Vida de São Bernardo de Claraval e Beatos José Maria Diaz e seus 24 companheiros, Mártires (20 de agosto)
- Sacra Traditio
- 20 de ago.
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O pai de Bernardo era um nobre borgonhês chamado Tescelino Sorrel. Sua mãe, chamada Aleth, era filha do senhor de Montbard. Bernardo, o terceiro dos filhos, nasceu em 1090 em Fontaines, castelo próximo a Dijon, que fazia parte das propriedades de seu pai. Os sete filhos de Tescelino e Aleth eram: o Beato Guido, o Beato Geraldo, São Bernardo, a Beata Humbelina, André, Bartolomeu e o Beato Nivardo. Todos aprenderam o latim e a poética antes de abraçarem a carreira das armas. Bernardo foi enviado ao colégio dos cônegos seculares de Chatillon-sur-Seine para fazer um curso completo. Desde então já amava a solidão, talvez devido à sua timidez. Progrediu rapidamente nos estudos e assim se preparou para ouvir a voz da inspiração de Deus. Na véspera do Natal, quando esperava sua mãe para assistir aos maitines, Bernardo adormeceu e sonhou que via o Menino Jesus no estábulo de Belém. Desde então, concebeu grande devoção ao mistério de amor e misericórdia da Encarnação. Quando tinha dezessete anos, sua mãe morreu. Bernardo, que a amava apaixonadamente, sofreu uma grave depressão e deixou-se arrastar a um estado de tristeza mórbida, do qual só conseguiu sair graças à tenacidade de sua irmã Humbelina em distraí-lo e consolá-lo.
Ao entrar na sociedade, Bernardo possuía todas as vantagens e talentos que podem tornar amável e atraente um jovem. Com sua inteligência ágil e seu temperamento afável e bondoso, conquistava a todos quantos o conheciam. Isso representava um grave perigo e, durante algum tempo, Bernardo esteve à beira da tibieza e da indiferença, até que começou a pensar em abandonar o mundo e consagrar-se aos estudos, que sempre o atraíram muito. Poucos anos antes, São Roberto, São Alberico e São Estêvão Harding haviam fundado em Cister o primeiro mosteiro em que se praticava em todo o seu rigor a primitiva Regra de São Bento. Bernardo vacilou algum tempo antes de ingressar na ordem cisterciense. Um dia, em meio a graves dúvidas, entrou em uma igreja para pedir a Deus que o ajudasse a conhecer e seguir sua vontade e, ao sair, estava decidido a abraçar a vida dos monges de Cister. Seus amigos fizeram todo o possível para dissuadi-lo, mas Bernardo não apenas permaneceu firme em seu propósito, como também levou consigo ao mosteiro quatro de seus irmãos e um tio. Um amigo íntimo de Bernardo, Hugo de Mâcon (que mais tarde fundaria o mosteiro de Pontigny e morreria como bispo de Auxerre), chorava amargamente ante a ideia de separar-se de Bernardo; mas duas entrevistas bastaram para que este o convencesse a segui-lo ao mosteiro. Para não nos estendermos demasiadamente: Bernardo, que poucas semanas antes ainda duvidava de sua vocação religiosa, chegou ao mosteiro acompanhado de trinta e um candidatos que até pouco antes não se sentiam chamados à vida monástica. Nesse sentido, nenhum santo da era moderna igualou a Bernardo, que possuía uma eloquência irresistível: quando ele aparecia, as mães tremiam por seus filhos e as esposas por seus maridos. No dia da partida ao mosteiro, Bernardo e seus irmãos reuniram-se em Châtillon e foram a Fontaines despedir-se de seu pai e pedir-lhe a bênção. Nivardo, o mais jovem da família, ficou para cuidar do pai. Ao sair de Fontaines, Guido encontrou Nivardo brincando com outros meninos de sua idade, e lhe disse: “Adeus, irmãozinho. Tu vais herdar todas as terras e posses”. Nivardo respondeu: “Não concordo. Vós vos reservais o Céu e me deixais a terra. É uma partilha muito pouco justa.” Pouco depois, Nivardo foi reunir-se a seus irmãos no mosteiro, de modo que somente Humbelina e o pai permaneceram em Fontaines.
