Vida de Santos Cosme e Damião e São Eleázar e Beata Delfina (27 de setembro)
- Sacra Traditio

- 27 de set.
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Cosme e Damião são os mais conhecidos e os principais no grupo de santos venerados no Oriente e chamados coletivamente dvapyupol, “os sem dinheiro”, porque praticavam a medicina sem aceitar nenhum pagamento nem recompensa de seus pacientes. Embora alguns escritores tenham afirmado que conseguiram extrair das “atas”, fabulosas e sem valor histórico, desses santos, alguns fragmentos dos originais autênticos, perdidos há séculos, na opinião do padre Delehaye, “é muito provável que a origem e a verdadeira história de Cosme e Damião jamais cheguem a ser esclarecidas pelas investigações”. Alban Butler resume a essência de sua história desta maneira:
Cosme e Damião eram irmãos gêmeos, naturais da Arábia; estudaram as ciências na Síria e chegaram a se distinguir por sua habilidade na medicina. Como eram cristãos e estavam impulsionados pelo santo sopro da caridade em que se nutre o espírito de nossa bendita religião, praticavam sua profissão com toda a perícia e notável sucesso, mas sem jamais aceitar pagamento algum por seus serviços. Viviam em Aegeae, sobre a costa da baía de Alexandreta, na Cilícia, onde ambos eram distinguidos pelo carinho e respeito de todo o povo por causa dos muitos benefícios que sua caridade prodigalizava entre as gentes e pelo zelo com que praticavam a fé cristã, já que aproveitavam todas as oportunidades que sua profissão lhes proporcionava para difundi-la e propagá-la. Em consequência, ao começar a perseguição, foi impossível que aqueles irmãos de condição tão distinta passassem despercebidos. Eles foram dos primeiros a serem apreendidos por ordem de Lísias, o governador da Cilícia e, depois de terem sido submetidos a diversos tormentos, morreram decapitados pela fé. Conduzidos seus restos à Síria, ficaram sepultados em Cirro, cidade que se tornou o centro principal de seu culto e onde as referências mais antigas situam o cenário de seu martírio.

As lendas adornam essa simples história com numerosas maravilhas. Diz-se, por exemplo, que, antes de serem decapitados, saíram ilesos de vários tipos de execução infalíveis, como ser lançados à água atados a pesadas pedras, serem queimados em fogueiras e serem crucificados. Quando estavam pregados às cruzes, a multidão os apedrejou, mas os projéteis, sem tocar no corpo dos santos, ricochetearam para ferir os mesmos que os lançavam. O mesmo aconteceu com as flechas disparadas pelos arqueiros, que torceram sua trajetória e fizeram fugir apressadamente os atiradores (conta-se que o mesmo caso ocorreu com São Cristóvão e outros mártires). Da mesma forma, diz a lenda que os três irmãos de Cosme e Damião, chamados Antimo, Leôncio e Euprépio, sofreram o martírio ao mesmo tempo que os gêmeos, e seus nomes são mencionados no Martirológio Romano. Fala-se de inúmeros milagres, sobretudo curas maravilhosas, realizadas pelos mártires após sua morte e, às vezes, os próprios santos apareciam em sonhos àqueles que os invocavam em seus sofrimentos, a fim de curá-los imediatamente. Foi o que aconteceu com alguns pagãos no próprio templo de Esculápio e Serápis. Entre as pessoas ilustres que atribuíram sua cura de enfermidades gravíssimas aos Santos Cosme e Damião, figurou o imperador Justiniano I, que visitou a cidade de Cirro especialmente para venerar as relíquias de seus benfeitores. No início do século V, foram erguidas em Constantinopla duas grandes igrejas em honra dos mártires. A basílica que se erigiu em Roma, com belíssimos mosaicos, foi dedicada aos santos por volta do ano 530. Os Santos Cosme e Damião são nomeados no Cânon da Missa e, junto com São Lucas, são os Padroeiros de Médicos e Cirurgiões. Por um erro, os cristãos de Bizâncio honraram três pares de santos com o mesmo nome. “É necessário saber”, diz o Sinaxário de Constantinopla, “que há três grupos de mártires com os nomes de Cosme e Damião: os da Arábia, que foram decapitados durante a perseguição de Diocleciano (17 de outubro), os de Roma, que morreram apedrejados no curso do reinado de Carino (1º de julho) e os filhos de Teódota, que morreram pacificamente”. No entanto, todos esses santos são os mesmos.
Como já se disse, os médicos honram Cosme e Damião como seus padroeiros, assim como a São Pantaleão e a São Lucas. Bem-aventurados sejam os dessa profissão que procuram imitar seus patronos e aproveitam as oportunidades de exercer a caridade que, com tanta frequência, lhes oferece a medicina, e saibam dar alívio corporal, às vezes consolo espiritual, e ajudar os que sofrem, com especial generosidade entre os pobres.

