Vida de Santo Afonso Maria de Ligório e Santo Estevão, Papa (2 de agosto)
- Sacra Traditio
- 2 de ago.
- 18 min de leitura
SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO, BISPO DE SANTA ÁGATA DEI GOTI, DOUTOR DA IGREJA, FUNDADOR DA CONGREGAÇÃO DO SANTÍSSIMO REDENTOR (1787 d.C.)

Santo Afonso nasceu perto de Nápoles em 1696. Seus pais eram Dom José de Liguori, capitão das galeras do rei, e Dona Ana Cavalieri. Ambos os esposos eram tão distintos quanto virtuosos. O santo recebeu no batismo os nomes de Afonso Maria, Antônio, João Francisco, Cosme Damião, Miguel Gaspar; mas preferia que o chamassem simplesmente Afonso Maria. O pai de Afonso desejava que seu primogênito recebesse uma educação muito esmerada e nomeou-lhe tutores desde muito pequeno. Começou a estudar jurisprudência aos treze anos e, aos dezesseis, por privilégio especial, pôde apresentar na Universidade de Nápoles o exame de doutorado em direito civil e canônico e obteve o título por aclamação. Uma lenda afirma que Afonso não perdeu um único caso nos oito anos em que exerceu a advocacia. Em 1717, Dom José arranjou um casamento para seu filho, mas a boda não chegou a se realizar. Afonso continuou trabalhando como até então. Durante um par de anos, o jovem esfriou um pouco na vida religiosa e adquiriu certo gosto pela vida social, embora conservasse sempre o propósito de não cometer um só pecado mortal. Afonso era muito afeiçoado a ouvir música no teatro, mas ali se apresentavam também outros espetáculos indecorosos. Para evitá-los, como Afonso era muito míope, bastava-lhe tirar os óculos quando se levantava o pano, ouvir a boa música e não ver o mau espetáculo. Na quaresma de 1722 fez um retiro no convento dos lazaristas; isso e a recepção do sacramento da confirmação no outono do mesmo ano reacenderam seu fervor, de tal forma que, na quaresma do ano seguinte, o jovem fez voto de virgindade e de abandonar o exercício de sua profissão assim que compreendesse que Deus lho pedia. Poucos meses depois, Deus manifestou claramente Sua vontade.
Um certo nobre napolitano havia movido um processo contra o grão-duque da Toscana para obter a posse de uma propriedade avaliada em cerca de 300.000 dólares atuais. Uma das partes litigantes, provavelmente o nobre napolitano, solicitou os serviços de Afonso, e o discurso que este proferiu em favor de seu cliente impressionou muito o tribunal. Quando Afonso terminou sua exposição, o advogado de seu adversário contentou-se em dizer: “Todo o vosso discurso foi inútil, porque não mencionastes o ponto do qual depende essencialmente a solução do caso”. Afonso lhe pediu a prova disso, e o advogado lhe estendeu um documento que Afonso havia lido várias vezes, mas sem perceber o sentido do parágrafo sublinhado. A questão em debate era se a propriedade estava sujeita à lei da Lombardia ou às estipulações de Anjou. Ora, o parágrafo mencionado pelo advogado do adversário resolvia a questão contra o cliente de Afonso. Este guardou silêncio por um momento e depois declarou: “Enganei-me. Tendes razão e ganhastes a causa”. Dito isso, deixou a sala. Apesar da indignação de seu pai, Afonso recusou-se a continuar exercendo sua profissão e a contrair matrimônio. Em duas ocasiões, enquanto visitava os enfermos do hospital de incuráveis, ouviu uma voz que lhe dizia: “Abandona o mundo e entrega-te a Mim”. Afonso dirigiu-se então à igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, depôs sua espada sobre o altar e pediu para ser admitido no oratório. Dom José fez o impossível para dissuadir o filho, mas, vendo-o tão decidido, concedeu-lhe permissão para receber a ordenação sacerdotal, com a condição de que abandonasse o oratório e fosse viver em sua casa. Seguindo o conselho do Pe. Pagano, seu diretor espiritual, que era oratoriano, Afonso aceitou a condição.
