Vida de Santo Anacleto, 3º papa e Santo Eugênio de Cartago (13 de julho)
- Sacra Traditio

- 13 de jul.
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Atualizado: 14 de jul.
SANTO ANACLETO, PAPA MÁRTIR (Século I)

Santo Anacleto é tradicionalmente reconhecido como o terceiro Papa, sucessor de São Pedro e São Lino. O Liber Pontificalis informa que Anacleto, também chamado Cleto, nasceu em Atenas, na Grécia, e era filho de Antíoco. Viveu sob os imperadores Vespasiano, Tito e Domiciano, sendo este último responsável por uma das perseguições mais severas aos cristãos, embora Anacleto já tivesse falecido antes da intensificação dessa repressão, no ano 92. Durante seu governo, segundo a tradição, ordenou vinte e cinco presbíteros e impôs-lhes a tonsura, prática clerical que perduraria por muitos séculos. Também teria organizado a cidade de Roma em vinte e cinco paróquias e supervisionado a construção de um sepulcro junto ao túmulo do Apóstolo São Pedro, na Necrópole Vaticana, onde ele próprio foi sepultado após sua morte.
Durante séculos, houve debate sobre a identidade de Cleto e Anacleto. A tradição cristã primitiva apresenta variações significativas quanto à ordem dos primeiros sucessores de São Pedro, e também quanto à distinção — ou não — entre os nomes “Cleto” e “Anacleto”, como podemos ver na Enciclopédia Católica: "O segundo sucessor de São Pedro. Se ele era o mesmo que Cletus, que também é chamado Anencleto, assim como Anacleto, tem sido objeto de intermináveis discussões. Irineu, Eusébio, Agostinho, Optato usam ambos os nomes indiferentemente como se fossem a mesma pessoa. Tertuliano o omite completamente. Para aumentar a confusão, a ordem é diferente. Assim, Irineu apresenta [São Pedro], Lino, Anacleto, Clemente; enquanto Agostinho e Optato colocam Clemente antes de Anacleto. Por outro lado, o "Catalogus Liberianus", o "Carmen contra Marcionem" e o "Liber Pontificalis", todos muito respeitáveis pela sua antiguidade, distinguem Cletus e Anacleto como pessoas diferentes; enquanto o "Catalogus Felicianus" ainda classifica o último como grego, e o primeiro como romano. Entre os modernos, Hergenröther (Hist. de l'église, I 542, nota) defende a sua identidade. Assim também o bolandista De Smedt (Dissert. vii, 1). Döllinger (Christenth. u K., 315) declara que "eles são, sem dúvida, a mesma pessoa" e que "o 'Catálogo de Liberius' merece pouca confiança antes de 230." Duchesne, em "Origines chrétiennes", também se posiciona desse lado, mas Jungmann (Dissert. Hist. Eccl., I, 123) deixa a questão em dúvida. A cronologia é, claro, em consequência de tudo isso, muito incerta, mas Duchesne, em sua obra "Origines", diz: "Estamos longe do dia em que os anos, meses e dias do Catálogo Pontifício possam ser dados com qualquer garantia de exatidão. Mas é necessário ser exato sobre papas sobre os quais sabemos tão pouco? Podemos aceitar a lista de Irineu — Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo, Alexandre, Sixto, Telesforo, Higino, Pio e Aniceto. Aniceto reinou certamente em 154. Isso é tudo que podemos dizer com segurança sobre a cronologia pontifical primitiva." Que ele ordenou um certo número de padres é quase tudo o que temos de registro positivo sobre ele, mas sabemos que morreu mártir, talvez por volta do ano 91." [1]

A confusão foi alimentada por catálogos antigos. O Catalogus Liberianus e o Carmen contra Marcionem consideravam Cleto e Anacleto como pessoas distintas; o Catalogus Felicianus afirmava que Anacleto era grego, enquanto Cleto era romano, como vimos acima. A resolução definitiva dessa disputa veio com o Annuario Pontificio de 1947, que estabeleceu oficialmente que Anacleto e Cleto são a mesma pessoa. Essa conclusão foi corroborada por estudos críticos como os de Louis Duchesne, cujas pesquisas filológicas e históricas consolidaram essa identificação como padrão na historiografia eclesiástica contemporânea. Além disso, o Liber Pontificalis identificava Cleto como o sucessor direto de São Lino e Orígenes aceita a lista de Santo Irineu de Lyon como verdadeira. Já os martirológios antigos ajudam a esclarecer a identidade comum entre os dois: o Martirológio Jeronimiano registra "Cleti martyris" em 26 de abril,* enquanto o Martirológio de Beda, na mesma data, menciona "Sancti Cleti Papae et martyris", evidenciando que a tradição litúrgica via ambos os nomes como pertencentes ao mesmo papa.
SANTO EUGÊNIO, BISPO DE CARTAGO (505 d.C.)

