Vida de São João Maria Vianney e Santos Ciríaco, Largo e Esmagdo, Mártires (8 de agosto)
- Sacra Traditio
- 8 de ago.
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Atualizado: 9 de ago.

A santidade tem uma beleza inegável. E, de tempos em tempos, surge um santo que conquista a admiração do mundo, como Santa Teresinha do Menino Jesus ou “o santo Cura de Ars”. A vida de um pároco de aldeia francês é tão desconhecida no estrangeiro quanto pode ser a vida interna num convento carmelita. João Maria Vianney nasceu em Dardilly, perto de Lyon, a 8 de maio de 1786. Três anos depois, rebentou a Revolução Francesa, e um sacerdote que havia jurado a Constituição ficou à frente da paróquia de Dardilly, de modo que os pais do futuro santo tinham de assistir à missa celebrada, de vez em quando, por algum sacerdote fugitivo. Durante o Reinado do Terror, que foi tão devastador em Lyon como em Paris, João Maria encarregava-se de cuidar do rebanho de seu pai, Mateus Vianney, nas duas margens do riacho de Planches. João Maria era um menino tranquilo e piedoso, que exortava seus companheiros a serem bons. Embora não lhe faltasse certa habilidade no jogo de bocha, preferia geralmente brincar “de igreja”. Aos treze anos fez a sua primeira comunhão, em segredo. Pouco depois, restabeleceu-se em Dardilly o culto regular e, cinco anos mais tarde, João Maria confessou a seu pai que queria ser sacerdote. O bom homem, que não podia pagar os estudos do filho nem desejava prescindir de seus serviços no trabalho da fazenda, não demonstrou o menor entusiasmo pelo projeto, de modo que o jovem teve de aguardar até os vinte anos para realizá-lo. Nessa idade, partiu para o pequeno povoado de Écully, onde o Pe. Balley havia fundado um seminário paroquial.
Os estudos lhe causavam grandes dores de cabeça, pois não tinha aptidão para eles e só havia frequentado a escola de Dardilly por alguns meses, quando tinha nove anos. O latim lhe era tão penoso que, durante algum tempo, tanto João Maria quanto seu mestre acreditaram que ele não conseguiria aprendê-lo. No verão de 1806, João Maria empreendeu a pé uma peregrinação ao santuário de São João Francisco Régis, que ficava a mais de cem quilômetros, para obter de Deus auxílio nos estudos. Durante o caminho viveu de esmolas e pediu hospedagem por caridade. A peregrinação não aumentou suas aptidões para o estudo, mas o ajudou a superar a crise de desalento. No ano seguinte, recebeu o sacramento da confirmação, que lhe deu ainda mais força para a luta; nele, João Maria tomou o nome de Batista. A graça do sacramento veio em momento muito oportuno, pois aguardava o jovem outra prova difícil. Com efeito, como seu nome não constasse na lista dos que faziam estudos eclesiásticos, foi chamado ao serviço militar. O Pe. Balley tentou explicar o erro às autoridades, e Mateus Vianney procurou conseguir um substituto para o filho, mas tudo foi em vão, e João Maria teve de se apresentar em Lyon no dia 26 de outubro de 1809. Poucos dias depois caiu enfermo e foi internado no hospital, de modo que o regimento partiu para a Espanha sem ele. Recebeu então a ordem de juntar-se a outro regimento em Roanne, no dia 5 de janeiro pela manhã. Mas, quando ia a caminho, deteve-se para orar numa igreja e chegou ao destino quando o destacamento já havia partido. As autoridades militares ordenaram-lhe que alcançasse o destacamento em Renaison, sem outra insígnia militar além da mochila. Quando descansava um pouco nas montanhas de Le Forez, apresentou-se-lhe um desconhecido que tomou sua mochila e ordenou que o seguisse. João ficou tão desconcertado que não discutiu a ordem e seguiu o desconhecido até uma cabana no remoto povoado montanhês de Les Noës. Só então percebeu que o homem era um desertor e que nos bosques vizinhos se ocultavam muitos outros. João Maria compreendeu que estava numa situação muito comprometida e não soube o que fazer. Após alguns dias de reflexão, decidiu apresentar-se ao prefeito local. O Sr. Fayot era um homem bondoso e de grande bom senso; observando que João já era tecnicamente um desertor, aconselhou-o a escolher o menor dos males e permanecer escondido; além disso, teve a bondade de lhe conseguir alojamento na casa de um primo. O esconderijo de João Maria era um grande monte de feno no estábulo. Sob o pseudônimo de Jerônimo Vincent, passou catorze meses em Les Noës, dedicado ao estudo do latim, ao ensino dos filhos de seu anfitrião e aos trabalhos da fazenda; assim, ganhou o respeito e o afeto de todos. Os soldados quase o prenderam em várias ocasiões; numa delas, quando estava escondido sob o monte de feno, o sabre de um dos gendarmes roçou suas costelas. Em março de 1810, o imperador, por ocasião de seu casamento com a arquiduquesa Maria Luísa, concedeu anistia a todos os desertores. No início do ano seguinte, o irmão de João Maria alistou-se como substituto voluntário e o santo pôde voltar para casa.

