Vida de São Lamberto e A Impressão dos Estigmas de São Francisco de Assis (17 de setembro)
- Sacra Traditio

- 17 de set.
- 12 min de leitura

No mês de agosto de 1224, São Francisco de Assis retirou-se do mundo durante uma temporada para comunicar-se com Deus nas cumeadas de La Verna, uma montanha deserta dos Apeninos. Na ocasião, acompanhavam-no o irmão Leão e outros cinco ou seis frades, mas Francisco queria estar à parte e escolheu sua morada numa choça solitária, sob uma faia, no lado oposto do monte; e, antes de se enclausurar ali, deu instruções a seus irmãos para que nenhum se aproximasse de sua habitação, exceto Leão quando tivesse de levar-lhe alimentos. Mais ou menos na data da Festa da Exaltação da Santa Cruz, o santo orava diante de sua choça, elevava sua alma a Deus com ardor seráfico e sentia-se arrebatado por uma profunda caridade, uma terna e afetuosa compaixão para com Aquele que foi crucificado por amor a nós. Estava nesse estado quando viu a figura do que parecia um serafim com seis asas brilhantes, que descia do alto dos céus em voo rapidíssimo até permanecer suspenso no ar diante do santo. Então pôde ver, entre as asas do serafim, a figura de um Homem Crucificado, com as mãos e os pés estendidos e pregados na Cruz. As asas do serafim estavam dispostas de maneira diferente: as duas superiores erguiam-se para cima, sobre a cabeça do crucificado; as do meio estavam estendidas para o voo, e o par inferior dobrava-se sobre si mesmo, como para cobrir ou sustentar o corpo do crucificado. À vista de semelhante aparição, o coração de Francisco ficou tomado por um súbito gozo, misturado a um profundo sentimento de dor. A presença próxima de seu Senhor, sob a forma de um serafim, que fixava nele os olhos com um olhar bondoso e amável, produzia-lhe um júbilo imenso; mas, ao mesmo tempo, a visão de seu corpo crucificado traspassava-lhe a alma de dor. Naquele momento, uma luz interior fez compreender ao santo que, se bem a condição do crucificado não correspondia à imortalidade do serafim, a maravilhosa visão manifestava-se para que pudesse entender que ia ser transformado numa semelhança de Jesus Cristo na Cruz, não no martírio da carne, mas no coração, pelo fogo de seu amor. De repente, o serafim aproximou-se mais e feriu o santo em corpo e alma, de maneira que Francisco experimentou uma dor intensa e sentiu grande temor, até que o serafim falou para explicar-lhe muitas coisas que até então lhe estavam ocultas. Passados alguns instantes, que lhe pareceram séculos, a visão desapareceu. Mas a alma do santo ardia no interior do corpo, que parecia ter recebido a imagem do Crucificado com tal força que nela ficou impressa, como se sua carne houvesse sido marcada por um selo impresso por uma força sobrenatural e extraordinária. Nas mãos e nos pés do santo começaram a abrir-se feridas semelhantes às que contemplara na visão do Homem Crucificado. No centro de suas mãos e de seus pés abriram-se quatro perfurações que pareciam os buracos deixados por quatro grossos cravos fincados na carne. Em torno das feridas, sobre as palmas das mãos e sobre os pés, via-se a marca redonda e negra da cabeça dos cravos; as pontas longas apareciam pelo reverso e rasgavam a pele, porque estavam tortas, como se houvessem sido batidas com um martelo. Também no lado direito do santo abriu-se uma ferida vermelha que parecia feita pela ponta de uma lança.