Bernardo e seus companheiros chegaram a Cister por volta da Páscoa de 1112. São Estêvão Harding, que era o abade, recebeu-os de braços abertos, pois nos últimos anos não se havia apresentado sequer um noviço. São Bernardo tinha então vinte e dois anos, queria viver esquecido do mundo e entregue totalmente a Deus no retiro. Três anos depois, o abade, ao comprovar os progressos de Bernardo e suas qualidades extraordinárias, enviou-o, com outros doze monges, a fundar um novo mosteiro na diocese de Langres, na Champagne. Bernardo e seus companheiros fizeram a viagem cantando os salmos e se estabeleceram em um vale rodeado de bosques. Com a ajuda do bispo e dos habitantes da região, os monges desmataram parte do bosque e construíram um mosteiro. Os inícios da nova fundação foram duros, pois a terra era muito pobre e só produzia um pouco de aveia para o pão e algumas folhas silvestres que constituíam todo o alimento dos monges. Por outro lado, Bernardo, ainda sem experiência, tendia a uma severidade exagerada e repreendia asperamente seus companheiros pelas menores distrações e transgressões da regra. Felizmente, o santo foi pouco a pouco se dando conta desse estado de coisas ao ver o desalento que se apoderava dos monges, apesar de sua grande humildade e obediência. Para fazer penitência por sua omissão, Bernardo guardou silêncio durante muito tempo; mas finalmente voltou a pregar e passou a se preocupar para que seus súditos comessem um pouco melhor, apesar da escassez. A fama do mosteiro e da santidade de seu abade se espalhou e, muito em breve, o número de monges chegou a cento e trinta. Também se deu ao lugar o nome de Claraval (Vale Claro), porque o sol batia nele de cheio. O pai de Bernardo e seu irmão Nivardo ingressaram em Claraval em 1117 e receberam o hábito das mãos do santo. Os quatro primeiros mosteiros derivados de Cister converteram-se, por sua vez, em semeadores de novos mosteiros. O de Claraval foi o mais fecundo de todos, e entre suas filiais contavam-se o mosteiro de Rievaulx e, em certo sentido, o mosteiro de Fountains, na Inglaterra.
Em 1121, São Bernardo realizou seu primeiro milagre: enquanto cantava a missa, restituiu a fala a certo senhor feudal, que pôde assim confessar-se antes de morrer e fazer numerosas restituições pelas injustiças que havia cometido. Conta-se que o santo realizou muitíssimas outras curas apenas abençoando os enfermos e que “excomungou” as moscas que infestavam a igreja de Foigny, as quais morreram no mesmo instante. A maldição às moscas de Foigny converteu-se em um provérbio francês. Guilherme de Saint-Thierry refere com pormenores os males de estômago que afligiam Bernardo, os quais certamente não melhoravam com a comida má e insuficiente. Por causa de sua má saúde, o capítulo geral o dispensou de trabalhar no campo e ordenou que se dedicasse mais intensamente à pregação. Para isso, Bernardo começou a escrever seu tratado sobre os Graus de Humildade e de Orgulho, que foi a primeira obra que publicou. O Pe. Vacandard diz que “qualquer psicólogo moderno aprovaria o estudo caracteriológico” contido nesse tratado.
Apesar de seu amor pelo retiro, as necessidades da Igreja e a obediência obrigaram frequentemente Bernardo a sair dele. Como tantos outros santos a quem o Céu concedeu um extraordinário dom de contemplação e cujo maior desejo seria consagrar-se inteiramente a Deus na paz do mosteiro, São Bernardo teve de passar anos inteiros na vida pública e até na vida política, “cuidando dos negócios de seu Pai celestial”. Em 1137, escrevia que estava “assediado de cuidados e preocupações e mal há um momento em que me deixem em paz os visitantes que vêm pedir-me os mais diversos favores. E, como não tenho direito de impedi-los de vir nem posso recusar-me a recebê-los, mal me resta tempo para rezar.” A fama das qualidades e dos poderes do santo era tão grande, que os príncipes recorriam ao seu arbítrio e os bispos lhe confiavam os assuntos mais importantes da Igreja e acatavam respeitosamente suas decisões. Os Papas viam em seu conselho um dos principais apoios da Igreja, e todo o povo escutava suas palavras com veneração. Chegou-se até a chamá-lo “o Oráculo da Cristandade”. Pois Bernardo não era apenas um fundador de mosteiros, um teólogo e um pregador, mas também um reformador e um “cruzado”; jamais se furtava às dificuldades, viessem elas da abadia de Cluny ou de um antipapa, do filósofo Abelardo ou da Segunda Cruzada. Além disso, não perdia tempo em rodeios. Assim, escrevia a um clérigo do Languedoc: “Parece que imaginais que os bens da Igreja são vossos. Mas estais completamente enganado; pois, se bem é justo que viva do altar quem serve ao altar, isso não significa que os bens do altar sejam para fomentar a luxúria e o orgulho. Tudo o que vai além de uma mesa simples e um vestido modesto é sacrilégio e roubo.”