Depois de fazer os estudos sacerdotais em casa, foi ordenado em 1726. Passou os dois anos seguintes em trabalhos de missão no reino de Nápoles, onde deixou marcas profundas. No início do século XVIII, exagerava-se no púlpito a tendência renascentista à oratória pomposa e florida e, no confessionário, o rigorismo jansenista. O padre Afonso rebelou-se contra ambas as tendências. Pregava com tal simplicidade que alguém observou: “É um prazer escutar vossos sermões, porque vos esqueceis de vós mesmo para pregar Jesus Cristo”. O santo dizia mais tarde a seus missionários: “Empregai um estilo simples, mas trabalhai a fundo vossos sermões. Um sermão sem lógica resulta disperso e sem sabor. Um sermão pomposo não alcança as massas. Quanto a mim, posso dizer-vos que jamais preguei um sermão que não pudesse ser compreendido pela mulher mais simples.” O santo tratava seus penitentes como almas que era necessário salvar, e não como criminosos que deviam ser castigados para que retornassem ao bom caminho. Diz-se que jamais recusou a absolvição a um penitente. Naturalmente, os métodos do padre Afonso não agradavam a todos e havia quem os olhasse com desconfiança. O santo organizou em grupos os “lazzaroni” de Nápoles para ensiná-los a doutrina cristã e a prática da virtude. Em certa ocasião, Afonso repreendeu um dos membros por jejuar exageradamente, e a outro disse: “Deus quer que comamos para viver. Por conseguinte, quando houver boa carne, comei-a tranquilamente, pois vos fará muito bem.” Os inimigos do santo encarregaram-se de desvirtuar essas palavras e de transformar seu sentido, afirmando que Afonso se dedicava a organizar a seita “da boa carne” e que isso cheirava a epicurismo, quietismo e outras heresias. As autoridades civis e eclesiásticas intervieram no caso, prenderam algumas pessoas e obrigaram Santo Afonso a explicar-se. O arcebispo, depois de ouvi-lo, aconselhou-lhe apenas que fosse mais prudente; mas a seita “da boa carne” continuou a existir e transformou-se, com o tempo, na grande Confraria das Capelas; seus membros, pertencentes às classes trabalhadoras, reuniam-se diariamente para orar em comum e receber instrução nas capelas da confraria.

Em 1729, aos trinta e três anos de idade, Santo Afonso deixou a casa paterna e passou a exercer o cargo de capelão num seminário em que se preparavam os missionários destinados à China. Lá conheceu Tomás Falcoia, com quem logo fez amizade. Tomás era um sacerdote da mesma idade de Afonso, que consagrara sua vida a fundar um instituto segundo uma visão que tivera em Roma. Mas até então só conseguira estabelecer um convento de religiosas em Scala, perto de Amalfi, onde as religiosas se regiam pelas regras das visitandinas. Uma delas, chamada Maria Celeste, comunicou ao Pe. Falcoia que tivera uma revelação das regras que deviam reger a congregação, e o jovem sacerdote ficou muito impressionado ao ver que tais regras coincidiam exatamente com as que haviam sido reveladas a ele. Santo Afonso começou a interessar-se pelo assunto em 1730. Por essa mesma época, o Pe. Falcoia foi eleito bispo de Castellamare, o que lhe permitiu entrar novamente em contato com as religiosas de Scala. Um dos primeiros atos de seu episcopado foi convidar Afonso a pregar um retiro às religiosas. O fato haveria de ter grandes consequências para todos.
