Vida de São José Calasanz e São Cesário de Arles (27 de agosto)
- Sacra Traditio
- 27 de ago.
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José era o mais novo dos cinco filhos de Pedro Calasanz e Maria Gastón. Nasceu em 1556, no castelo de seu pai, perto de Peralta de la Sal, em Aragão. Estudou humanidades em Estadilla, onde seus colegas zombavam continuamente de sua virtude e de sua fidelidade no cumprimento de seus deveres religiosos. Seu pai desejava que fosse militar; mas José tinha outros planos e conseguiu persuadi-lo a deixá-lo ir estudar na Universidade de Lérida, onde se doutorou em leis antes de se transferir para Valência. Conta-se que saiu dali para fugir de uma jovem parenta sua, que o submeteu a uma tentação semelhante à que muitos séculos antes sofrera outro José na corte do faraó. Na Universidade de Alcalá prosseguiu seus estudos de teologia e, em 1583, foi ordenado sacerdote, aos vinte e oito anos de idade. Logo se espalhou a fama da sabedoria e bondade do Pe. José; mais tarde, o bispo de Urgel o nomeou vigário-geral da província de Trempe. Teve aí muito êxito, que aumentou quando foi enviado à região da diocese mais próxima aos Pireneus, isto é, Andorra, da qual o bispo de Urgel era ao mesmo tempo “Pastor e Soberano”, um título que conserva até hoje. Essa região solitária e inacessível encontrava-se em um estado lamentável de decadência moral e religiosa. São José visitou até o último recanto, tentando renovar no clero o senso de suas responsabilidades e obrigações. Depois voltou a Trempe, onde esteve até ser nomeado vigário-geral de toda a diocese. Mas já havia algum tempo que José se sentia chamado a uma tarefa muito diferente. Assim, resolveu renunciar a seu ofício e benefícios, repartiu seu patrimônio entre suas irmãs e os pobres (guardando para si o necessário) e dotou várias instituições de caridade. Em 1592, saiu da Espanha rumo a Roma.
Na Cidade Eterna encontrou um antigo amigo de Alcalá, Ascanio Colonna, que já era cardeal. O santo esteve cinco anos sob a proteção dos Colonna. Durante a peste de 1595, distinguiu-se por sua generosidade e coragem, competindo com seu amigo São Camilo de Léllis para ver quem dos dois se entregava mais ardorosamente ao cuidado dos enfermos e moribundos. Contudo, José não perdia de vista o projeto que o levara a ir a Roma, a saber, o problema da instrução das crianças órfãs e abandonadas, que tão urgentemente precisavam de quem cuidasse delas. Para então, o santo já havia se tornado membro da confraria da Doutrina Cristã, que tinha por objetivo instruir crianças e adultos aos domingos e dias de festa. Dessa forma, o Pe. José pôde ver com seus próprios olhos a miséria e ignorância em que viviam as crianças. Logo se convenceu de que não bastava oferecer um pouco de instrução uma vez por semana e que era necessário estabelecer escolas gratuitas. Começou, pois, por persuadir os diretores das escolas paroquiais a admitirem gratuitamente alguns alunos pobres, mas era impossível resolver o problema sem aumentar os salários dos professores, e o Senado Romano se recusou a fornecer fundos para isso. O santo recorreu aos jesuítas e dominicanos, mas os membros de ambas as ordens já estavam tão carregados de trabalho que não podiam sequer sonhar em ampliar ainda mais suas atividades. O Pe. José chegou à conclusão de que Deus queria que ele se ocupasse pessoalmente do problema e tentasse resolvê-lo sozinho. O pároco de Santa Doroteia, Antonio Brendani, colocou à disposição do santo dois aposentos e seus próprios serviços; outros dois sacerdotes ofereceram-se para colaborar na empresa e, em novembro de 1597, inaugurou-se uma escola gratuita.