Em 1811 recebeu a tonsura e, no fim do ano seguinte, foi estudar filosofia no seminário menor de Verrières. Naturalmente, não se destacou nos estudos; mas trabalhou com tanta humildade e perseverança que, no verão de 1813, passou ao seminário maior de Lyon. Ali todas as aulas eram em latim e, embora os superiores tivessem em conta as qualidades de João Maria e lhe facilitassem as coisas o quanto possível, ele não conseguiu avançar. No fim do primeiro trimestre, abandonou o seminário e voltou a Écully para estudar sob a direção pessoal do Pe. Balley. Três meses depois apresentou-se ao exame e, no oral, foi tão mal que os examinadores não puderam senão reprová-lo. Consequentemente, não podia ser admitido ao sacerdócio, mas aconselharam-no a tentar a ordenação noutra diocese. O Pe. Balley procurou então o Pe. Bochard, um dos examinadores, que aceitou acompanhar o reitor do seminário numa entrevista particular com João Maria. Os dois sacerdotes ficaram muito impressionados com a conversa e foram apresentar ao vigário-geral o caso do “seminarista menos instruído e mais devoto de Lyon”. O Pe. Courbon, que governava a diocese na ausência do bispo, fez-lhes apenas uma pergunta: “O senhor Vianney é bom?”. “Sim, é um verdadeiro modelo”, responderam. “Nesse caso, pode ordená-lo tranquilamente; Deus fará o resto.” Em 2 de julho de 1814, João Maria recebeu as ordens menores e o subdiaconato e voltou a Écully para prosseguir os estudos. Em junho de 1815 (cinco dias após a Batalha de Waterloo), recebeu o diaconato e, em 12 de agosto, foi-lhe conferido o sacerdócio. No dia seguinte, celebrou sua primeira missa e foi nomeado vigário do Pe. Balley, à cuja intuição e perseverança deve a Igreja, depois de Deus, o fato de João Maria Vianney ter recebido o sacerdócio.
O vigário-geral de Lyon dissera na ordenação de João Maria: “A Igreja não precisa apenas de sacerdotes sábios, mas também de sacerdotes santos.” E Mons. Simon, bispo de Grenoble, predissera que seria “um bom sacerdote”. Com efeito, João Maria sabia tudo o que um sacerdote precisa saber, embora não o tivesse aprendido nos livros. Por exemplo, em teologia moral, o Pe. Bochard o havia examinado minuciosamente sobre casos difíceis, e o santo respondera muito acertadamente, baseado no bom senso, pois a casuística nada mais é do que a aplicação do bom senso. Pouco depois de ter sido nomeado vigário de Écully, João Maria recebeu as faculdades para ouvir confissões. Seu primeiro penitente foi o próprio pároco, e seu confessionário logo começou a encher-se de fiéis. Mais tarde, passaria três quartos do dia no confessionário. Sem ostentação, pároco e vigário começaram a competir em austeridade e viviam como monges da Tebaida. Um acusava o outro ao vigário-geral de “exagerar nos limites” e o outro revidava acusando o primeiro de praticar mortificações excessivas. O Pe. Courbon não pôde senão sorrir e observar que os fiéis de Écully podiam considerar-se felizes por terem dois sacerdotes que fizessem penitência por eles.