Santo Afonso pregou os exercícios e aproveitou a ocasião para investigar, com a precisão de um advogado, o caso das visões de Maria Celeste, até concluir que se tratava realmente de uma revelação e não de uma alucinação. Assim, com a autorização do bispo de Scala e o consentimento das religiosas, aconselhou-as a se aterem às regras da revelação de Maria Celeste. No dia da Transfiguração de 1731, as religiosas vestiram o novo hábito, vermelho e azul, e abraçaram a clausura estrita e a vida de penitência. Assim foram os começos da Congregação das Redentoristas, que ainda existem em alguns países. Santo Afonso encarregou-se de explicar e comentar os pontos obscuros da regra. Dom Falcoia propôs-lhe então que fundasse uma congregação de missionários que se dedicassem a trabalhar entre os camponeses. O santo aceitou, apesar da violenta tempestade que a empresa suscitou. Em 1732, transferiu-se de Nápoles para Scala, depois de se despedir, com muita atenção e tristeza, de seu pai. Em novembro do mesmo ano, fundou a Congregação do Santíssimo Redentor, cuja primeira casa pertencia ao convento das religiosas. A congregação contava com nove postulantes. Santo Afonso era o superior imediato, Dom Falcoia assumiu a direção geral. Mas quase imediatamente surgiram dificuldades, pois uns sustentavam que Santo Afonso era a suprema autoridade da congregação e outros apoiavam a causa do bispo. Em poucas palavras, a congregação logo se viu dividida por um cisma. Por outro lado, Maria Celeste partiu para Foggia para fundar um novo convento, de modo que, ao fim de cinco meses, o santo se viu sozinho com um irmão coadjutor. No entanto, mais tarde apresentaram-se outros candidatos, e Santo Afonso estabeleceu a sede da congregação em uma casa maior. Em 1733, os novos missionários pregaram em Amalfi com grande sucesso. Em janeiro do ano seguinte, fundou outra casa em Villa degli Schiavi e começou a missionar ali. Santo Afonso é tão famoso como moralista, como escritor e como fundador dos Redentoristas que, com frequência, se esquece sua brilhante atuação como missionário popular. De 1726 a 1752, Santo Afonso pregou com enorme sucesso em todo o reino de Nápoles, particularmente nas regiões rurais. Seu confessionário estava sempre cercado de fiéis, e Afonso convertia os pecadores mais endurecidos à prática dos sacramentos, reconciliava inimigos e restabelecia a paz nas famílias. De Santo Afonso herdaram seus filhos espirituais o costume de voltar aos povoados missionados alguns meses após as pregações para confirmar e consolidar o trabalho.
Mas as dificuldades da nova congregação apenas haviam começado. No ano da fundação de Villa degli Schiavi, a Espanha reconquistou o reino de Nápoles. Carlos III, monarca absolutista como poucos, ocupava o trono, e seu primeiro-ministro, o marquês Bernardo Tanucci, seria durante toda a vida o grande inimigo dos Redentoristas. Em 1737, um sacerdote pouco honesto espalhou falsos rumores sobre os ocupantes da casa de Villa degli Schiavi; alguns homens armados atacaram a comunidade e Santo Afonso julgou prudente suprimir essa fundação. No ano seguinte, viu-se obrigado a suprimir também a casa de Scala. Por outro lado, o cardeal Spinelli, arcebispo de Nápoles, encarregou o santo da organização de uma grande missão em toda a sua arquidiocese. Santo Afonso a organizou e pregou durante dois anos, até que a morte de Dom Falcoia lhe permitiu voltar a ocupar-se de sua congregação. No capítulo que foi convocado, Santo Afonso foi eleito superior geral; o mesmo capítulo geral encarregou-se de redigir as constituições. Os missionários assim reorganizados fundaram várias casas nos anos seguintes, apesar da oposição das autoridades espanholas. O regalismo estava em voga, e o anticlericalismo implacável de Tanucci era uma espada que ameaçava constantemente a vida da nova congregação.
Em 1748, Santo Afonso publicou em Nápoles a primeira edição de sua “Teologia Moral”, sob forma de comentário à obra do Pe. Busenbaum, teólogo jesuíta. A segunda edição, que foi propriamente a primeira da obra completa, apareceu entre os anos de 1753 e 1755. O Papa Bento XIV aprovou-a, e o sucesso foi enorme, pois Santo Afonso traçava com extraordinária sabedoria o caminho intermediário entre o rigorismo jansenista e o laxismo. Durante a vida do santo, publicaram-se mais sete edições. Não podemos expor aqui, em detalhe, a controvérsia sobre o “probabilismo”, um sistema de teologia moral associado ao nome de Santo Afonso, segundo o qual, entre duas opiniões, das quais uma afirma a existência de uma obrigação e a outra a nega, é legítimo seguir a segunda, contanto que seja solidamente provável, ainda que menos provável que a primeira. Na realidade, Santo Afonso sustentava o “equiprobabilismo”, que exige que ambas as opiniões sejam igualmente prováveis para que seja legítimo seguir a que nega a obrigação; mas entre o probabilismo e o equiprobabilismo, há pouca diferença na prática. A Igreja aprova ambos os sistemas, mas é necessário notar que o probabilismo é um princípio prático para os moralistas e não uma regra de perfeição para os cristãos. Com frequência, o mais perfeito e desejável é seguir a opinião que afirma a existência da obrigação. Tentou-se atacar a doutrina de Santo Afonso sobre a mentira, mas, ao afirmar que a mentira é intrinsecamente má e ilícita, o santo não fazia senão repetir a doutrina ordinária da Igreja. Os jansenistas haviam introduzido entre o povo o costume de comungar muito raramente, com o pretexto de melhor se prepararem para receber tão alto sacramento, e consideravam a devoção à Santíssima Virgem uma superstição. Santo Afonso atacou ambos os erros e defendeu, sobretudo, a devoção à Nossa Senhora, com a publicação de “As Glórias de Maria” (1750).