Ao cabo de uma semana, já havia cem alunos e o número cresceu rapidamente. O fundador teve de se comprometer a pagar professores escolhidos entre os clérigos que não possuíam benefícios. Em 1599, São José conseguiu uma nova casa para a escola e obteve do cardeal Ascanio Colonna permissão para viver nela com os outros professores. José atuava como superior da pequena comunidade. Nos dois anos seguintes, o número de alunos chegou a setecentos e, em 1602, a escola teve de se mudar novamente para uma casa mais espaçosa, contígua à igreja de Sant’Andrea della Valle. Um dia, quando o Pe. José pendurava um sino no pátio, caiu da escada e quebrou uma perna: em consequência do acidente, ficou coxo e sofreu durante o resto da vida. Clemente VIII fez um empréstimo à escola e pessoas importantes começaram a enviar seus filhos para ela, o que provocou violentas críticas por parte dos professores das escolas paroquiais e de algumas outras pessoas. Quando as acusações chegaram aos ouvidos do Pontífice, este pediu aos cardeais Antoniani e Baronio que visitassem a escola de surpresa. Assim se fez e os relatórios dos prelados foram tão bons que Clemente VIII tomou a escola sob sua proteção. A visita voltou a se repetir em circunstâncias semelhantes durante o pontificado de Paulo V, que duplicou a pensão da escola. Mas essas dificuldades não eram senão o começo das perseguições de que São José de Calasanz seria alvo durante toda a vida. Não obstante, continuou o crescimento e prosperidade da obra. Em 1611, o santo comprou para a escola um “palazzo” próximo à igreja de São Pantaleão. Já havia cerca de mil alunos, entre os quais se contava certo número de judeus, a quem o santo abria as portas e tratava com suma bondade. Pouco a pouco, inauguraram-se outras escolas; em 1621, a Santa Sé aprovou a nova congregação religiosa de ensino, e São José foi nomeado superior geral. As preocupações do superiorato não afastaram o santo da mais estrita observância nem do cuidado com os necessitados, enfermos e todos aqueles a quem podia prestar alguma ajuda. Nessa época, chegou a Roma com sua esposa um inglês chamado Tomás Cocket, que ficara fora da lei na Inglaterra por ter abjurado o protestantismo. O santo o ajudou quanto pôde, e o Papa, seguindo seu exemplo, concedeu uma pensão aos refugiados. A congregação se expandiu nos dez anos seguintes na Itália e no Império.

Em 1630, ingressou na congregação em Nápoles um sacerdote de cerca de quarenta anos, chamado Mario Sozzi, que fez a profissão a seu tempo. Durante vários anos, a perversa conduta desse sacerdote foi um peso para seus irmãos. Tendo conseguido certa influência no Santo Ofício, o Pe. Sozzi se arranjou para obter o posto de provincial dos Clérigos Regulares das Escolas Cristãs na Toscana, com poderes extraordinários e total independência do superior geral. Seu governo da província, caprichoso e malévolo, colocou o Pe. José em má situação perante as autoridades romanas. Não satisfeito com isso, o Pe. Sozzi denunciou-o ao Santo Ofício. O cardeal Cesarini, protetor da congregação, mandou confiscar todas as cartas e papéis do Pe. Sozzi para vindicar o santo; mas entre os papéis do Pe. Sozzi havia alguns documentos do Santo Ofício, o qual, incitado por Sozzi, mandou prender e conduzir São José pelas ruas de Roma como um malfeitor. O santo compareceu diante dos assessores, e só escapou da prisão graças à intervenção do cardeal Cesarini. Mas o Pe. Sozzi permaneceu impune e continuou buscando uma maneira de apoderar-se do governo da congregação, alegando que o santo já estava muito idoso e enfermo para governar. Finalmente, conseguiu que o Pe. José fosse suspenso do generalato e que se nomeasse um visitador apostólico favorável a ele. O Pe. Sozzi e o visitador apoderaram-se praticamente do governo e submeteram o fundador ao tratamento mais injusto e humilhante que se possa imaginar. A desordem que reinava na congregação era tal que os súditos leais não conseguiam convencer as autoridades eclesiásticas da verdade.