As províncias romanas da África foram durante muito tempo uma das regiões mais ricas e mais importantes do Império. Mas, quando os imperadores descuidaram do restante do Império para defender a Itália, Genserico, o rei dos vândalos, apoderou-se em pouco tempo das férteis províncias africanas (428 d.C.). Os vândalos, que eram "cristãos" contaminados pela heresia ariana, devastaram o norte da África, saquearam igrejas e mosteiros, queimaram vivos dois bispos e torturaram vários outros para que lhes entregassem os tesouros de suas igrejas, arrasaram os edifícios públicos de Cartago e desterraram o bispo da cidade, São Quodvultdeus, juntamente com muitos outros. Excluindo o breve governo de São Deográcio, a sé episcopal de Cartago ficou vacante durante meio século. No ano 481, Hunerico, o sucessor de Genserico, permitiu aos católicos eleger um bispo para Cartago, sob certas condições. A escolha do povo recaiu sobre Eugênio, um cidadão de Cartago que se distinguia por sua sabedoria, zelo, piedade e prudência. Eugênio tornou-se tão amado por seu rebanho, que todos os cristãos teriam dado de bom grado a vida por ele. Uma de suas virtudes mais notáveis era a caridade para com os pobres, especialmente se levarmos em conta a penúria em que ele mesmo vivia; mas o santo sempre dava um jeito de encontrar benfeitores para os pobres e ele mesmo se privava de tudo o que era supérfluo para lhes dar. Quando alguém lhe dizia que devia guardar algo para si, Eugênio respondia: “Já que um Bispo deve dar a vida por suas ovelhas, seria imperdoável que eu me preocupasse demais com as necessidades passageiras do meu corpo”.
O santo tinha tal influência sobre o povo, que o rei começou a se alarmar e proibiu-o de pregar em público e de ocupar a cátedra episcopal. Também lhe deu a ordem de não admitir nenhum vândalo nas igrejas de sua diocese. Eugênio replicou que a lei de Deus o impedia de fechar as portas das igrejas àqueles que desejavam entrar nelas. Então Hunerico colocou uma guarda diante das igrejas católicas e, tão logo se aproximava um homem ou mulher do povo vândalo — facilmente reconhecíveis por suas vestes e longas cabeleiras —, os guardas se apoderavam do intruso, prendiam seus cabelos com os dentes de um garfo de madeira, torciam-nos e, com um puxão violento, arrancavam o cabelo e a pele do crânio. Houve ocasiões em que o puxão dilacerava a pele da testa e das pálpebras, de modo que alguns dos vândalos perderam os olhos e outros morreram em consequênciado castigo brutal. Os guardas costumavam organizar trágicas procissões pelas ruas da cidade, com as mulheres cujas cabeleiras haviam sido arrancadas da maneira descrita, a fim de que o espetáculo terrível servisse de advertência aos demais. Assim teve início uma violenta perseguição na qual não sofreram apenas os vândalos, mas os cristãos em geral.
A princípio os perseguidores deixaram em paz Santo Eugênio. Pouco depois, Hunerico convocou-o, assim como aos outros bispos católicos, para uma reunião com os bispos arianos de Cartago. Santo Eugênio respondeu que a reunião lhe parecia arbitrária, pois os arianos iriam atuar como juízes, e pediu que, se se tratava de uma causa comum, também se convidassem os representantes de outras Igrejas, “especialmente os da Igreja de Roma, que é a cabeça de todas”. O santo acrescentou: “Eu mesmo escreverei a todos os meus irmãos no episcopado para vos mostrar qual é a fé comum da Igreja”. Conta-se que, pela mesma época, um homem chamado Félix, que estivera cego durante muito tempo, pediu ao Santo Eugênio que orasse para que recuperasse a vista, pois, numa visão, fora-lhe ordenado que recorresse ao bispo. Eugênio mostrou-se relutante, mas por fim, depois de ter abençoado a fonte batismal, na véspera da Epifania, disse ao cego: “Já te repeti que sou um pecador e o mais miserável dos homens; no entanto, rogo a Deus que mostre sua misericórdia devolvendo-te a vista pela fé que tens n’Ele”. Em seguida, traçou o sinal da cruz sobre os olhos do cego, e este ficou curado. Hunerico mandou chamar Félix e iniciou uma investigação sobre as circunstâncias do milagre. Como era impossível negar os fatos, os bispos arianos disseram ao rei que Santo Eugênio havia empregado artes mágicas.