A partir de 1743, data da morte de Dom Falcoia, Santo Afonso desdobrou-se em uma atividade incrível para guiar sua Congregação através dos mais perigosos escolhos, na tentativa de obter para ela a autorização régia; ajudava as almas, pregava missões em Nápoles e na Sicília e escrevia livros. O extraordinário é que ainda encontrava tempo para pintar e compor hinos e peças musicais. Um prelado de Nápoles resumiu a opinião popular com estas palavras: “Se eu fosse Papa, canonizá-lo-ia sem fazer nenhum processo”. O Pe. Mazzini escrevia: “Cumpriu de modo perfeitíssimo o preceito divino de amar a Deus sobre todas as coisas, com todo o seu coração e com todas as suas forças. Isso é patente a todos e, particularmente, a mim, que passei tantos anos com ele. O amor de Deus resplandecia em todos os seus atos e palavras: em sua maneira de falar de Deus, em seu recolhimento, na devoção com que orava diante do Santíssimo Sacramento e no contínuo exercício da presença divina.” Santo Afonso era severo, mas ao mesmo tempo terno e compassivo. Como ele mesmo sofrera de escrúpulos, sabia compreender os que padeciam desse mal. No processo de beatificação, o Pe. Cajone afirmou: “A meu ver, sua virtude característica era a pureza de intenção. Trabalhava sempre e em tudo por Deus, esquecido de si mesmo. Em certa ocasião, disse-nos: ‘Pela graça de Deus, jamais tive que me confessar de ter agido por paixão. Talvez seja porque não sou capaz de perscrutar a fundo minha consciência, mas, de todo modo, nunca descobri esse pecado com clareza suficiente para ter que me confessar dele.’” Isso é verdadeiramente extraordinário, se se leva em conta que Santo Afonso era um napolitano de temperamento apaixonado e violento, que poderia ter sido facilmente presa da ira, do orgulho e da precipitação.
Aos sessenta e cinco anos, Santo Afonso foi nomeado pelo Papa Clemente XIII bispo de Santa Ágata dei Goti, situada entre Benevento e Cápua. O mensageiro do Núncio Apostólico apresentou-se em Nocera, saudou o santo com o título de Ilustríssimo Senhor e lhe entregou o documento em que se anunciava sua nomeação. Santo Afonso, depois de tê-lo lido, o devolveu com estas palavras: “Por favor, não volte a me chamar de Ilustríssimo Senhor, porque isso me causaria a morte.” Mas o Papa não aceitou a renúncia, e o santo foi consagrado na igreja da Minerva, em Roma. Santa Ágata era uma diocese pequena. Talvez essa fosse sua única qualidade. Havia nela 30.000 habitantes, dezessete casas religiosas e quatrocentos sacerdotes, dos quais alguns poucos viviam confortavelmente das rendas de seus benefícios sem exercer os ministérios sacerdotais, e os outros não apenas eram negligentes, mas viviam positivamente no mal. Os fiéis não eram melhores que seus pastores, e a situação piorava a cada dia. O novo bispo estabeleceu-se modestamente e organizou uma grande missão. Para isso, pediu ajuda a todas as congregações religiosas de Nápoles; a única que excluiu, com grande tato e prudência, foi a dos redentoristas. O santo recomendou apenas duas coisas aos missionários: a simplicidade no púlpito e a caridade no confessionário. Mais tarde, disse a um sacerdote que não seguia seus conselhos: “Vossa pregação me tirou o sono a noite inteira... Se o que queríeis era pregar a vós mesmo e não a Jesus Cristo, não valia a pena ter vindo de Nápoles até Ariola.”
Santo Afonso empreendeu também a reforma do seminário e do modo negligente de concessão dos benefícios eclesiásticos. Alguns sacerdotes celebravam a missa em menos de quinze minutos. Santo Afonso os suspendeu ipso facto, a não ser que se corrigissem, e escreveu um comovente tratado sobre esse ponto:
“No altar, o sacerdote representa Jesus Cristo, como diz São Cipriano. Mas muitos sacerdotes atuais, ao celebrar a missa, parecem mais saltimbancos que ganham a vida nas praças públicas. O mais lamentável é que até as religiosas, e os religiosos de ordens reformadas, celebram a missa com tanta pressa e mutilando tanto os ritos, que até os próprios pagãos ficariam escandalizados... Ver celebrar assim o Santo Sacrifício é o suficiente para perder a fé.”

