. Em Cartagena havia dois hospitais: um, o de São Sebastião, atendido pelos irmãos de São João de Deus, que cuidavam de todos os casos em geral; o outro, o de São Lázaro, destinado a leprosos, doentes de enfermidades contagiosas e os que sofriam do chamado “fogo de Santo Antônio”. São Pedro visitava ambos os hospitais semanalmente, aliviava as necessidades materiais dos pacientes e administrava consolos espirituais tão eficazes que muitos criminosos e pecadores endurecidos se arrependeram e fizeram penitência após conversar com ele. Também exerceu seu apostolado entre mercadores e marinheiros protestantes e chegou a converter um dignitário anglicano, que dizia ser arcediago de Londres, e que conheceu enquanto visitava prisioneiros de guerra em um navio ancorado na baía. Por motivos temporais, o “pastor” inglês não se converteu imediatamente, mas adoeceu, foi levado ao hospital de São Sebastião e, antes de morrer, entrou na Igreja Católica guiado pelo padre Claver. Muitos ingleses em Cartagena seguiram seu exemplo. Teve menos sucesso ao tentar converter os muçulmanos que chegavam ao porto e que, como disse o biógrafo de Claver, “são bem conhecidos por serem os mais obstinados em seus erros entre todos os povos do mundo”; ainda assim, conseguiu devolver ao bom caminho um grande número de mouros e turcos renegados, embora um deles tenha demorado trinta anos para se convencer, sendo necessário que tivesse uma visão de Nossa Senhora para se render. Também os criminosos condenados à morte beneficiaram-se da influência do padre Claver; registros afirmam que não houve uma única execução em Cartagena durante a vida do sacerdote sem que ele estivesse presente para consolar o condenado; por suas palavras, talvez apenas por sua presença, muitos criminosos endurecidos passaram suas últimas horas em oração e arrependimento. E muitos, muito mais que não haviam sido condenados pela justiça humana, procuravam-no no confessionário, onde chegava a passar até quinze horas consecutivas repreendendo, aconselhando, encorajando e absolvendo.


    São Pedro Claver explicando a fé católica com um crucifixo na mão.
São Pedro Claver explicando a fé católica com um crucifixo na mão.

Suas missões primaveris pelos campos, durante as quais evitava ao máximo hospedar-se nas grandes casas dos donos, buscando abrigo nas cabanas dos escravos, eram continuadas no outono por outras missões mais difíceis, entre mercadores, traficantes e marinheiros que, naquela época, chegavam em grande número a Cartagena e aumentavam a desordem e o vício no porto. Algumas vezes, São Pedro passava o dia inteiro na praça principal da cidade, onde desembocavam as quatro ruas principais, para pregar a todos os que se detinham a ouvi-lo. Depois de ter sido o apóstolo dos negros, tornou-se o apóstolo de toda a cidade de Cartagena. Um trabalho tão enorme recebeu a ajuda de Deus, que concedeu ao padre Claver os dons que sempre deu aos seus apóstolos, de operar milagres, profetizar e ler nos corações. Poucos santos desenvolveram suas atividades em circunstâncias tão adversas e repugnantes quanto ele, mas mesmo aquelas mortificações da carne não eram suficientes, já que o santo usava continuamente instrumentos para as mais severas penitências; muitas vezes orava sozinho em sua cela com uma coroa de espinhos na cabeça e uma cruz muito pesada sobre os ombros. Evitava os mais inocentes prazeres para seus sentidos, para que não o desviassem do caminho de sacrifício que escolhera; por isso, jamais usou para si a indulgência e a bondade que dedicava aos outros. Certa vez, quando elogiaram seu zelo apostólico, respondeu: “Assim tem que ser e não há nada de extraordinário nisso. É o resultado do meu temperamento entusiasta e impetuoso. Se não fosse por este trabalho, eu seria um incômodo insuportável para mim mesmo e para os outros.” E, para que ninguém elogiassse sua aparente insensibilidade ao lidar com as doenças mais repugnantes, dizia: “Se ser santo consiste em não ter olfato e ter um estômago à prova de tudo, talvez eu seja um santo.”