As dificuldades provocadas pela eleição de Inocêncio II em 1130 obrigaram São Bernardo a viajar por toda a França, Alemanha e Itália. Em uma de suas visitas a Claraval, levou consigo Pedro Bernardo Paganelli, cônego de Pisa, que seria mais tarde Papa com o nome de Eugênio III e alcançaria a honra dos altares. Por enquanto, Bernardo confiou ao noviço a tarefa de carregar carvão para o mosteiro. Depois que toda a Igreja reconheceu Inocêncio II, São Bernardo assistiu aos Concílios de Roma e de Latrão. Nessa época conheceu São Malaquias de Armagh; nove anos depois, São Malaquias morreria nos braços de seu amigo. Apesar de suas múltiplas atividades, São Bernardo continuava pregando aos monges sempre que podia. Seus sermões sobre o Cântico dos Cânticos tornaram-se famosos. Em 1140 pregou pela primeira vez em público, aos estudantes de Paris. Esses dois sermões contam-se entre os mais violentos e poderosos que o santo pronunciou; as “coisas terríveis e infernais” que disse neles causaram certo bem ao auditório e converteram alguns estudantes que até então haviam visto com maus olhos o “evangelismo” de Bernardo. Pouco depois do fim do cisma, o santo viu-se envolvido na controvérsia com Abelardo. E se o primeiro era o homem mais influente e eloquente da época, o brilhante e desditoso Pedro Abelardo cedia-lhe apenas nesse aspecto e tinha a vantagem de ser muito mais erudito. Era inevitável que os dois personagens se chocassem um dia, pois representavam duas correntes de pensamento que, sem serem opostas, ainda não haviam chegado a uma síntese: de um lado, a concepção tradicional da autoridade e da “fé, que não é uma opinião, mas uma certeza”; de outro, o novo racionalismo e a exaltação da inteligência humana. Criticou-se muito São Bernardo por ter perseguido implacavelmente Abelardo. Mas é preciso compreender que o santo acreditava que, sob a máscara do saber, ocultavam-se em Abelardo a vaidade e a arrogância, que sob a máscara do uso da razão ocultava-se o racionalismo e que as qualidades e a erudição do filósofo o tornavam muito perigoso para a cristandade. São Bernardo escrevia ao Papa: “Pedro Abelardo, ao defender que a razão humana é capaz de compreender inteiramente a Deus, ataca as bases do mérito da fé... Esse homem é grande demais aos seus próprios olhos.”
Provavelmente no início do ano de 1142, fundou-se na Irlanda o primeiro convento cisterciense. Os monges provinham de Claraval, aonde São Malaquias os havia enviado para formarem-se sob a direção de São Bernardo. A abadia, que estava situada no condado de Louth, recebeu o nome de Mellifont. Dez anos mais tarde já contava com seis mosteiros filiais. Na mesma época, São Bernardo interveio no assunto da sucessão da sé de York (cf. nosso artigo sobre São Guilherme de York, 8 de junho). Inocêncio II morreu antes que o assunto fosse resolvido. Dezoito meses depois, subiu ao trono pontifício o abade do mosteiro cisterciense de Tre Fontane, Eugênio III, que não era outro senão Bernardo de Pisa, a quem São Bernardo havia conduzido ao noviciado. O santo escreveu a seu antigo discípulo uma carta encantadora, redigida nestes termos: “Ao seu queridíssimo pai e mestre Eugênio, pela graça de Deus Sumo Pontífice, Bernardo, abade de Claraval, apresenta sua humilde homenagem.” Na realidade, Bernardo sentia certos temores por Eugênio, pois conhecia seu caráter tímido e retraído e sua falta de experiência na vida pública. Por isso, escreveu também uma carta aos cardeais, na qual lhes dizia: “Deus vos perdoe o que fizestes. Devolvestes à vida um homem que estava morto para o mundo e sepultado na paz do mosteiro. Empurrastes para o turbilhão dos negócios e das multidões um homem que havia fugido dos negócios e das multidões. Transformastes o menos importante em o mais importante. Tende cuidado, pois o lugar que esse homem ocupa agora é mais perigoso do que o que ocupava antes.” Mais tarde, para aconselhar Eugênio III, escreveu o mais longo e importante de seus tratados, o “De consideratione”, no qual examinava as obrigações do Pontífice e lhe recomendava abertamente que reservasse cada dia algum tempo para o exame de consciência e a contemplação e que se dedicasse a eles com mais diligência do que aos negócios. São Bernardo declarava que a “consideração” ou contemplação forma e dirige todas as virtudes e recordava ao Papa que a multiplicidade dos negócios o colocava no risco de cair no esquecimento de Deus e na dureza de coração. A simples menção desses perigos fazia o santo tremer, que dizia ao Pontífice que se ele mesmo não tremia ante tais perigos era sinal de que seu coração já se havia endurecido; porque se o Papa cai, toda a Igreja decai.