Algum tempo depois, abateu-se sobre a diocese de Santa Ágata uma terrível carestia, à qual se seguiu uma epidemia de peste. Santo Afonso havia predito essa calamidade dois anos antes, mas ninguém fez nada para evitá-la. As pessoas morriam de fome aos milhares. O santo vendeu tudo o que possuía, desde sua carruagem de mulas até o anel pastoral, para comprar grãos. A Santa Sé lhe deu permissão para empregar os fundos da diocese, e Santo Afonso contraiu dívidas a torto e a direito para socorrer os necessitados. Quando a ralé exigiu que o prefeito de Santa Ágata fosse condenado à morte, acusado injustamente de armazenar os grãos, Santo Afonso enfrentou a multidão, ofereceu sua própria vida em troca da do prefeito e, por fim, conseguiu apaziguar o povoado antecipando-lhes a ração dos dois dias seguintes.
O santo bispo mostrou-se particularmente enérgico na reforma da moralidade pública. Sempre procurava agir com bondade no início, mas, quando não obtinha promessas sérias de emenda ou quando as pessoas não as cumpriam, não hesitava em recorrer a medidas mais vigorosas e até em solicitar o auxílio das autoridades civis. Naturalmente, isso lhe criou numerosos inimigos; mais de uma vez, personagens de alta posição e pessoas contra as quais o santo havia movido processos o ameaçaram de morte. Provavelmente os tribunais exageraram um pouco o costume de impor o exílio aos pecadores públicos e privados que não se emendavam, e certamente os bispos das dioceses vizinhas não achavam muito consoladora a opinião do bispo de Santa Ágata, que dizia: “Cada bispo está obrigado a vigiar por sua própria diocese. Quando os que infringem a lei se virem desgraçados, expulsos de toda parte, sem teto e sem meios de subsistência, cairão em si e abandonarão sua vida de pecado.”
Em junho de 1767, Santo Afonso sofreu um terrível ataque de reumatismo. A doença agravou-se rapidamente, de modo que o santo recebeu os últimos sacramentos, e a diocese começou a preparar seus funerais. Contudo, após doze meses de enfermidade, Afonso saiu do perigo, embora tenha ficado para sempre com o pescoço torcido, como mostram diversas pinturas. No início, tinha o pescoço tão encurvado, que a pressão do queixo lhe abriu uma ferida no peito e ele não podia celebrar a missa; graças à intervenção dos cirurgiões, conseguiu levantar um pouco a cabeça, mas mesmo assim o santo precisava se sentar para comungar.
Além dos ataques dirigidos contra sua teologia moral, Santo Afonso teve de enfrentar aqueles que sustentavam que a Congregação dos Redentoristas era simplesmente uma continuação da Companhia de Jesus (que havia sido suprimida nos domínios espanhóis em 1767). O processo começou em 1770; treze anos depois, os tribunais deram razão a santo Afonso.
Clemente XIV morreu em 22 de setembro de 1774.* No ano seguinte, Santo Afonso pediu a Pio VI que lhe permitisse renunciar ao governo de sua sé. Embora Clemente XIII e Clemente XIV houvessem negado esse pedido ao santo, Pio VI, levando em conta os efeitos da febre reumática, finalmente lho concedeu. Santo Afonso retirou-se então para a casa dos redentoristas em Nocera, com a esperança de terminar tranquilamente seus dias.