Santo Ambrósio, São Basílio e São Bernardo nos deixaram advertências contra um cuidado excessivo pela conservação da saúde, como sinal de egoísmo e falta de confiança em Deus. Contudo, nada é tão prejudicial para a saúde quanto a falta de cuidados e, se o homem não é dono de sua vida nem de sua saúde, está obrigado a cuidar delas razoavelmente e não a perdê-las ou prejudicá-las por descuido. Desconsiderar os mais simples e comuns socorros que nos oferece a medicina equivale a transgredir essa norma de caridade que todos devemos a nós mesmos. Os santos que condenaram tratamentos ou métodos de cura difíceis, longos ou muito custosos observaram com cuidado escrupuloso, como fez São Carlos Borromeu, as prescrições dos médicos nos remédios simples e ordinários. Mas, de qualquer forma, que os cristãos enfermos procurem, em primeiro lugar, a saúde da alma por meio da penitência e do exercício da paciência.
As diversas versões da paixão desses santos se encontram catalogadas no BHG e no BHL. Os textos impressos no Acta Sanctorum, setembro, vol. VI, ilustram profusamente seu caráter fabuloso. No CMH, pp. 528-529, fazem-se referências ao antiquíssimo culto desses santos, assim como em The Legends of the Saints, Les Origines du culte des Martyrs e outras obras de Fr. Delehaye. Os dados fornecidos por L. Deubner em Kosmas und Damianus (1907) merecem especial atenção. Cf. também o Catholic Medical Guardian, outubro de 1923, pp. 92-95, de Fr. Thurston. Aos Santos Cosme e Damião se faz menção nos preparativos da Missa Bizantina. [1]