De todas aquelas chagas manava sangue que tingia as vestes do santo. Esse prodigioso milagre realizou-se ao mesmo tempo em que o entendimento de Francisco se enchia de ideias claras sobre Cristo Crucificado, e o amor que inundava seu coração empregava-se com toda a força de sua vontade em concentrar-se no objeto amado e em assimilar-se ao Ser amado nos instantes de maiores sofrimentos; de modo que, pelas faculdades imaginativas de sua alma, formava-se um segundo crucificado com uma realidade tão viva que as impressões de sua mente afetaram a matéria de seu corpo. As marcas exteriores das feridas na carne de São Francisco, que o amor interno de seu coração não podia produzir, foram causadas pelo serafim de fogo, ou melhor dizendo, pelo próprio Cristo, que na visão havia lançado raios incandescentes desde as cinco chagas para plasmar exteriormente em São Francisco aquelas dolorosas marcas que já o amor do santo havia impresso interiormente em sua alma.
Quer fosse ou não fosse São Francisco o primeiro dos seres humanos marcado dessa maneira pelos “estigmas” (do grego stigmata, que significa “marcas”) de Nosso Senhor Crucificado, não há dúvida possível de que ele é o mais famoso dos exemplos e o mais autêntico desde então até os tempos recentes e atuais. Além disso, é o único prodígio dessa classe que toda a Igreja ocidental comemora com uma festa litúrgica. A realização e o desenvolvimento geral do fenômeno estão fora de dúvida. O irmão Leão o relata na nota que escreveu de próprio punho sobre as “bênçãos seráficas” concedidas a São Francisco, documento que os frades conventuais de Assis conservam. Também se refere a isso o irmão Elias, na carta que escreveu aos frades da França para anunciar a morte do patriarca em 1226.
“Desde o princípio dos tempos” – escreve o irmão – “não se tinha visto maravilha semelhante, salvo no caso do Filho de Deus, que é Cristo, Nosso Senhor. Durante muito tempo antes de sua morte, nosso pai e irmão parecia crucificado e apareciam em seu corpo as cinco chagas que são verdadeiramente os Estigmas de Cristo; porque em suas mãos e seus pés estavam abertos, de parte a parte, cinco buracos como os que fazem os cravos enfiados de cima para baixo; eram chagas abertas, negras perfurações com a forma dos cravos; também seu lado parecia ter sido traspassado por uma lança e muitas vezes manava sangue de todas as chagas”.
Na biografia mais antiga do santo, escrita entre dois e quatro anos depois de sua morte, os estigmas são descritos desta maneira:
“Suas mãos e seus pés pareciam traspassados por cravos cujas cabeças haviam deixado marcas sobre as palmas das mãos e sobre as partes anteriores dos pés, enquanto as marcas das pontas apareciam no dorso das mãos e nas plantas dos pés. Ora, essas marcas eram redondas nas palmas das mãos e no peito dos pés, enquanto pelo reverso eram alongadas e apresentavam protuberâncias, como se as pontas dos cravos tivessem projetado para fora porções da carne e como se essas pontas houvessem sido dobradas a golpes, de modo que rasgavam a pele. Igual forma e caráter tinham as marcas nas plantas dos pés. Além disso, no lado direito tinha uma chaga aberta em forma de meia-lua, com bordas, semelhante à que faria a ponta de uma lança, e de onde saía sangue com frequência...”

“O Livro dos Milagres”, escrito por uma testemunha ocular dos fatos que descreve (Tomás de Celano), uns vinte anos depois de ocorridos, acrescenta que as multidões que acudiram a Assis “puderam ver em suas mãos e seus pés, não as feridas, mas os próprios cravos, maravilhosamente formados pelo poder de Deus e verdadeiramente cravados na carne, mas de forma estranha, como se formassem parte da própria carne e de tal modo que, se se pressionava de um lado, formavam uma protuberância no lado oposto e, ao deixar de pressionar, voltavam ao lugar original”. A declaração mencionada antes e que Alban Butler toma das “Florezinhas”, no sentido de que “as pontas dos cravos sobressaiam e estavam dobradas sobre si mesmas até formar um gancho quase fechado, no qual se podia meter o dedo da mão como por um anel”, remonta aos anos anteriores a 1274, mas os críticos mais severos e minuciosos inclinam-se a rejeitar sua veracidade e a considerá-la fantasia literária, visto que não se registrou nenhum caso semelhante entre outros seres humanos que, posteriormente, foram estigmatizados. Naturalmente, em nenhuma das declarações se chega sequer a insinuar que os mencionados “cravos” tivessem sido feitos de outra substância que não carne ou cartilagem. E não se pode garantir que fossem cartilagens; é mais provável supor que fossem, por sua forma e aspecto, sugestões de cravos ou, simplesmente, cicatrizes protuberantes. De qualquer modo, aquelas marcas não têm ponto de comparação com as de outros estigmatizados.

