Vida de São Gil e os Doze Irmãos Mártires (1 de setembro)
- Sacra Traditio
- 1 de set.
- 6 min de leitura
Atualizado: há 2 dias

A Lenda de São Gil (Aegidius), uma das mais famosas na Idade Média, provém de uma biografia escrita no século X. Segundo esse escrito, Gil era ateniense de nascimento. Nos primeiros anos de juventude, devolveu a saúde a um mendigo enfermo, por ter cedido sua capa, como fizera São Martinho. Gil desprezava os bens temporais e detestava aplausos e elogios, que choviam sobre ele após a morte de seus pais, devido à prodigalidade com que distribuía esmolas e aos milagres atribuídos a ele. Para escapar, embarcou para o Ocidente, chegou a Marselha e, depois de passar dois anos em Arles, junto a São Cesário de Arles, construiu uma ermida no meio de uma floresta, perto da foz do Ródano. Nessa solidão alimentava-se com o leite de uma corça que aparecia com frequência e se deixava ordenhar mansamente pelo ermitão. Certo dia, Flávio, rei dos godos, que caçava, perseguiu a corça e a azucrinou com cães, até que o animal se refugiou junto a Gil, que o escondeu em uma caverna, e a partida de caça passou de largo, mesmo os cães parecendo ter perdido o olfato. No dia seguinte, a caça recomeçou e a corça foi novamente descoberta e perseguida até a caverna onde Gil a ocultava, tornando-se invulnerável. No terceiro dia, o rei Flávio levou um bispo para presenciar o ocorrido e tentar explicar o estranho comportamento de seus cães. Na terceira ocasião, um arqueiro do rei disparou uma flecha ao acaso, que feriu Gil e encontrou a corça aos seus pés. Flávio e o bispo pediram ao ermitão que explicasse sua presença naquele lugar. Gil contou sua história e, ao ouvi-la, tanto o monarca quanto o prelado pediram perdão por perturbar sua paz e o rei ordenou que buscassem um médico para curar a flechada, mas São Gil recusou a visita, rejeitou presentes da comitiva real e pediu para permanecer em seu retiro solitário [1] “e orou para que a ferida nunca se curasse, citando 2 Coríntios 12:9, ‘a força se aperfeiçoa na fraqueza’.
Com base nessa história, os atributos de São Gil são a corça, a flecha e uma cruz pastoral, símbolo da autoridade episcopal ou abacial, como no retrato à direita. A corça não deve ser confundida com o cervo de São Eustácio (em breve), que possui galhadas e um crucifixo.”[2]

O rei Flávio visitava frequentemente São Gil, e este pediu que todas as esmolas e benefícios fossem destinados à fundação de um mosteiro, ao qual Flávio concordou, desde que Gil fosse o primeiro abade. O mosteiro ergueu-se perto da caverna do ermitão, uma comunidade se formou ao redor de Gil e logo a fama dos novos monges e de seu abade chegou a Carlos, rei da França. A corte trouxe São Gil a Orléans, onde dialogou longamente com o rei sobre assuntos espirituais. Durante essas conversas, o monarca revelou uma grave culpa [pecado mortal] que pesava em sua consciência.*
“No domingo seguinte, enquanto o ermitão celebrava a Missa e, conforme o costume, rezava especialmente pelo rei durante o cânon, apareceu um anjo do Senhor depositando sobre o altar um pergaminho com o pecado cometido pelo monarca. O pergaminho indicava que a culpa seria perdoada pela intercessão de Gil, se o rei fizesse penitência e prometesse não reincidir. Ao fim da Missa, Gil entregou o pergaminho ao rei, que, ao lê-lo, ajoelhou-se e implorou a intercessão do santo junto a Deus. Em seguida, o ermitão orou pelo rei e recomendou que evitasse repetir o pecado.”
Depois, São Gil retornou ao mosteiro e pouco depois partiu para Roma, confiando seus monges à Santa Sé. O Papa concedeu inúmeros privilégios à comunidade e presenteou o mosteiro com dois portões de cedro finamente talhados. Para provar sua confiança em Deus, São Gil lançou as portas ao Tibre, embarcou nelas e, com vento favorável, navegaram até a França. Recebeu aviso celestial de sua morte e, na data prevista, um domingo de setembro, deixou este mundo, trazendo alegria ao Céu.
Esta história sobre São Gil e outros que circularam durante a Idade Média e que são nossas únicas fontes de informação são completamente indignas de confiança [?]. Alguns detalhes são contraditórios e anacrônicos [talvez somente a ordem?], e a lenda associa-se a bulas papais forjadas para interesses do mosteiro de San Gil, na Provença. Sabe-se apenas que foi ermitão ou monge perto da foz do Ródano, nos séculos VI ou VIII, e que o mosteiro que leva seu nome possui suas relíquias. A história da corça aparece com vários santos, mas São Gil é o mais famoso, sendo um dos “Quatorze Santos Auxiliadores” (único não mártir). Seu túmulo era centro de peregrinações importantes na Idade Média, contribuindo para a prosperidade de Saint Gilles até o século XII, quando caiu em ruínas na Cruzada contra os albigenses. O culto espalhou-se pelo Ocidente; na Inglaterra havia 160 paróquias dedicadas a ele. É invocado como protetor de aleijados, mendigos e ferreiros. Juan Lydgate, monge poeta de Bury, invocava-o assim no século XV:
Gil, santo protetor de pobres e aleijados, consolo dos enfermos em sua má sorte, refúgio e escudo dos necessitados, patrocínio dos que olham para a morte. Por ti, os moribundos voltam à vida...
O texto em latim sobre a vida de São Gil encontra-se em Acta Sanctorum, setembro, vol. I; versão semelhante em Analecta Bollandiana, vol. VIII (1889), pp. 103-120. Há também biografias em versos rimados e adaptação ao francês antigo. Para estas, ver estudo de E. C. Jones, Saint Gilles (1914). Sobre tradições populares, Biächtold-Stäubli, Handwörterbuch des deutschen Aberglaubens, vol. I, pp. 212 ss.; sobre arte, Kiinstle, Ikonographie, vol. II, pp. 32-34. O emblema do santo é uma corça com uma flecha cravada. Para leitores ingleses, F. Brittain, Saint Gilles (1928). Também F. Boulard, Saint Gilles (1933) e A. Fliche, Aigues-Mortes et Saint-Gilles (1950). Uma proposta do Papa Bento XIV visava eliminar a festa de San Gil do calendário geral. [3]