Em 1817 faleceu o Pe. Balley, causando enorme dor a seu vigário. No início do ano seguinte, o Pe. Vianney foi nomeado pároco de Ars-en-Dombes, uma remota aldeia de 230 almas, “que era, em todos os sentidos da palavra, um verdadeiro buraco”.
Exagera-se muito a decadência espiritual de Ars na época em que o Pe. Vianney chegou à aldeia, assim como também se exagera a “ignorância” do pároco. Na realidade, a população de Ars não era melhor nem pior que a de qualquer aldeia do início do século XIX: nem o vício nem a imoralidade eram praticados abertamente, mas também não havia uma religiosidade muito acentuada; poderia dizer-se que o grande pecado de Ars era, nem mais nem menos, “o mortal escândalo da indiferença na vida ordinária”. Além disso, havia várias famílias profundamente cristãs, entre as quais a do prefeito e a da “senhora do castelo”. A “senhora do castelo” era a Srta. Garnier des Carets (“Mademoiselle Ars”), dama sinceramente piedosa, embora sua piedade tivesse algo de ostensivo. O novo pároco (que na realidade não passava então de uma espécie de capelão ou vigário isolado) não só continuou, mas redobrou as penitências, sobretudo o uso da disciplina. Durante os seis primeiros anos, praticamente não comeu senão batatas, em penitência por suas “débeis ovelhas”. Os maus espíritos da impureza, da embriaguez e da injustiça “só se expulsam com o jejum e a oração”; ora, como o povo de Ars não parecia muito disposto a orar e jejuar, o santo cura propôs-se fazê-lo por seu rebanho.
Depois de visitar todas as casas da localidade e organizar o catecismo das crianças, o Pe. Vianney decidiu empreender a fundo a reconversão de Ars. Para isso, valeu-se do contato pessoal com os habitantes, da direção espiritual no confessionário e da pregação. Preparava cuidadosamente seus sermões e os pronunciava com naturalidade e fervor.* Os moradores estavam demasiado preocupados com assuntos materiais e excessivamente habituados à indiferença para se converterem de repente. Por outro lado, naquela época ainda se fazia sentir a influência do jansenismo na doutrina e nos métodos de muitos teólogos e diretores espirituais, ortodoxos, mas excessivamente rigoristas. Assim, não é de estranhar que o Cura de Ars fosse muito severo. Havia na população muitas tabernas, onde se gastava inutilmente o dinheiro, se praticava a embriaguez e se conversava de modo inconveniente. As duas tabernas mais próximas da igreja foram as primeiras a fechar suas portas por falta de clientes. Mais tarde desapareceram outras duas. É verdade que depois se abriram mais sete, mas todas fracassaram.