Mas Deus dispôs de outro modo. Em 1777, os redentoristas foram atacados novamente; Santo Afonso decidiu então fazer outro esforço para conseguir a aprovação real da congregação, que já contava com quatro casas nos Estados Pontifícios, além das quatro casas em Nápoles e na Sicília. O que aconteceu foi uma verdadeira tragédia. De acordo com o conselho de Mons. Testa, capelão do rei, Santo Afonso havia suprimido as cláusulas referentes à propriedade em comum. Por sua vez, Mons. Testa havia se comprometido a apresentar ao rei o texto exato da solicitação de Santo Afonso. Mas Mons. Testa, em vez de cumprir sua palavra, alterou as constituições em vários pontos vitais e ainda suprimiu os votos religiosos dos membros da congregação. Depois de conquistar para sua causa um dos conselheiros da congregação, o Pe. Majone, Mons. Testa apresentou o novo texto a Santo Afonso, mas escrito com letra muito pequena e com muitas rasuras. O santo, que já estava muito velho, surdo e quase cego, assinou o documento depois de ler as primeiras linhas, que conhecia de memória. Até mesmo o vigário geral de Santo Afonso, o Pe. André Villani, parece ter participado da conspiração, provavelmente por medo. O rei aprovou integralmente o documento, que, por esse mesmo fato, adquiriu força de lei. Quando os redentoristas ouviram a leitura das novas constituições, estourou a tempestade. Os membros da congregação disseram ao santo: “Vós destruístes a congregação que havíeis fundado”. Santo Afonso disse ao Pe. Villani: “Jamais imaginei que poderíeis trair-me dessa forma” e se acusou de sua própria fraqueza e negligência: “Eu deveria ter lido o documento; mas bem sabeis quão difícil me é ler até mesmo umas poucas linhas.” Recusar-se a aceitar as constituições aprovadas pelo rei equivalia à supressão da congregação; aceitá-las acarretava forçosamente uma sentença de supressão por parte da Santa Sé, que havia aprovado as regras em sua forma original. Santo Afonso bateu a todas as portas para evitar a catástrofe, mas tudo foi em vão. O santo teria querido consultar o Sumo Pontífice, mas não podia fazê-lo, porque os redentoristas dos Estados Pontifícios já haviam apelado ao Papa contra as novas constituições e haviam-se colocado sob sua proteção. Pio VI lhes proibiu aceitar as constituições aprovadas pelo rei e suprimiu a jurisdição de Santo Afonso sobre eles; tomando provisoriamente os redentoristas dos Estados Pontifícios como os únicos redentoristas legítimos, Pio VI nomeou superior geral o padre Francisco de Paula. Em 1781, os redentoristas de Nápoles aceitaram as constituições, depois de conseguir que o rei as modificasse levemente. Mas a Santa Sé, que julgou inadmissíveis tais constituições, tornou definitiva a supressão da jurisdição de Santo Afonso, de modo que o santo viu-se excluído da Congregação que havia fundado.

O santo suportou com incrível paciência a humilhação que lhe havia sido infligida por uma autoridade que ele tanto amava e respeitava, e viu a vontade de Deus naquela medida da Santa Sé, que aparentemente punha fim a todas as esperanças que ele havia acalentado. Mas Deus lhe reservava uma provação ainda mais dura. Entre os anos de 1784 e 1785, o santo passou por um terrível período de “noite escura da alma”, durante o qual sofreu tentações contra todos os artigos da fé, contra todas as virtudes, e viu-se atormentado por escrúpulos, temores vãos e alucinações diabólicas. A tortura durou dezoito meses, com alguns intervalos de luz e descanso. A isso seguiu-se um período de êxtases muito frequentes, nos quais as profecias e milagres substituíram os escrúpulos e tentações. O santo morreu pacificamente na noite de 31 de julho para 1º de agosto de 1787, dois meses antes de completar noventa e um anos. Pio VI, o Pontífice que, por engano, o havia condenado, decretou em 1796 a introdução da causa de beatificação de Afonso Maria de Ligório. A beatificação teve lugar em 1816 e a canonização em 1839. Santo Afonso foi proclamado Doutor da Igreja em 1871. O santo havia predito que a Congregação dos Redentoristas se estenderia e prosperaria nos Estados Pontifícios e que a reunião com as casas do reino de Nápoles se efetuaria pouco depois de sua morte. Suas profecias se cumpriram. Em 1785, São Clemente Hofbauer fundou a primeira casa da congregação além dos Alpes e, em 1793, o governo de Nápoles reconheceu as constituições originais dos redentoristas e a união foi realizada. Os redentoristas estão atualmente estabelecidos na Europa, nos Estados Unidos e em alguns outros países.