No final de 1643, morreu o Pe. Sozzi e sucedeu-lhe no governo o Pe. Cherubini, que seguiu a mesma política. São José suportou essas provas com maravilhosa paciência, exortando seus irmãos a obedecer à autoridade “de facto”. Em certa ocasião, chegou até a oferecer refúgio ao Pe. Cherubini, contra quem se haviam rebelado os sacerdotes mais jovens, indignados com sua conduta. A Santa Sé havia nomeado desde algum tempo uma comissão de cardeais para estudar o assunto e, em 1645, restituiu finalmente ao santo o cargo de superior geral. A notícia encheu de alegria a maior parte dos religiosos; mas os descontentes, apoiados por uma parente do Papa, apelaram novamente ao Pontífice. A sorte lhes favoreceu e, em 1646, um breve de Inocêncio X reduziu a Congregação dos Clérigos Regulares das Escolas Cristãs à categoria de simples associação sujeita aos bispos das respectivas dioceses. Assim, aos noventa anos de idade, o santo teve a pena de ver desmoronar-se aparentemente sua obra, por autoridade da Santa Sé, a quem tanto amava, e de se ver humilhado aos olhos do mundo. Quando soube da notícia, murmurou simplesmente: “Deus me deu, Deus me tirou. Bendito seja!”.
O Pe. Cherubini foi encarregado da tarefa de redigir as novas regras e constituições. Mas alguns meses depois, os auditores da Rota comprovaram as acusações feitas contra ele de malversação de fundos do Colégio Nazareno, do qual era reitor. O Pe. Cherubini saiu de Roma em desgraça. Voltou no ano seguinte, arrependido do papel que havia desempenhado na conspiração contra São José, e morreu em seus braços. São José de Calasanz morreu poucos meses depois, em 25 de agosto de 1648, e foi sepultado na igreja de São Pantaleão. Tinha então noventa e dois anos. É notável a semelhança da vida de São José com a de Santo Afonso Maria de Ligório. Durante os dias turbulentos da história da fundação dos redentoristas, Santo Afonso costumava consolar-se lendo a vida de São José de Calasanz. Este último foi canonizado em 1767, seis anos antes da morte de Alban Butler, que lhe consagrou apenas um breve artigo, no qual o qualificava de “segundo Jó, perpétuo milagre de fortaleza”. O cardeal Lambertini, que mais tarde foi Papa com o nome de Bento XIV, empregou a mesma comparação diante da Sagrada Congregação de Ritos, em 1728. O fracasso da obra de São José foi apenas aparente. A supressão da congregação despertou oposição e protestos em várias cidades; em 1656, concedeu-se aos Clérigos Regulares das Escolas Cristãs a profissão de votos simples e, em 1669, aprovou-se novamente a congregação. Os filhos de São José de Calasanz (comumente chamados escolápios) encontram-se atualmente estabelecidos em várias partes do mundo.