Entretanto, a heresia albigense havia feito rápidos progressos na França, com todas as suas consequências morais e sociais. São Bernardo já havia tido contato com uma seita semelhante em Colônia; em 1145, o cardeal Alberico, legado pontifício, pediu-lhe que fosse ao Languedoc. Embora se encontrasse doente, fraco e mal pudesse fazer a viagem, obedeceu prontamente e pregou pelo caminho. Acompanhava-o seu secretário, Godofredo, que refere numerosos milagres de que foi testemunha ocular. Por exemplo, em Sarlat, cidade do Périgord, Bernardo abençoou alguns pedaços de pão, dizendo: “Para que conheçais a verdade de nossa doutrina e a falsidade da heresia, que os enfermos que comerem deste pão fiquem curados.” O bispo de Chartres, que estava junto ao santo, temendo uma desilusão coletiva, corrigiu: “Isto é, que fiquem curados os que comerem deste pão com a fé devida.” Mas o abade replicou: “Eu não disse isso, mas que todos os enfermos que provarem deste pão fiquem curados, para que saibam que somos enviados de Deus e pregamos a verdade.” Com efeito, grande número de enfermos recuperou a saúde. Bernardo pregou contra a heresia em todo o Languedoc. Seus ouvintes mostraram-se obstinados e violentos, sobretudo em Albi e em Toulouse; no entanto, o santo conseguiu reconquistar em pouco tempo a região e depois voltou a Claraval. Infelizmente, São Bernardo retirou-se demasiado cedo, pois a conversão do Languedoc havia sido mais aparente do que real e, vinte e cinco anos mais tarde, a heresia era ali mais forte do que nunca. Foi então que apareceu São Domingos.

No dia de Natal de 1144, os turcos seljúcidas haviam se apoderado de Edessa, um dos quatro principados do reino latino de Jerusalém. Os cristãos pediram imediatamente auxílio à Europa, pois todo o reino estava em perigo. Eugênio III encarregou então São Bernardo de pregar uma Cruzada. O santo inaugurou a pregação no domingo de Ramos de 1146, em Vézelay. A rainha Leonor e uma grande multidão de nobres foram os primeiros a abraçar a causa; o povo, movido pelas palavras de fogo de Bernardo, seguiu-o em massa, de tal modo que se acabou a provisão de cruzes de tecido para o distintivo e o santo teve de rasgar seu próprio hábito para fabricar outras. Depois de levantar em armas toda a França, Bernardo escreveu aos principais senhores da Europa central e ocidental. Em seguida, trasladou-se à Alemanha e a primeira coisa que teve de enfrentar foi um monge meio louco chamado Rodolfo, que, valendo-se do nome do santo, incitava o povo a exterminar os judeus. Em seguida, empreendeu uma viagem triunfal pela Renânia, onde realizou numerosos milagres, segundo o testemunho dos que o acompanhavam. O imperador Conrado III recebeu a Cruz das mãos do santo e partiu à frente de um exército, em maio de 1147; Luís da França o seguiu pouco depois. Mas a Segunda Cruzada resultou em fracasso. Os exércitos de Conrado foram desfeitos na Ásia Menor, e o único feito de Luís foi sitiar Damasco. O fracasso deveu-se, em grande parte, aos próprios cruzados, muitos dos quais haviam partido unicamente por cobiça e, na primeira oportunidade, cometeram toda classe de excessos. Os que se uniram à empresa por motivos de penitência e religião tiveram ocasião de exercitar heroicamente a virtude, mas deve-se reconhecer que o preço daquele exercício ascético foi demasiado elevado. O fracasso da Cruzada levantou uma tempestade contra São Bernardo, que se havia mostrado seguro do triunfo. O santo respondeu que confiara em que Deus abençoaria uma Cruzada empreendida em sua honra, mas que os excessos dos cruzados haviam sido a causa de sua própria perdição. Por outro lado, quem poderia julgar o sucesso ou o fracasso de uma empresa? e “como ousariam os mortais reprovar o que eram incapazes de compreender?”