Os doze irmãos martirizados que neste dia menciona o Martirológio Romano possuem sua respectiva lenda, na qual se afirma que eram originários de Hadrumetum, localidade da África Proconsular, e filhos de São Bonifácio e Santa Tecla, outros mártires cuja paixão e morte se comemoram em 30 de agosto. Os doze irmãos foram presos em Hadrumetum pelo delito de serem cristãos; foram conduzidos a Cartago e ali submetidos a tortura, sem que nenhum renegasse suas crenças. As autoridades ordenaram então que os doze irmãos fossem acorrentados uns aos outros, com grilhões no pescoço, para embarcá-los com destino à Itália, a fim de serem julgados. Quatro deles, chamados Fortunato, Honorato, Arôncio e Saviniano, foram decapitados em 27 de agosto, assim que a corda chegou à cidade italiana de Potenza. Pouco adiante, na cidade de Venosa, e no dia seguinte, 28 de agosto, tiveram suas cabeças cortadas outros três irmãos: Septimino, Genaro e Félix. Em 29 de agosto, ao chegar a comitiva a Velleiano, completou-se a dezena com a execução de mais três: Vitalis, Sator e Repósito. Os dois últimos irmãos que ainda permaneciam vivos, um chamado também Félix e o outro Donato, morreram decapitados em 10 de setembro, na cidade de Sentiano.
Na realidade, esses mártires da Apúlia não eram parentes entre si e não tinham qualquer relação com São Bonifácio ou com Santa Tecla, e provavelmente nem sequer eram africanos. Mas, no ano de 760, o duque Arequio descobriu os restos dos doze mortos e os sepultou em um santuário especialmente construído na igreja de Santa Sofia, em Benevento e, a partir de então, ficaram indissoluvelmente associados no espírito e na tradição popular como os doze filhos dos mártires São Bonifácio e Santa Tecla, vindos das costas africanas para serem martirizados, por sua vez, na Apúlia. Desde então, lhes tem sido prestado culto.
No Acta Sanctorum, setembro, vol. 1, encontra-se um texto que pretende ser uma breve história desses mártires, mas se se desejar fazer uma pesquisa mais completa quanto à composição do grupo, teremos que recorrer ao CMH, pp. 471-472 e 480-482. Cf. também Lanzoni, Le Diocesi d’Italia, pp. 285-288. [4]
Referências:
Butler, Alban. Vida dos Santos, "São Gil, Abade", vol. 3, pp. 456–458.
Richard Stracke, Saint Giles: The Iconography. Disponível em: https://www.christianiconography.info/giles.html
Butler, Alban. Vida dos Santos, "São Gil, Abade", vol. 3, pp. 457–458.
Ibid."Os Doze Irmãos Mártires", p. 458.
Notas: * Em outro episódio, um “rei Carlos” diz ao santo que cometeu um pecado tão terrível que nunca poderia confessá-lo. Mais tarde, um anjo entrega a Gil um pergaminho revelando o pecado, e Gil faz com que o rei confesse e seja absolvido. Por causa dessa lenda, as pessoas oravam a São Gil por uma boa confissão, e ele passou a ser incluído entre os Quatorze Santos Auxiliadores. (Richard Stracke, Saint Giles: The Iconography).
Comentários