O pároco lutou com todas as suas forças contra a blasfêmia, a mundanidade e a obscenidade e, como não hesitava em pronunciar desde o púlpito as expressões que ofendiam a Deus, ninguém podia enganar-se quanto ao que queria dizer. Durante mais de oito anos pregou a perfeita observância das festas da Igreja, que não consistia simplesmente em assistir à missa e às vésperas, mas em suprimir todo trabalho que não fosse absolutamente necessário. Mas, sobretudo, declarou guerra sem tréguas ao baile, que considerava ocasião de pecado tanto para os que dançavam quanto para os que assistiam. O Pe. Vianney mostrava-se implacável com os que dançavam, tanto em público como em privado; se não prometessem renunciar definitivamente ao baile e não cumprissem a palavra, ele lhes recusava a absolvição. A batalha contra o baile e a falta de modéstia no vestir durou vinte e cinco anos, mas o santo Cura acabou por vencê-la.**
Em 1821, o território de Ars foi convertido em paróquia sufragânea e, em 1823, passou a fazer parte da nova diocese de Belley. Nessa ocasião, os inimigos do Pe. Vianney (pois seu zelo não deixava de lhe criar alguns) o acusaram diante do bispo, que enviou o deão do cabido para investigar. Mons. Devie logo se convenceu da inocência de seu súdito; com o tempo, chegou a ter grande confiança nele e até lhe ofereceu uma importante paróquia, mas o Pe. Vianney recusou aceitá-la, depois de muito ponderar. A fama de santidade e eficácia do Cura de Ars foi-se espalhando; vários párocos pediram-lhe que fosse pregar missões em suas paróquias, e as pessoas afluíam ao seu confessionário. Em 1824, o Pe. Vianney inaugurou em Ars uma escola gratuita para meninas, dirigida por Catarina Lassagne e Benita Lardet, a quem ele mesmo enviara para se formarem num convento. Dessa escola nasceu, três anos depois, a famosa instituição de “A Providência”, que era um asilo para crianças e jovens órfãos ou abandonados. Não se aceitava um único centavo de nenhum dos internos, nem mesmo dos que podiam pagar, e as diretoras e colaboradoras não recebiam salário algum. Tratava-se de uma instituição de caridade, que vivia de esmolas e se preocupava sobretudo com a salvação das almas. Em certas épocas, o número de internos chegava a sessenta, e o Pe. Vianney tinha de suar para sustentar sua grande família. Em certa ocasião, o celeiro encheu-se milagrosamente de trigo; noutra, o cozinheiro afirmou ter feito dez pães de vinte libras cada um com apenas algumas poucas libras de farinha, graças às orações do Pe. Vianney. Esses milagres foram transformando pouco a pouco a atitude dos fiéis de Ars, e os visitantes elogiavam a ordem e a excelente conduta que reinavam em “A Providência”. Mas o elemento decisivo da mudança que se operou na aldeia foi o exemplo do Pe. Vianney: “Nosso pároco é um santo e temos de obedecê-lo.” “Não somos melhores que as pessoas de outros lugares; o que acontece é que temos um santo entre nós.” Alguns chegavam até a dizer: “O que ele nos manda é a vontade de Deus e, por isso, devemos obedecer-lhe.” Mas até mesmo esses obedeciam, na realidade, porque o Pe. Vianney era um homem de Deus.

Enquanto o povo se convertia lentamente à vida cristã, o Cura de Ars era alvo de uma verdadeira perseguição por parte do demônio. Em toda a hagiografia não existe um só caso em que a ação do demônio tenha sido tão longa, variada e violenta. Os fenômenos iam desde ruídos e vozes até ataques pessoais. Em certa ocasião, o leito do pároco incendiou-se inexplicavelmente. A perseguição, que começou em 1824, durou mais de trinta anos, com algumas intermitências. Além disso, várias pessoas tiveram ocasião de presenciar seus efeitos. Mas o Pe. Vianney tomava a ação do demônio com tal naturalidade que parecia considerá-la parte normal do dia. O Pe. Toccanier lhe disse certa vez: “Com certeza, o senhor se assusta muito em algumas ocasiões.” O Pe. Vianney respondeu: “A gente se acostuma com tudo, meu amigo. O diabo e eu já somos quase cúmplices.” Além da perseguição do demônio, o Cura de Ars teve de suportar os ataques daqueles que, se a natureza humana não fosse o que é, nos sentiríamos tentados a qualificar de preternaturais. Alguns de seus irmãos no sacerdócio (geralmente não os melhores nem os mais inteligentes), incapazes de apreciar a santidade do Pe. Vianney, lembrando seus fracassos intelectuais no seminário e dando ouvidos a boatos, criticavam seu “zelo indiscreto”, sua “ambição” e sua “presunção”, chegando até a chamá-lo de “charlatão” e “impostor”. O Pe. Vianney comentava a esse respeito: “Pobre curinha de Ars! Quantas coisas desagradáveis inventam sobre ele! Há quem, para falar dele, se esqueça de pregar o Evangelho.” Mas os inimigos do pároco não se limitaram a criticá-lo na sacristia: chegaram a denunciá-lo ao bispo de Belley. O Pe. Vianney recusou-se a defender-se, e Mons. Devie deixou-o em paz após fazer algumas investigações. Certa vez, quando um sacerdote chamou o Cura de Ars de “louco”, Mons. Devie, aludindo a isso, disse ao seu clero durante o retiro anual: “Senhores, confesso que me sentiria muito orgulhoso se todos vocês tivessem um pouco dessa loucura.”