No ano de 1285 veio ao mundo Eleázar de Sabran no castelo que seu pai possuía junto à cidade de Ansouis, na Provença. Por parte de sua mãe, recebeu valiosas lições de virtude que foram aperfeiçoadas por seu tio Guilherme de Sabran, abade de São Vítor em Marselha, que se encarregou de educá-lo no mosteiro. O abade teve de repreender seu sobrinho pelas excessivas mortificações que praticava; no entanto, em seu íntimo, admirava um fervor tão grande em um jovem nobre. Quando Eleázar ainda era criança, foi ajustado seu matrimônio com Delfina de Glandeéves, filha e herdeira do senhor de Puy-Michel que, tendo ficado órfã desde menina, ficou ao cuidado de alguns tios seus e foi educada por outra tia que era abadessa. Quando tanto Delfina quanto Eleázar completaram dezesseis anos realizou-se o matrimônio. Afirma-se que a jovem, aconselhada por um frade franciscano, pediu a seu esposo que guardassem a continência no matrimônio, mas passou bastante tempo antes que Eleázar aceitasse. No entanto, a partir de então, o mundo viu naquela virtuosa união a prática da devoção religiosa em meio às dignidades seculares, da contemplação no ruído da vida pública e uma rivalidade amistosa de parte de um e de outro para fazer o bem e prodigalizar sua caridade. Eleázar recitava diariamente o ofício divino e comungava com muita frequência. “Eu creio”, disse certa vez a Delfina, “que nenhum homem sobre a terra sente uma felicidade tão grande como a que eu experimento ao receber a santa comunhão.”
Quando Santo Eleázar fez vinte anos, pediu ao avô, com quem morava, autorização para mudar-se com a esposa para um castelo pertencente a ela. Neste local, organizou de tal forma seu lar, que mais parecia um mosteiro que a residência de um conde. Escreveu as seguintes regras memoráveis para seus servos e os outros moradores da casa:
Ouvir todos os dias a Santa Missa.
Confessar-se todas as semanas e comungar uma vez por mês.
Trabalhar com diligência.
Abster-se de blasfêmias, maldições e conversas licenciosas.
Levar uma vida pura.
Evitar brincar com dados e outros jogos de azar.
Manter a paz e a harmonia entre si e, após uma discussão, reconciliar-se antes do fim do dia.
Reunir-se diariamente para uma leitura espiritual.[2]
Eleázar tinha vinte e três anos quando herdou os títulos, a fortuna e as terras de seu pai e viu-se obrigado a viajar à Itália para tomar posse das propriedades em Ariano. Ali encontrou seus vassalos, os camponeses napolitanos que habitavam em suas terras, com uma má disposição manifesta para com o novo senhor e Eleázar teve de lançar mão de todo o seu tato e bondade natural para arrumar as coisas satisfatoriamente. Naquela ocasião, um primo seu comentou que seus modos delicados e seus métodos brandos não serviam para nada e lhe propôs: “Deixa-me tratar com essa gente em teu nome. Mandarei enforcar alguns e deixarei o resto suave como um cordeiro. Está bem conduzir-se como ovelha no rebanho, mas se andas entre lobos tens que ser como leão. A insolência de teus servos deve ser castigada. Dá-me mão livre e aplicarei em teu lugar golpes tão fortes e eficazes que essa plebe não voltará a incomodar-te nunca.” A essa peroração respondeu sorridente Eleázar: “Pedis-me que comece a governar meus domínios com matanças e sangue? Eu chegarei a conquistar a vontade desses homens com o bem. Não é façanha alguma que o leão devore os cordeiros, mas que uma ovelha despedaçe um leão já é outra coisa. Agora, com a ajuda de Deus, verás realizar-se esse milagre.”