O caso da estigmatização foi confirmado por muitos exemplos que ocorrem inclusive na atualidade; os estigmatizados sangram com frequência e até com certa periodicidade, especialmente às sextas-feiras, e não se registrou nenhum caso em que as feridas supurassem. Por conseguinte, pode-se dizer que Deus escolhe certas almas nobres para uni-las mais estreitamente aos sofrimentos de seu Divino Filho, almas estas que se oferecem e que são dignas de expiar os pecados de outros, ao adotar diante do mundo a forma de Jesus crucificado, que “não aparece retratado em telas ou lâminas, nem esculpido em pedra ou madeira pela mão de um artista terreno, mas que fica impresso e gravado na própria carne pelo Dedo do Deus vivo”. Entre o grande número de supostos estigmatizados que surgiram nos últimos setecentos anos, apenas cinquenta ou sessenta foram admitidos como autênticos, mediante testemunhos comprovados, e alguns destes recorreram à fraude ou causaram as feridas naturalmente, de modo que o fenômeno pode ser considerado muito raro e como um notável sinal de Deus para aqueles que O servem com verdadeiro heroísmo. Com pouquíssimas exceções, os estigmatizados mais famosos foram frades, monjas ou terciários de uma ou outra das ordens mendicantes, e a maioria foram mulheres.
Em todas ou quase todas as numerosas biografias de São Francisco de Assis que se publicaram, relata-se o caso dos estigmas. As provas contemporâneas, como a carta do irmão Elias e o documento chamado Bênção do irmão Leão, assim como a Vita prima de Tomás de Celano, são conclusivas quanto à existência dessas marcas milagrosas. Paul Sabatier, o Dr. J. Merkt (Die Wundmale des Franziskus von Assisi, 191), e outros mais tentaram dar uma explicação natural e, sobre seus pontos de vista, pode-se consultar Bihl em Archivum Franciscanum Historicum, julho de 1910, e Kóniger em Historisches Jahrbuch, 1910, pp. 787 e segs. Na coleção Studi Francescani (1924) dedica-se um volume ao sétimo centenário da estigmatização. Ali se encontra um importante artigo (pp. 140-174) de A. Gemelli sobre Le Affirmaziones della Scienza intorno alle Stimmate di S. Francesco. Cf. V. Facchinetti em Le Stimmate di S. Francesco (1931?) e Faloci Pulignani em Miscellanea Francescana, vol. XV, pp. 129-137. Para o caso dos estigmas em geral ver H. Thurston em The Physical Phenomena of Mysticism (1952) e Douleur et stigmatisation (1936), na série Études Carmélitaines. Inclui-se um excelente artigo de Fr. P. Debongnie sobre a estigmatização na Idade Média, onde critica a obra do Dr. Imbert-Gourbeyre (La Stigmatisation..., 2 vols., 1894), como antes o fizeram Fr. Gemelli e Fr. Thurston. Ver também Die Stigmatisation mit den Blutmalen (1948), de F. L. Schleyer, que faz um estudo sobre a frequente coincidência entre a estigmatização e os graves transtornos nervosos. [1]

Landeberto era o nome deste santo a quem todo o mundo chama Lamberto. Era natural de Maastricht e nasceu em uma família nobre e muito rica, entre os anos de 633 e 638. Seu pai o enviou a São Teodardo para aperfeiçoar sua educação, e aquele santo bispo teve tamanha estima por seu pupilo, que não omitiu esforço nem sacrifício para instruí-lo e exercitá-lo nas ciências e na prática das virtudes cristãs. E, por certo, o aluno foi honra para o mestre. Seu biógrafo, que nasceu pouco depois da morte de Lamberto, descreve-o como “um jovem prudente e virtuoso, de agradável presença, cortês e de fina educação e cultura em sua fala e em seus modos; era alto e forte, resoluto na luta, cheio de bom senso, amável, puro, humilde e muito dedicado à leitura”. Quando São Teodardo, bispo de Tongres-Maastricht, pereceu assassinado, Lamberto foi indicado para sucedê-lo. Apenas assumira a sede, em 674, quando se instalou como prefeito da cidade o tirano Ebroin e, quase imediatamente depois, Quildeberto II, o rei da Austrásia, foi assassinado, o que deu ocasião a Ebroin para tomar represálias contra todos os que haviam apoiado seu inimigo Quildeberto. A vingança coletiva alcançou Lamberto, que foi expulso de sua sede e retirou-se ao mosteiro de Stavelot. Durante os sete anos em que ali permaneceu, submeteu-se às regras tão estritamente quanto o mais fervoroso dos noviços. Basta mencionar um dos episódios que lhe ocorreram no convento para compreender quanta devoção havia em seu coração por servir a Deus com perfeição em seu estado temporal. Certa noite de inverno, quando estava prestes a deitar-se para dormir, deixou cair um de seus sapatos e fez grande ruído que chegou aos ouvidos do abade. Este ordenou que o autor daquele estrondo fosse orar aos pés da grande cruz que se encontrava diante da porta da igreja. Imediatamente, saiu Lamberto de sua cela tal como estava, descalço e apenas coberto com sua túnica fina, para ajoelhar-se aos pés da cruz e orar durante horas e horas. Antes do alvorecer, terminada a recitação dos maitines, os monges reuniram-se em torno do fogo e o abade perguntou se não faltava alguém; responderam-lhe que um dos irmãos saíra durante a noite para orar diante da cruz e ainda não havia regressado. Ordenou o abade que chamassem aquele irmão e ficou surpreendido ao ver aparecer o bispo de Maastricht em túnica, descalço e tremendo de frio.