No começo de 1153, o santo padeceu sua última enfermidade. Desde muito antes, já vivia no Céu pelo desejo, embora por humildade qualificasse de fraqueza esse anseio: “Os santos ansiavam morrer para ver a Cristo; eu o desejo ao me ver acosado pelo escândalo e o mal. Confesso que me falta coragem para enfrentar a violência da tempestade”. Na primavera, Bernardo se recuperou um pouco e teve de abandonar pela última vez Claraval para acudir em socorro dos necessitados. Os habitantes de Metz queriam a todo custo vingar-se do duque de Lorena, que havia atacado a cidade. Para impedir o derramamento de sangue, o arcebispo de Tréveris foi a Claraval suplicar a Bernardo que o ajudasse a reconciliar os inimigos. O santo, esquecendo-se de sua própria doença, se trasladou imediatamente a Lorena, onde conseguiu que os dois bandos depusessem as armas e assinassem um tratado. Mas a doença de Bernardo se agravou em sua volta a Claraval e teve de receber os últimos sacramentos. Os monges se reuniram ao redor de seu abade com lágrimas nos olhos e este os confortou e animou, dizendo-lhes que um servo inútil devia deixar o lugar a outros e que era necessário derrubar a árvore estéril. Embora o amor que professava a seus filhos o impelisse ao desejo de permanecer com eles, sua ânsia de ver a Cristo o tinha feito desejar a morte desde muito tempo. “Estou crucificado entre estes dois desejos, e não saberia por qual decidir-me. Coloquemo-nos nas mãos de Deus e deixemos que Ele decida”. Deus decidiu chamar a Si o santo em 20 de agosto de 1153. Bernardo tinha então sessenta e três anos e havia sido abade durante trinta e oito. Os monges de Claraval já tinham fundado sessenta e oito mosteiros. Não é, por conseguinte, exagerado considerar a São Bernardo como um dos fundadores da ordem cisterciense, já que foi ele quem a tirou da obscuridade e a fez famosa em todo o Ocidente. São Bernardo foi canonizado em 1174. Em 1830 foi proclamado Doutor da Igreja, o “Doutor Melífluo”.
São Bernardo “levou sobre os ombros o século XII e não pôde deixar de sofrer sob esse peso enorme”. Em vida foi o oráculo da Igreja, a luz dos prelados, o reformador da disciplina e, depois de sua morte, não cessou de fortalecer e instruir a Igreja com seus escritos. Henrique de Valois, esse grande erudito francês do século XVII, não vacilava em afirmar que entre as obras dos Padres da Igreja as de São Bernardo eram as mais úteis para fomentar a piedade. Sixto de Siena, que se havia convertido do judaísmo, escreveu: “As palavras de Bernardo são sempre suaves e ardentes; leite e mel deleitosos manam de sua boca e o aceso amor que arde em seu peito aquece os corações”. Erasmo dizia que São Bernardo era “alegre, amável e apaixonado”, “cristão erudito, de santidade eloquente e devoção radiante e amável”. Todos os católicos e protestantes de importância, desde Inocêncio II até o cardeal Manning, de Lutero a Frederico Barrison, reconheceram a santidade de Bernardo e a grandeza de seus escritos, nos quais o vigor se une à doçura e a caridade à rudeza; porque o santo repreendia para corrigir, não para insultar. Tão profundamente havia meditado a Sagrada Escritura, que seu próprio estilo lembra a cada passo o da Bíblia e tem algo do calor particular do texto sagrado. Bernardo conhecia bem os escritos dos Padres da Igreja, sobretudo os de Santo Ambrósio e Santo Agostinho, aos quais citava com frequência. Embora tenha vivido depois de Santo Anselmo, o primeiro escolástico, e embora sua época já fosse escolástica, São Bernardo tratava os temas teológicos à maneira dos antigos escritores eclesiásticos. Por isso e pela excelência de seus escritos, classifica-se entre os Padres da Igreja e, se bem foi o último deles, é sem dúvida um dos que mais podem ajudar aos que queiram aprofundar-se na religião e progredir no fervor.