No ano 484 reuniu-se finalmente a comissão encarregada de discutir as diferenças entre os católicos e os arianos. A reunião foi uma verdadeira farsa e Hunerico aproveitou a oportunidade da presença dos bispos católicos em Cartago para apoderar-se deles e enviá-los aos trabalhos forçados. Santo Eugênio, que havia alentado seus irmãos a sofrerem pela fé, foi também desterrado, e nem sequer lhe permitiram despedir-se de seus amigos. No entanto, ele deu um jeito de escrever uma carta ao seu rebanho desde o exílio. São Gregório de Tours conservou-nos o texto desse documento, que diz: “Com lágrimas nos olhos, vos rogo e imploro, pelo temor do dia do juízo e da luz deslumbrante que acompanhará a vinda de Cristo, que permaneçais firmes na fé. Permanecei fiéis à graça do batismo e à unção do crisma. Não permitais que aqueles que renasceram pela água voltem a receber a água”. Essa última frase alude ao fato de que os arianos da África, como os donatistas, voltavam a batizar os cristãos que se convertiam ao arianismo. Mais adiante acrescenta que, se permanecerem constantes na fé, nem a distância nem a morte poderão separá-los dele; que ele é inocente do sangue que está para ser derramado, e que sua carta será lida diante do tribunal de Cristo para condenação dos apóstatas. E acrescenta: “Se eu voltar a Cartago, vos verei novamente nesta vida; se não retornar, nos encontraremos na vida futura. Orai por mim e fazei jejuns, pois o jejum e a esmola provocam infalivelmente a misericórdia de Deus. Mas sobretudo, não vos esqueçais de que não devemos temer aqueles que só podem matar o corpo”.
Santo Eugênio foi transferido para a província de Trípoli, onde foi confiado aos cuidados de Antônio, um bispo ariano que o tratou com brutalidade. Durante aquela perseguição, os apóstatas se distinguiram pela crueldade com que trataram os fiéis. Citaremos como exemplo o caso do apóstata Elpidóforo, que foi nomeado juiz de Cartago. Quando São Murita, o diácono que havia servido de acólito no batismo de Elpidóforo, compareceu diante dele, levou consigo a túnica branca do neófito com que havia coberto o apóstata ao sair da fonte batismal. Mostrando a túnica a toda a assembleia, São Murita disse: “Esta túnica servirá de testemunho contra ti quando o Juiz dos vivos e dos mortos vier a nos julgar no último dia. Por esta túnica serás condenado”. O Martirológio Romano comemora São Murita e o arcediago São Salutaris, juntamente com São Eugênio.
O rei Hunerico morreu no ano 484. Seu sobrinho Gontamundo, que o sucedeu no trono, chamou Santo Eugênio do desterro no ano 488. Alguns anos depois, reabriram-se ao culto as igrejas católicas e permitiu-se ao clero voltar a exercer suas funções. Mas Trasimundo, o sucessor de Gontamundo, voltou a perseguir a Igreja e condenou Santo Eugênio à morte; depois comutou a pena de morte pelo desterro na Gália Narbonense (Languedoc), onde reinava o visigodo Alarico, que também era ariano. Santo Eugênio morreu no exílio, no ano 505, em um mosteiro nas cercanias de Albi.
A principal autoridade sobre Santo Eugênio é Victor de Vita, em sua Historiae persecutionis vandalicae. A melhor edição dessa obra é a de Petschenig no Corpus ss. eccles. lat. vol. VI. No Acta Sanctorum, julho, vol. III, citam-se os principais trechos e alguns parágrafos de São Gregório de Tours, etc. Ver também S. Mesnage, L'Afrique chrétienne (1912); Ludwig Schmidt, Geschichte der Vandalen (1901); Hefele-Leclercq, Conciles, vol. II, pp. 930–933; e Duchesne, Histoire Ancienne de l'Église, vol. III. [2]
Referência:
Enciclopédia Católica, sobre o Papa Santo Anacleto.
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 60–60.
NOTA:
* O calendário tridentino reservou o dia 26 de abril como o dia da festa de São Cleto, que a igreja homenageou juntamente com o Papa Marcelino , e o dia 13 de julho exclusivamente para Santo Anacleto. Em 1960, o antipapa João XXIII, embora mantendo a festa de 26 de abril, que menciona o santo sob o nome dado a ele no Cânon da Missa, removeu o dia 13 de julho como dia da festa de Santo Anacleto.


























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