Os biógrafos do santo aproveitaram bem os documentos dos processos de beatificação e canonização. Tal é particularmente o caso da biografia italiana do século XVIII, editada em inglês pelo Pe. Faber na Oratorian Series (1850). Provavelmente, a primeira biografia detalhada foi a que escreveu o Pe. Mussesti (escolápio) para informação do Papa Alexandre VII, menos de vinte anos após a morte do santo. Desde então, publicaram-se numerosas biografias em italiano, francês, espanhol e alemão. Citaremos entre elas as de Timon-David (1883), Tommaseo (1898), Casanovas e Sanz (1904), Heidenreich (1907), Giovanozzi (1930) e Santoloci (1948). Veja-se também Heimbucher, Orden und Kongregationen der Kat. Kirche, vol. III, pp. 287-296; e Pastor, Geschichte der Päpste, sobretudo vol. XI, pp. 431-433. [1]

São Cesário nasceu no ano 470, perto de Chalon-sur-Saône. Pertencia a uma família galo-romana. Aos dezoito anos, quando já havia adquirido um respeitável acúmulo de ciência, decidiu abraçar a carreira sacerdotal. Dois anos mais tarde, retirou-se para a abadia de Lérins, que já havia dado à Igreja muitos varões santos e sábios. O abade o nomeou despenseiro. Mas, como as paixões humanas alcançam até os lugares mais afastados dos incentivos do vício, alguns monges se ressentiram da administração escrupulosa de Cesário, e o abade viu-se obrigado a dispensá-lo do ofício. Cesário ficou encantado por poder dispor de mais tempo para a contemplação e a penitência; mas, como sua saúde começou a se ressentir, foi enviado a recuperar-se em Arles. O santo era parente de Eno, o bispo do lugar, que chamou a atenção para o cuidado com que o monge evitava a leitura de autores pagãos aos jovens que se preparavam para o sacerdócio. Assim, escreveu ao abade de Cesário suplicando que lhe cedesse o religioso para sua diocese. Uma vez que Cesário recebeu a ordenação sacerdotal, Eno colocou-o à frente de um mosteiro em que a disciplina estava muito relaxada. O santo redigiu uma regra, governou o mosteiro durante três anos e conseguiu transformá-lo em um modelo, apesar de sua própria juventude e inexperiência. Em seu leito de morte, o bispo de Arles propôs que Cesário lhe sucedesse. Este fugiu para se ocultar no cemitério, mas foi descoberto, e o povo e o clero o obrigaram a aceitar a eleição. Tinha então trinta e três anos, e governaria a diocese durante quarenta mais.
São Cesário não tinha o hábito da suntuosidade nem o espírito de ordem que levava tantos bispos da época a exagerar a importância de seu cargo para assegurar a estabilidade. Mas possuía, em compensação, um profundo espírito religioso, que fez dele o principal prelado das Gálias. Uma de suas primeiras iniciativas foi regularizar o canto do ofício divino. Até então, só se cantava em público, em Arles, aos sábados, domingos e dias de festa, mas São Cesário o impôs diariamente, como se costumava em outros lugares, e não teve reparos em modificá-lo para conseguir que os cristãos frequentassem mais assiduamente. Por outra parte, ensinou ao seu rebanho a rezar de verdade, a elevar a Deus os desejos do coração e não simplesmente mover os lábios em vão e até com risco de cometer sacrilégio, já que a verdadeira oração consiste em levantar o coração até Deus. Costumava dizer:
“O homem adora aquilo em que está pensando quando reza. Quem, ao orar, pensa nos negócios políticos ou na construção de sua casa, não adora a Deus, mas à sua casa ou aos negócios políticos”.