Os resultados que Eleázar obteve com seus métodos confirmaram plenamente sua previsão. Relatemos outro exemplo da forma como praticava as normas do cristianismo. Entre os papéis que deixou seu pai, encontrou as cartas de certo cavaleiro, cheias de calúnias contra ele e de argumentos para convencer o senhor a deserdar seu filho único porque era um incapaz, destinado mais à vida do convento que a defender suas terras com as armas. Delfina experimentou uma indignação desbordante ao saber do conteúdo daquelas cartas e pediu a seu esposo que respondesse ao malvado cavaleiro como merecia. Mas Eleázar lhe recordou que Jesus Cristo nos havia recomendado perdoar as injúrias e não tomar vingança, combater o ódio com a caridade. Em consequência, destruiu imediatamente aquelas cartas e não voltou a se fazer menção do assunto. Pouco tempo depois, o autor da intriga apresentou-se no castelo, e Eleázar o acolheu com extraordinária amabilidade e acabou conquistando sua amizade.
É um grave erro crer que se pode ser verdadeiramente devoto se se dedica muito tempo à oração e, por isso, descuidam-se ou esquecem-se as preocupações temporais. Pelo contrário, as pessoas de virtudes mais firmes são as mais capazes de lidar com os assuntos deste mundo. A piedade de Eleázar não só fez dele um devoto fiel, mas também um homem prudente e hábil no manejo das questões temporais, tanto privadas quanto públicas; valoroso na guerra, ativo na paz, leal para todos e zeloso guardião de seu lar, para cujo governo impôs regulamentos bem meditados. Ele mesmo dava o exemplo em tudo o que ordenava fazer aos demais, e Delfina, sua esposa, apoiava todas as suas opiniões e lhe dispensava uma perfeita obediência. Jamais houve desarmonia ou esfriamento no afeto daquela virtuosa união. Delfina nunca esqueceu que as devoções de uma mulher casada devem seguir outro sistema que as de uma monja, nem que a contemplação pode se harmonizar com a ação, nem que Marta e Maria devem ajudar-se mutuamente.
Por volta do ano de 1317, Eleazar regressou a Nápoles e levou consigo a sua esposa, que era uma das damas de honra da rainha Sancha, esposa do rei Roberto. Os reis nomearam Eleazar tutor de seu filho Carlos. Aquele jovem príncipe era insuportavelmente altivo, muito cheio de si mesmo e de sua alta posição, intratável e com todos os defeitos dos cortesãos. O conde Eleazar advertiu desde o primeiro momento as perigosas inclinações de seu pupilo, mas não disse uma palavra sobre elas, até que tivesse conquistado seu afeto e sua confiança. Então, Eleazar conduziu o jovem Carlos por melhores caminhos e o devolveu a seu pai transformado em um homem de proveito. Naquele tempo, o rei teve necessidade de um juiz prudente e enérgico para a turbulenta região dos Abruzos, e Eleazar foi ocupar o cargo. Alguns anos depois, o monarca o enviou a Paris a fim de pedir a mão de Maria de Valois para seu filho Carlos. Por ocasião dessa viagem, Delfina se mostrou um tanto preocupada ante a perspectiva de que seu marido se envolvesse com os escandalosos e pouco recomendáveis personagens da corte francesa, mas Eleazar lhe respondeu com certa secura que, se por graça de Deus havia conseguido conservar sua virtude em Nápoles, não era provável que a perdesse em Paris. Na realidade, o perigo que o aguardava na capital francesa era de outra natureza. Depois de ter cumprido sua missão, caiu enfermo e já não voltou a recuperar-se. Assim que sentiu os efeitos do mal, fez uma confissão geral e não deixou de confessar-se nem um só dia ao longo de sua doença, apesar de que, segundo afirmam seus biógrafos, nunca ofendeu a Deus com um pecado mortal. Diariamente também mandava ler a história da Paixão de Cristo, porque assegurava encontrar nela um grande consolo para seus sofrimentos. Ao receber o viático exclamou cheio de alegria: “Realizou-se a minha esperança! Assim quero morrer!” E no dia 27 de setembro de 1323, morreu nos braços do frade franciscano que tinha sido seu confessor. Por volta do ano de 1309, Eleazar tinha sido o padrinho de batismo de seu sobrinho, Guilherme de Grimoard, uma criança enfermiça, que, anos mais tarde, recuperou a saúde e a força graças às preces elevadas por seu padrinho. Cinquenta e três anos depois, aquele menino débil se converteu no enérgico Papa Urbano V, que, em 1369, assinou o decreto de canonização de São Eleazar. A este santo se menciona no Martirológio Romano neste dia.

A Beata Delfina sobreviveu a seu esposo trinta e sete anos. Depois da morte do rei Roberto, a rainha Sancha tomou o hábito das Clarissas Pobres em um convento de Nápoles e assim continuou sua vida, sem apartar-se de Delfina, que era sua conselheira e guia nos exercícios da vida espiritual. Ao morrer a soberana, Delfina regressou à sua Provença natal, onde levou uma existência de reclusão, primeiro em Cabriéres e depois em Apt. Quase todos os seus bens os distribuiu entre os pobres e, durante os últimos anos de sua vida, sofreu uma dolorosa enfermidade que suportou com heroica paciência. Morreu no ano de 1360 e foi sepultada no túmulo de seu esposo, em Apt. Uma antiga tradição diz que tanto São Eleazar como a Beata Delfina eram membros da terceira ordem de São Francisco e, por isso, são especialmente venerados pelos franciscanos; no suplemento franciscano do martirológio, a Beata Delfina é comemorada em 9 de dezembro, ainda que, ao que parece, tenha morrido em 26 de novembro.
Os materiais manuscritos colecionados e impressos pelos bolandistas em seu volume VII para setembro são de considerável interesse. A essas fontes de informação recorreu o Pe. Girard para escrever uma biografia de tipo popular, intitulada: Saint Elzéar de Sabran et la B. Delphine de Signe (1912). O ofício litúrgico que outrora se rezava na Festa deste santo e da beata encontra-se no Archivum Franciscanum Historicum, vol. X (1917), pp. 231-238. Há outra boa biografia de tipo popular escrita em francês por G. Duhamelet (1944). [3]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 682-684.
Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 394ss.
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 684-687.


























Em nossas necessidades valei-nos a intersecção dos gloriosos Mártires São Cosme e Damião!