Os principais materiais biográficos de São Bernardo encontram-se reunidos na Patrologia Latina de Migne, vol. 185. O melhor texto da Vita prima é o de Waitz em MGH., Scriptores, vol. xxvi. Dita obra, que é a fonte mais importante, consta de cinco seções escritas por três autores diferentes: Guilherme de Saint-Thierry, Arnoldo de Bonneval e Godofredo de Auxerre; além da parte propriamente biográfica, há uma coleção de milagres. Existem também as biografias escritas por Alano de Auxerre, João o Eremita, etc., sem falar das lendas posteriores, como o Exordium Magnum de Conrado de Eberbach, e o Liber Miraculorum de Herberto. Todas estas fontes e a correspondência do santo foram estudadas por G. Hüffer em Vorstudien (1886). Também as estuda a fundo E. Vacandard no primeiro capítulo de sua Vie de Saint Bernard (1910), que continua sendo a biografia mais autorizada. Existem muitíssimas biografias de tipo mais popular: G. Goyau (1927); F. Höver (1927); A. Luddy, Life and Teaching of Saint Bernard (1927), obra volumosa mas não muito exata. Também rendem tributo a São Bernardo numerosos escritores e historiadores não católicos, como J. Cotter Morrison (1877), R. S. Storrs (1893), Watkin Williams (1935) e G. G. Coulton, Five Centuries of Religion, vol. I. A obra de E. Gilson, Mystical Theology of St Bernard, apareceu em 1940. A obra de J. Leclercq, St Bernard Mystique (1948) inclui 200 páginas de passagens tomadas dos escritos do santo. Dom Leclercq está atualmente trabalhando na edição crítica das obras de São Bernardo. Vejam-se os dois volumes publicados pela Assoc. Bourguignonne des Sociétés Savantes, St Bernard et son temps (1928); cf. D. Knowles, The Monastic Order in England (1949). Entre as principais obras publicadas em 1953 citaremos a tradução inglesa das cartas de São Bernardo, feita por B. Scott James, e o Bernard de Clairvaux editado por Dom Jean Bouton, que contém importantes documentos biográficos. [1]

Em 29 de abril de 1951, o Papa Pio XII beatificou um grupo de vinte e cinco mártires. Todos pertenciam ao vicariato do Tonquim central e pereceram durante a mesma perseguição.
A ascensão ao trono de Tu-Duc, em 1847, foi saudada com júbilo pelos missionários, por acreditarem que o novo rei favorecería o catolicismo. Mas uma rebelião do irmão mais velho do monarca, com o objetivo de derrubá-lo, mudou os planos de Tu-Duc. Ele atendeu aos clamores da opinião pública, que acusava os católicos de cumplicidade no movimento, e publicou o decreto de perseguição. No entanto, durante alguns anos, Tu-Duc mostrou-se relativamente tolerante, talvez por temor à reação de Napoleão III. Infelizmente, algumas torpezas dos franceses foram interpretadas por Tu-Duc como prova de sua impotência e, sem qualquer temor, desencadeou em 1857 a perseguição mais violenta de que se tenha notícia no país.
No Tonquim central, a primeira vítima foi o vigário apostólico, monsenhor José Díaz Sanjurjo. Este nasceu em 1818, perto de Lugo, Espanha. Após seus estudos no seminário diocesano e na Universidade de Compostela, ingressou na Ordem dos Pregadores, na qual esperava realizar mais facilmente suas aspirações de vida missionária. Tomou o hábito em Ocaña, em 23 de setembro de 1824, fez sua profissão no ano seguinte e foi ordenado sacerdote em 23 de março de 1844. Pouco depois, embarcou para Manila com outros cinco religiosos. Permaneceram nas Filipinas alguns meses, durante os quais foi professor de letras na Universidade. No dia de Páscoa de 1845, chegou ao Tonquim.** Como superior do seminário indígena de Luc-Thuy, foi obrigado a fugir devido a um motim dos pagãos e refugiou-se em Cao-Xá.