São Cesário pregava sempre aos domingos e dias de festa, manhã e tarde, e, com frequência, também durante a semana. Se por alguma razão não podia fazê-lo, mandava que sacerdotes e diáconos lessem ao povo alguma homilia dos Padres. Também ordenou que se lessem essas homilias depois das matinas e das vésperas, para que o povo nunca saísse da igreja sem ter aprendido algo. O estilo do santo, que detestava os discursos complicados, era simples, natural e agradável. Costumava descer aos detalhes e clamava contra os vícios mais comuns, em particular contra o costume de deixar o arrependimento para o dia de amanhã. Com frequência, falava das penas do purgatório pelos pecados veniais e da necessidade de repará-los com frequentes penitências. Sobretudo, pregava acerca da oração, do jejum, da esmola, do perdão das injúrias, da castidade e da prática das boas obras. Em resumo, foi o primeiro pregador “popular” cujos sermões chegaram até nós; estão cheios de comparações familiares e raramente duram mais de um quarto de hora. Ao mesmo tempo, o santo inculcava em seus ouvintes o valor da oração litúrgica, que tanto se esforçou por popularizar. “Que vossas ações correspondam às vossas palavras — repetia —. Que vossas almas sejam tão puras como o exige o texto: Beati immaculati in via [qui ambulant in lege Domini] — Bem-aventurados aqueles cujo caminho é imaculado [os que andam na lei do Senhor]. Ao entoar o versículo Confundantur superbi — Sejam confundidos os soberbos, procurai detestar o orgulho e fugir dele. Desta forma, enquanto vos deixais encantar pela melodia, compreendereis o que o salmista queria dizer quando exclamava: Quam dulcia faucibus meis eloquia tua! — Quão doces são as tuas palavras à minha boca!”. [2]
Um de seus primeiros biógrafos chama São Cesário de “outro Noé que construiu uma arca para proteger seus filhos contra os perigos de seu tempo.” Trata-se de uma alusão ao mosteiro que abriu como refúgio para as donzelas e viúvas do sul das Gálias que queriam consagrar-se a Deus. O mosteiro situava-se, no princípio, em Aliscamps, entre as tumbas romanas; mais tarde, foi transferido para dentro das muralhas da cidade. Seu primeiro nome foi São João; depois tomou o nome de São Cesário. Este confiou o governo do convento a sua irmã Santa Cesária, redigiu pessoalmente a regra e sempre considerou aquela obra como uma das principais de sua vida. Em suas regras, insistia na inviolabilidade absoluta da clausura. Também redigiu outras semelhantes para os mosteiros masculinos e as impôs a todos os de sua diocese. O costume da clausura foi-se estendendo pouco a pouco a outras regiões. Depois de ter defendido com êxito sua extensa jurisdição contra as pretensões do bispo de Vienne, São Cesário foi promovido à sede de Arles, que tinha como sufragâneas várias dioceses. Na qualidade de primaz, o santo presidiu vários sínodos, dos quais o mais importante foi o de Orange, em 529. Esse sínodo pronunciou-se contra os que afirmavam que Deus predestina certas almas à condenação; também declarou que à graça de Deus devemos o primeiro movimento de nossas almas para Ele, de sorte que Deus é o autor de toda conversão, contra o que sustentavam os semipelagianos.
Junto com essa atividade eclesiástica, São Cesário participou também nos principais acontecimentos sociais e políticos de seu tempo. A cidade de Arles estava então sob o domínio do rei visigodo Alarico II. Más línguas disseram ao monarca que São Cesário, que havia nascido na Borgonha, estava tratando de anexar o território de Arles aos domínios do rei da Borgonha. A acusação era falsa; mas Alarico II desterrou o santo para Bordéus no ano 505. Quando o monarca percebeu a injustiça que havia cometido, chamou São Cesário do desterro e condenou seu caluniador a morrer apedrejado, embora tenha acabado por perdoá-lo a rogos do santo. Quando os borgonheses sitiaram Arles, a maioria dos prisioneiros foi conduzida à cidade. Vendo-os mal vestidos e pior alimentados, São Cesário não hesitou em empregar as riquezas de sua igreja para socorrê-los. Assim, mandou fundir toda a prata, os incensários, os cálices, as patenas, e declarou: “Nosso Senhor, na Última Ceia, empregou pratos de barro, não de prata. É justo, pois, que usemos os vasos sagrados para socorrer aqueles que Ele redimiu com seu sangue. Os que nos criticam por isso seriam os primeiros a alegrar-se, se se encontrassem nas circunstâncias dos prisioneiros.”