No ano de 681, Ebroin foi assassinado e nomeou-se prefeito do lugar Pepino de Herstal, que expulsou todos os bispos usurpadores e fez retornar os prelados exilados, entre os quais estava São Lamberto de Maastricht. O santo pastor voltou a encarregar-se de seu rebanho com renovado fervor e desempenhou seus deveres episcopais com extraordinário zelo e muito fruto. Ao descobrir que ainda havia numerosos pagãos nas regiões de Kempenland e Brabante, dedicou-se à tarefa de convertê-los pessoalmente: pregou-lhes a fé de Cristo, com sua infinita paciência suavizou o temperamento bárbaro dos pagãos, regenerou-os com a água do batismo e acabou com muitas de suas superstições e más práticas. Junto com Santa Landrada, fundou nas vizinhanças de sua própria sede o mosteiro de Munsterbilzen para monjas.
Entretanto, Pepino de Herstal, depois de viver muitos anos casado com Santa Plectrude, manteve relações adúlteras com Alpaís, irmã da santa (relações das quais nasceu Carlos Martel), e Lamberto não cessou de repreender o casal culpado. Tais censuras irritaram de tal modo Alpaís, que ela foi pedir proteção, amparo e vingança a seu irmão Dodo. Tanto o importunou, que este, com um grupo de seus asseclas, foi em busca de São Lamberto, a quem encontrou ajoelhado em oração diante do altar, na igreja dos Santos Cosme e Damião, em Liège. Ali mesmo se precipitaram todos sobre ele e o assassinaram a punhaladas e golpes de espada. Tal é a nova versão das circunstâncias em que São Lamberto encontrou a morte, mas seus primeiros biógrafos, que escreveram entre os séculos VIII e X, relataram uma história muito diferente. De acordo com eles, dois homens aparentados com Lamberto, Pedro e Andolet, mataram traiçoeiramente outros dois homens que molestavam e perseguiam continuamente o bispo. Dodo, que por sua vez era parente dos assassinados, reuniu seus partidários para tomar vingança e foi pedir contas a Lamberto. O santo bispo admitiu que tanto Pedro como Andolet deviam expiar seu crime e, então, os homens de Dodo precipitaram-se sobre eles e os mataram sem mais demora. Depois foram em busca de Lamberto e, ao descobrir que a porta de seu quarto estava fechada e trancada, um dos homens de Dodo subiu até a janela e lançou uma lança contra Lamberto, que orava ajoelhado, atravessando-o de parte a parte. Aqueles assassinatos ocorreram em uma casa que se situava no que hoje é a cidade de Liège.

A trágica morte que Lamberto suportou com resignação e paciência, unida à eminente santidade de sua vida, fizeram com que fosse venerado como mártir. Seu corpo foi trasladado a Maastricht. Os milagres que se sucederam em seu túmulo incitaram o povo a construir uma igreja no lugar onde se achava a casa em que foi assassinado, e o bispo que lhe sucedeu na sede, São Huberto, trasladou suas relíquias ao novo santuário. Ao mesmo tempo, transferiu para o mesmo lugar o centro da sede de Tongres-Maastricht e, em torno da catedral que guardava os restos de São Lamberto, edificou-se a cidade de Liège. O santo é hoje o principal padroeiro do lugar.
Várias biografias de São Lamberto foram escritas durante a Idade Média, e a maioria delas encontra-se impressa no Acta Sanctorum, setembro, vol. V. A primeira por sua data e por sua importância foi editada com comentários críticos por Bruno Krusch em MGH., Scriptores Merov., vol. VI, onde o texto está complementado com os parágrafos extraídos de biografias posteriores escritas por Estêvão, Sigeberto de Gembloux e Nicholas. A extensa controvérsia em relação às causas precisas do assassinato de São Lamberto acha-se claramente exposta na Analecta Bollandiana, vol. XXX (1914), pp. 247-249; ver também pp. 219-347 no segundo volume dos Études Franques (1919). Vários anos antes, esse mesmo autor comentou a controvérsia sob um novo aspecto nos Annales de l’Académie archéologique de Belgique, vol. XXXII (1876). Cf. ainda a Kirchengeschichte Deutschlands, vol. I, pp. 400-401, e Vie la Plus ancienne de S. Lambert (1890), de J. Temarteau. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 591-594.
Ibid. pp. 595-596.


























Comentários