Outro dos fatos extraordinários que devem ser mencionados é que Ars se tornou um lugar de peregrinação em vida do santo. E os peregrinos não iam para visitar o santuário de “sua querida Santa Filomena”, que ele havia construído, mas para ver o pároco. Indubitavelmente havia uma parte de curiosidade nessas peregrinações, pois é impossível manter segredo os fatos extraordinários como a multiplicação dos pães e os ataques do demônio. Mas a causa principal das peregrinações, que foram se tornando cada vez mais frequentes e numerosas, era o desejo de receber os conselhos do Cura no confessionário. E isso era sobretudo o que enfurecia os sacerdotes que não queriam o Pe. Vianney, alguns dos quais chegaram a proibir seus paroquianos de irem ver o Cura de Ars. Desde 1827, começaram a chegar a Ars peregrinos de fora. Entre 1830 e 1845 houve uma média de trezentos peregrinos por dia. Em Lyon foi aberta uma agência especial para os viajantes que iam a Ars, e colocou-se à disposição do público uma série de bilhetes de ida e volta para oito dias, pois era impossível conseguir falar com o santo em menos tempo. Isso significava que o Pe. Vianney tinha que passar doze horas diárias no confessionário durante o inverno e dezesseis horas durante o verão. Não contente com isso, nos quinze últimos anos de sua vida ele pregava todos os dias às onze da manhã. Tratavam-se de sermões muito simples, que o santo não tinha tempo para preparar, mas que chegavam ao coração dos homens mais cultos e dos mais endurecidos. Ricos e pobres, sábios e simples, bons e maus, clérigos e leigos, bispos, sacerdotes e religiosos, todos iam a Ars para se ajoelharem no confessionário do santo Cura e sentarem-se nos bancos do entesmo. O Pe. Vianney não perdia tempo dando conselhos longos; geralmente dizia apenas algumas palavras, uma única frase, mas essa frase tinha toda a autoridade de um santo e frequentemente revelava um conhecimento sobrenatural do estado da alma do penitente. Muitas vezes, o santo corrigia o número de anos que haviam passado desde a última confissão do penitente, ou lhe “recordava” algum pecado que ele havia esquecido. O arcebispo de Auch manifestou que o único conselho que recebeu do Pe. Vianney foi: “Amai muito o vosso clero”. Ao superior geral de um instituto religioso consagrado ao ensino disse apenas: “Amai muito o bom Deus”. Durante a confissão dos pecados, o santo repetia constantemente: “Que pena, que pena!” e chorava sem cessar. As pessoas faziam viagens de centenas de quilômetros e esperavam às vezes dia após dia na igreja para poderem se confessar com ele. E as conversões se multiplicavam.
No começo, o santo tratava os forasteiros com o mesmo rigor que os habitantes de Ars, mas com o passar dos anos adquiriu experiência sobre as necessidades e possibilidades de cada alma e um conhecimento mais profundo da teologia moral, de modo que o rigor foi cedendo à compaixão, à bondade e à ternura. Desaconselhava às almas a multiplicação das devoções e recomendava sobretudo o Rosário, o Angelus, as jaculatórias e as orações da liturgia. Costumava dizer: “A oração privada é como um pouco de palha acesa que se joga ao vento e arde com chamas muito pequenas. Em contrapartida, a oração litúrgica é como se juntasse toda a palha num feixe; então ela arde de verdade e o fogo sobe ao céu como uma coluna”. “No Pe. Vianney não havia nenhuma afetação, nada de exclamações, suspiros e trances; quando estava muito comovido, limitava-se a sorrir ou a chorar”.