Depois da morte do monarca visigodo, o ostrogodo Teodorico, rei da Itália, apoderou-se dos domínios do Languedoc. Tendo concebido certas suspeitas contra São Cesário, mandou prendê-lo e conduzi-lo a Ravena. Ao chegar à presença de Teodorico, o santo o saudou, e o rei, ao ver o aspecto venerável e intrépido do ancião, levantou-se e também o saudou. Em seguida, ambos conversaram amigavelmente sobre o estado de Arles. Depois de despedir-se do santo, Teodorico disse aos presentes: “Que Deus castigue os responsáveis por este santo ter feito uma viagem tão longa e inútil. Quando esteve diante de mim, estremeci ao ver seu rosto de anjo. Não posso acreditar que um homem assim seja capaz de cometer os crimes dos quais é acusado.” O rei enviou a São Cesário uma bandeja de prata com trezentas moedas de ouro e uma mensagem que dizia: “Aceita este presente do rei, teu filho, como prova de sua amizade.” O santo vendeu a bandeja e usou o dinheiro para resgatar cativos. Depois, continuou a viagem a Roma, onde o Papa São Símaco confirmou os direitos primaciais da sede de Arles, nomeou Cesário delegado apostólico na Gália e lhe conferiu o pálio. Diz-se que São Cesário foi o primeiro bispo da Europa Ocidental a receber o pálio.
No ano 514, retornou a Arles e continuou governando e instruindo sua grei por muitos anos. Quando os francos tomaram a cidade, no ano 536, retirou-se um pouco da vida pública para o convento de São João. Aos setenta e três anos, sentindo que a morte se aproximava, fez seu testamento em favor das religiosas do convento e começou a preparar-se para morrer. Pouco antes da festa de Santo Agostinho, perguntou se a data ainda estava longe e acrescentou: “Espero que até lá eu já tenha morrido, pois bem sabeis a predileção que sempre tive pela doutrina tão católica desse santo.” Mandando-se transportar numa cadeira ao mosteiro que fundara, exortou as religiosas a suportarem com paciência a dor que sua morte lhes causaria. A superiora do mosteiro, que sucedera à irmã do santo, chamava-se também Cesária, e havia então mais de duzentas religiosas. São Cesário, “verdadeiro mestre da Gália franca”, morreu na véspera da festa de Santo Agostinho, no ano 543.
Existem duas biografias antigas. Ambas foram publicadas por Mabillon e os bolandistas, e editadas criticamente por B. Krusch em MGH., Scriptores Merov., vol. III, pp. 151-47501. O mesmo crítico questionou a autenticidade do testamento de São Cesário; mas a resposta de G. Morin, na Revue Bénédictine, vol. XVI (1899), pp. 97-112, que publicou outro texto revisado do documento, é completamente satisfatória. Em 1894, apareceram duas importantes monografias sobre São Cesário: a de B. F. Arnold, Caesarius von Arelate und die gallische Kirche seiner Zeit, e a de A. Malnory, St Césaire Evêque d'Arles. É também importante o resumo de Lejay em DTC., vol. II, cc. 2168-2185. Mas o autor que possui claramente maior competência sobre os escritos e a vida do santo é Dom G. Morin. Em Etudes, Textes, Découvertes (1913), pp. 41-45, há uma lista de seus primeiros estudos sobre São Cesário. Morin fez uma edição dos sermões e outras obras de São Cesário (1937-1942); no segundo volume está a biografia escrita por Cipriano de Toulon. Dom Morin demonstrou que, embora São Cesário não tenha sido pessoalmente o autor do Credo Atanasiano (Quicumque vult...), foi o primeiro escritor que o conheceu a fundo. Em certa época, Morin inclinou-se a atribuir a São Cesário a importante coleção canônica chamada Statuta Ecclesiae antiqua; mas tal atribuição foi muito discutida. A biografia de São Cesário na coleção Les Saints, escrita por M. Chaillan, é útil, embora não totalmente fidedigna; mais completa e melhor é a obra de A. Malnory (1934). [3]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, "São José Calasanz", vol. 3, pp. 419–422.
Salmo 119 na Bíblia comum e 118 (versículos 1, 78 e 103) na Vulgata Latina.
Butler, Alban. Vida dos Santos, "São Cesário de Arles", vol. 3, pp. 423-426.
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