A primeira biografia importante de Santo Afonso foi a que escreveu seu amigo e filho espiritual, o Pe. Tannoia (3 vols., Nápoles, 1798-1802). Na obra do Pe. Castle há uma crítica muito pertinente da obra do Pe. Tannoia (vol. II, pp. 904-905). As biografias do cardeal Villecourt (1864) e do cardeal Capecelatro (1892) apresentam poucos dados novos; em troca, a biografia que escreveu em alemão o Pe. K. Dilgskron (1887) apoiava-se em muitos documentos inéditos e corrigia os erros de muitos dos biógrafos anteriores. Entretanto, a biografia mais completa é a que escreveu em francês o Pe. Berthe (1900); o tradutor inglês, Pe. Harold Castle, a corrigiu e melhorou em muitos pontos (2 vols., 1905). Em 1939, publicou-se uma edição abreviada da obra do Pe. Berthe em francês. D. F. Miller e L. X. Aubin publicaram no Canadá uma biografia muito atualizada (1940). Existem muitas obras de menor importância, que estudam pontos particulares da vida do santo. Acerca da questão do Probabilismo e do Equiprobabilismo há que mencionar duas obras: Vindiciae Alphonsianae (1873) e Vindiciae Bellarminianae (1873). Sobre a doutrina espiritual de Santo Afonso, cf. P. Pourrat, La spiritualité chrétienne (1947), pp. 449-491. Veja-se também a obra exaustiva de R. Tellería, San Alfonso M. de Ligorio (2 vols., 1950-1951). [1]
SÃO ESTEVÃO I, PAPA (257 d.C.)

Santo Estevão nasceu em Roma. Quando sucedeu ao Papa São Lúcio I, já era sacerdote. Possuímos pouquíssimos dados sobre ele, e quase todos provêm dos escritos de seus inimigos. O acontecimento mais importante de seu pontificado foi a controvérsia sobre a validade do batismo administrado por hereges. São Cipriano e os bispos africanos sustentavam que tal batismo era inválido e que o sacramento devia ser administrado novamente quando um herege se convertia ao catolicismo. Muitos bispos da Ásia também se inclinavam por essa opinião. São Estevão sustentava a validade do batismo dos hereges, quando estes empregavam a fórmula prescrita pela Igreja.** Firmiliano de Cesareia da Capadócia atacou duramente o Pontífice por isso. Tanto São Cipriano como São Estevão se deixaram levar pela impaciência na controvérsia. São Estevão declarou: “Guardemo-nos de introduzir inovações na tradição que recebemos” e recusou-se a receber os delegados africanos que apoiavam São Cipriano. O santo Pontífice chegou a ameaçar de excomunhão os defensores da opinião contrária; no entanto, como escreve Santo Agostinho, “cheio da compaixão que é fruto da caridade, julgou mais prudente manter a união, e a paz de Cristo triunfou nos corações.” Infelizmente, a questão não chegou a ser resolvida naquela época.
A perseguição de Valeriano começou no ano da morte de Santo Estevão. Um escrito popular narra o martírio do santo Pontífice. Contudo, é muito difícil provar que ele tenha sido realmente mártir, pois os dados antigos de importância não dizem uma só palavra a esse respeito, e a tradição primitiva romana afirmava que o santo havia morrido em seu leito.
Na sua edição do Liber Pontificalis e em sua obra Histoire ancienne de l’Église (vol. 1, pp. 419–432), Mons. Duchesne esclarece muitos pontos de interesse. As fontes principais são a Hist. Eccles. de Eusébio e as cartas de São Cipriano, Firmiliano e São Dionísio de Alexandria. F. C. Conybeare descobriu em um documento armênio um amplo fragmento de uma carta de Dionísio a Santo Estevão e a publicou na English Historical Review, vol. XXV (1910), pp. 111–113. Ver também DTC, vol. V, cc. 970–973; CMAH, pp. 412–413; Acta Sanctorum, agosto, vol. I. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 247–254.
Ibid. pp. 254-255.
NOTA:
* Ao terminar de celebrar a missa no dia 21, Santo Afonso desmaiou e ficou inconsciente durante vinte e quatro horas. Quando voltou a si, disse aos presentes: “Fui assistir o Papa, que acaba de morrer.” Alguns autores interpretam esse fato como um caso de bilocação; mas provavelmente trata-se apenas de uma visão, à qual, aliás, não se deu muita importância no processo de beatificação.
** Papa Eugênio IV, Concílio de Florença, Exultate Deo (1439): “Todavia, em caso de necessidade, não apenas um padre ou diácono, mas até mesmo um leigo ou leiga; sim, até mesmo um pagão ou um herege pode batizar, desde que ele preserve a forma da Igreja e tenha a intenção de fazer o que a Igreja faz.” (Denz. 696)
Comentários