Os primeiros decretos persecutórios de Tu-Duc não o inquietaram muito. Em 1849, foi nomeado coadjutor do vigário apostólico do Tonquim central, monsenhor Martí. Ocupou o cargo em 1852 e fixou sua residência em Bui-Chu. As ameaças de perseguição se intensificaram. Em 1857, um novo mandarim ambicioso, que queria mostrar seu zelo e conquistar a recompensa prometida por capturar o bispo, chegou a Bui-Chu. Seus soldados cercaram a casa do bispo, o prenderam, arrancaram-lhe a cruz peitoral e o anel e o jogaram na prisão. Dois meses depois, em 20 de julho de 1857, lhe cortaram a cabeça.
Seguiu pelo caminho do martírio seu coadjutor, monsenhor Melchor García Sampedro. Este nasceu perto de Cienfuegos, em Astúrias, em 29 de abril de 1821. Fez seus estudos em Oviedo e obteve muito sucesso apesar da pobreza de sua família, que o obrigava a viver em condições econômicas muito limitadas. Após obter seu bacharelado em teologia, foi professor suplente de lógica, mas renunciou ao cargo, apesar da oposição de seus pais, para entrar no noviciado dos dominicanos de Ocaña, em agosto de 1845. Após ser ordenado sacerdote em Madrid, três anos depois partiu para Manila e, uma vez lá, pediu para ser enviado ao Tonquim. Chegou em fevereiro de 1849. Logo foi nomeado protovigário provincial e depois vigário provincial. Foi consagrado bispo em 10 de setembro de 1855, quando os éditos persecutórios se tornavam cada vez mais duros.
Foi preso no início de julho de 1858. Vinte dias depois, em 28 de julho, foi tirado da prisão e levado, carregado de correntes, ao local do tormento. Depois de jogá-lo no chão, nu e desarticulado, o amarraram fortemente a uma estaca. Os carrascos cortaram suas mãos e pernas enquanto ele invocava incessantemente o nome de Jesus. Finalmente, lhe cortaram a cabeça, arrancaram suas entranhas e as jogaram em uma vala. Seus pobres restos foram entregues aos elefantes para serem pisoteados. Mas esses animais recusaram-se tão obstinadamente que os testemunhos, aterrorizados, avisaram ao imperador, que ordenou matar as bestas a tiros no próprio local da execução.
Alguns meses depois, em 5 de novembro de 1858, foi executado um sacerdote autóctone que havia entrado na Ordem dos Pregadores em Mau. Era muito piedoso e portava seu rosário ostensivamente. Quis morrer com as mãos juntas como se participasse de uma cerimônia sagrada. Três ricos notáveis da província de Nam-Dinh, casados e pais de família, Domingo An-Kham, chefe de sua aldeia, seu filho Lucas Cai-Thin e José Cai-Ta, foram denunciados como cristãos. Em seguida foram presos e suas casas entregues ao saque e às chamas. Após quatro meses de prisão, foi-lhes anunciado que estavam condenados à morte por rebelião. Essa acusação inquietou Cai-Thin, mas ele permaneceu firme quando lhe explicaram que sua rebelião consistia em recusar pisotear a cruz. Foram executados em 13 de janeiro de 1859.
Ha-Long foi preso quando saía de seu esconderijo para cumprir seu ministério. Domingo Cam, sacerdote nativo e terciário dominicano, também foi preso. Em 11 de março de 1859, foi decapitado e esquartejado.
Outro sacerdote nativo, Tomás Khuong, foi reconhecido ao tentar atravessar a ponte de Tran-Xa sem pisar sobre a cruz, colocada ali para ser pisada pelos transeuntes. Foi preso e, por se recusar a cometer o sacrilégio, foi decapitado com um machado em 30 de janeiro de 1860.
José Tuán, sacerdote dominicano, foi traído por um apóstata e preso. Também teve a cabeça cortada em abril de 1861.
Em agosto de 1861, Tu-Duc publicou outro novo decreto pelo qual os cristãos eram condenados a serem marcados na face, expulsos das cidades pagãs e perder todos os seus bens, sem se preocupar em impor sanções mais graves, pois os governadores de distrito podiam aplicar a pena de morte a seu bel-prazer. Assim, o Tonquim central encontrava-se, em 1862, nas mãos do mais cruel e sanguinário dos tiranos.