No ano de 1650, São Pedro Claver viajou pela costa para pregar entre os negros, mas logo no início da viagem, uma doença atacou seu corpo frágil e exausto, obrigando-o a retornar à residência em Cartagena. Pouco tempo depois, eclodiu na cidade uma violenta epidemia de varíola, e uma das primeiras vítimas entre os padres jesuítas foi o santo missionário, que esteve à beira da sepultura. Mas, após receber os últimos sacramentos, voltou à vida, embora debilitado. Durante o restante de sua existência, as dores nunca o abandonaram, seus membros trêmulos não o sustentavam e era impossível celebrar Missa. Por força, abandonou toda atividade e, apenas ocasionalmente, ouvia confissões, especialmente as de sua querida amiga Dona Isabel de Urbina, que sempre apoiou generosamente seu trabalho. Às vezes, era levado a um hospital ou à prisão para atender um moribundo ou um condenado à morte. Certa vez, quando chegou a Cartagena um carregamento de escravos proveniente de uma região da África até então inexplorada, o padre Claver recuperou sua antiga energia. Foi levado às pressas aos cais e não descansou até encontrar um intérprete que o ajudasse a reunir as crianças para batizá-las e a dar algumas instruções aos adultos. Mas essa recuperação foi momentânea. São Pedro passava a maior parte do tempo em sua cela, não apenas inativo, mas esquecido e até abandonado; o número de jesuítas na casa de Cartagena havia diminuído muito e os poucos que restavam estavam ocupados com os múltiplos deveres de seu ministério, agravados pela persistência da epidemia; mesmo assim, é inexplicável a indiferença que demonstraram para com o santo. Dona Isabel e sua irmã permaneceram fiéis à amizade e eram as únicas que o visitavam, junto com seu antigo ajudante, o irmão Nicolás González. Fora desses três, São Pedro Claver não via mais ninguém além de um jovem negro que o atendia, mas que era impaciente e brusco, e muitas vezes deixava o velho sacerdote por dias inteiros sem qualquer atenção. Certa vez, as autoridades lembraram-se de que ele ainda existia, porque surgiram queixas de que o padre Claver havia caído no hábito de rebaptizar os negros. Naturalmente, o santo nunca havia feito tal coisa, exceto condicionalmente em caso de dúvida; mas, de qualquer forma, foi-lhe proibido batizar no futuro.

“Arrependo-me, escreveu uma vez, de não ter sempre imitado o exemplo do asno. Quando falam mal dele e o insultam, faz-se de surdo. Quando o matam de fome, faz-se de surdo. Quando o sobrecarregam, faz-se de surdo. Quando o desprezam e o abandonam, ainda assim se faz de surdo. Jamais se queixa em nenhuma circunstância, porque não é mais do que um asno. Assim deveriam ser os servos de Deus: Ut jumentum factus sum apud Te [isto é, fui feito um jumento diante de Ti]”.

    São Pedro Claver - Casa natal de São Pedro Claver, Verdú (Espanha).
São Pedro Claver - Casa natal de São Pedro Claver, Verdú (Espanha).

No verão de 1654, o padre Diego Ramírez Fariña chegou a Cartagena procedente da Espanha com uma comissão do rei para trabalhar em favor dos negros. São Pedro Claver regozijou-se tanto que se levantou do leito para dar as boas-vindas ao seu sucessor. Poucos dias depois, ouviu em confissão Dona Isabel e lhe disse que aquela seria a última. No dia 6 de setembro, após assistir à Missa e receber a comunhão, disse a Nicolás González: “Já vou morrer”. Naquela mesma tarde adoeceu e entrou em coma. O rumor de que estava agonizando se espalhou rapidamente por toda a cidade e, de repente, todos pareceram lembrar-se da existência do santo. Uma verdadeira multidão veio beijar suas mãos antes que fosse tarde demais. As pessoas que chegavam despojaram a cela e até o leito do santo de tudo o que puderam levar como relíquia. São Pedro Claver não recuperou mais a consciência e morreu dois dias depois, em 8 de setembro de 1654, dia da Natividade de Nossa Senhora. As autoridades civis, que até então haviam olhado friamente para os pedidos do sacerdote em favor dos negros infelizes, e os padres, que haviam considerado indiscreto seu zelo e desperdício sua enérgica atividade, rivalizaram então para honrar sua memória. Os magistrados da cidade ordenaram que fosse enterrado com grande pompa, às custas do erário municipal, e o vigário geral da diocese oficiou o funeral. Os negros e os indígenas celebraram por conta própria uma missa à qual foram convidadas as autoridades espanholas. A igreja era um mar de luzes, os coros cantaram, e o tesoureiro da igreja de Popayán pronunciou uma oração fúnebre que foi um louvor às “excelentes virtudes, à santidade, ao heroísmo e aos estupendos milagres do padre Claver”. Desde então, ninguém mais se esqueceu de São Pedro Claver, e sua fama se espalhou por todo o mundo. Foi canonizado em 1888, ao mesmo tempo que seu amigo Santo Alfonso Rodríguez. O Papa Leão XIII declarou-o Padroeiro de Todas as Missões Entre os Negros em Todas as Partes do Mundo. Sua festa é celebrada nas Américas e em muitas outras regiões.


Parece não existir uma biografia propriamente dita de São Pedro Claver, mas os registros e declarações nos processos de beatificação fornecem abundante material. Possivelmente o melhor resumo é o que consta no capítulo 8 do 50.º volume da Historia de la Compañía de Jesús en la Asistencia de España, de F. Astrain, pp. 479-495. O melhor do que se poderia chamar de biografia é o de J. M. Solá, Vida de San Pedro Claver (1888), que toma os dados do livro de J. M. Fernández. Existem várias outras “vidas”, a maioria breves compêndios, entre as quais se pode mencionar o livro de J. Charrau, L'Esclave des Négres (1914); G. Ledos, na série Les Saints (1923); Hover, Claver (1905); M. D. Petre, Aethiopum Servus (1896); e C. C. Martindale, Captains of Christ, parte III. A história de Claver em forma novelada aparece no livro de M. Farnum, La calle de la Media Luna. Ver também A Saint in the Slave Trade (1935), de A. Lunn. [2]


Referência:


  1. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 523-524.

  2. Ibid. pp. 524-531.


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