José Tuán, pai de família e agricultor, destacava-se por sua piedade. Os carrascos o convidaram a pisotear uma cruz, mas ele, ajoelhando-se junto a ela, disse: “Tu és minha força”. Foi martirizado em 7 de janeiro de 1862, aos trinta e seis anos.
Laureano Ngon já havia sido preso uma vez por se recusar a pisar um crucifixo. Foi libertado, mas preso novamente em An-Xa. Incentivou a coragem dos demais detidos. O juiz tentou fazê-lo fraquejar: “És ainda muito jovem, por que queres morrer? Pise a cruz e poderás voltar para tua família.” Laureano respondeu: “Professo a religião do Senhor do Céu e da terra e jamais renegarei d’Ele pisando Sua cruz. Se me deixarem viver, está bem; se não, morro com grande deleite.” Deixando à esposa e aos filhos o exemplo de seu martírio heroico, morreu em 22 de maio, após oito meses e meio de prisão.
Por não ter querido pisar a cruz, José Tuc, um jovem de dezenove anos, foi decapitado no mesmo local de sua recusa em 10 de junho de 1862, e Domingo Ninh, humilde agricultor de vinte anos, sofreu a mesma pena em An-Triem, no dia seguinte.
Pablo Doung era um homem famoso. Foi preso também por se recusar a pisar com os pés numa cruz, e foi açoitado com tanta fúria que seu corpo ficou transformado em uma chaga. Quiseram marcar-lhe uma bochecha com as palavras “falsa religião”, segundo o decreto de Tu-Duc, mas ele se opôs terminantemente a aceitar aquela marca, pelo que o castigaram privando-o de alimentos. Um dia, o mandarim viu que ele havia feito marcar numa bochecha, por um cristão prisioneiro, as palavras “verdadeira religião”. Essa audácia lhe valeu ser condenado à morte e executado em 3 de junho de 1862.
Pescadores e bons pais de família, vizinhos de Dong-Thanh, Domingo Toai e Domingo Huyen, foram presos, pelo simples fato de serem cristãos. Foram queimados vivos em 5 de junho de 1862. No dia seguinte, outros dois pescadores de Dong-Phu, Pedro Dung e Pedro Huyen, e um agricultor de Doan-Trung, Vicente Doung, sofreram o mesmo suplício.
Cinco ricos agricultores, Domingo Nguyen e Domingo Nhi, Domingo Mao, Vicente e Andrés Toung, foram presos juntos em Ngoo-Cu e encarcerados na mesma prisão. Ali dedicaram grande parte do tempo à oração. Em 15 de junho, foram novamente intimados a pisar na cruz: o juiz os expôs imóveis, ao sol. Em 16 de junho, o juiz tentou novas promessas, elogios e ameaças. Domingo Mao interrompeu-o: “Por que nos trata assim? Nos toma por crianças, que se deixam convencer a ofender a Deus por medo dos tormentos?” Foram condenados à morte e decapitados no mesmo dia.
Finalmente, em 17 de junho de 1862, um cristão de sessenta anos, Pedro Da, foi queimado vivo em Qua-Linh, onde estava exilado.
Muitos outros cristãos foram martirizados nessa época no vicariato do Tonquim que, como sempre acontece, demonstrou por isso, com o passar do tempo, uma extraordinária vitalidade cristã.
Acta Apostolicae Sedis, vol. XLur, 1951, pp. 305-310. Vie spirituelle, vol. IXXXV, 1951 pp. 388-394, I Beati Giuseppe Diaz Sanjurjo, O.P., Melchior García Sampedro, O.P., e 23 companheiros mártires nas missões dominicanas do Tonquim de 1857 a 1862, Roma, 1951. Relação do estado da missão dominicana do Reino de Tonquim, concentrada no Vicariato Apostólico central durante o ano de 1854, escrita pelo venerável S. D. Fr. José Diaz Sanjurjo, bispo de Platea e vigário apostólico do mesmo. A obra foi publicada pelo P. provincial Fr. Julián Velichen, Manila, 1858, Annales de la propagation de la foi, vol. XXV, Lyon, 1853 p. 477; vol. XXX, 1859, pp. 63-75. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 364–370.
Ibid. pp. 372-375.
NOTA: * Tonquim, um dos Estados do Vietnã (Federação da Indochina). N. de E.
** A esses mártires faz-se referência no artigo dedicado aos “Mártires da Indochina”, em 11 de julho.
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