Já mencionamos seu poder de ler as almas; seu conhecimento dos fatos passados e futuros não era menos extraordinário que seus milagres. Embora com frequência se critique irrefletidamente a inutilidade dos milagres dos santos, certamente não se pode fazer essa crítica aos do Cura de Ars. Suas profecias não se referiam a assuntos públicos, mas à vida dos indivíduos e sempre tinham por objetivo ajudar e consolar as almas. Certa vez, o santo disse que o conhecimento dos fatos ignorados se lhe apresentava sob forma de lembranças. Assim, por exemplo, relatou ao Pe. Toccanier: “Certa vez disse a uma mulher: sois vós a que abandonou seu marido em um hospital e se recusa a ir vê-lo? Ela me perguntou: como sabeis, se eu não disse a ninguém? Diante dessa réplica, fiquei ainda mais surpreso que ela, pois tive a impressão de que ela mesma me havia contado toda a história”.
A baronesa de Lacomblé, que era viúva, encontrava-se muito agitada porque um filho seu de dezoito anos estava decidido a casar-se com uma jovem de quinze. Por isso, resolveu consultar o Cura de Ars, a quem nunca tinha visto. Quando entrou na igreja a encontrou tão cheia de gente que pensou que jamais conseguiria falar com o pároco e começou a se retirar. Mas subitamente, o Pe. Vianney saiu do confessionário, dirigiu-se à baronesa e lhe sussurrou ao ouvido: “Deixai-os casar-se. Serão muito felizes”.
O senhor cura disse a uma criada que em Lyon o aguardava um grande perigo; graças a esse aviso, a jovem pôde escapar, alguns dias depois, das mãos de um criminoso que se dedicava a assassinar jovens, e até prestou testemunho no processo contra ele.
Em 1854, o Cura de Ars anunciou com grande convicção ao bispo de Birmingham, Mons. Ullathorne: “Estou persuadido de que a Igreja vai recobrar sua antiga grandeza na Inglaterra”.
Um dia perguntou na igreja a uma jovem forasteira: “Vós me escrevestes, filha minha?” “Sim, Padre”. “Então não vos preocupeis, porque em breve entrareis no convento; a superiora vos escreverá dentro de alguns dias”. Assim aconteceu, embora o Pe. Vianney não tivesse dito uma palavra à superiora.
A Srta. Henry, que tinha uma loja em Chalon-sur-Saône, foi a Ars pedir ao Pe. Vianney que rezasse pela saúde de uma tia sua que estava doente. O santo aconselhou que ela voltasse imediatamente à sua cidade. “Enquanto estiverdes aqui”, disse-lhe, “estão esvaziando a loja”. De fato, a jovem encontrou a sua ajudante roubando a loja. Sua tia recuperou a saúde.

O Cura de Ars costumava atribuir as curas que operava à intercessão de Santa Filomena. A primeira coisa que exigia de quem solicitava um milagre era uma fé fervorosa, e ele mesmo praticava essa virtude em grau sumo quando julgava conveniente pedir um milagre para sustentar suas obras de caridade nos momentos difíceis. Mas as professoras da escolinha de Ars sabiam perfeitamente qual era o maior dos milagres do santo; fazendo eco ao que se dizia em outra época de São Bernardo, diziam: “A obra mais difícil, extraordinária e impressionante do Cura de Ars foi sua própria vida”. Todos os dias, quando o Pe. Vianney saía da igreja à hora do Angelus do meio-dia para ir comer na casa paroquial os alimentos que lhe enviavam da “Providência”, havia pessoas que queriam demonstrar-lhe seu agradecimento, respeito e amor. Às vezes demorava mais de vinte minutos para percorrer o curto caminho que separava a igreja da casa paroquial. Os enfermos do corpo e da alma se ajoelhavam para pedir-lhe que os abençoasse e orasse por eles; não só lhe tomavam a mão, mas lhe arrancavam pedaços da batina. Isso constituía uma grande mortificação para o sacerdote, que repetia: “Que devoção tão mal orientada!” Naturalmente, o santo suspirava pela solidão e pela quietude, porém, por extraordinário que pareça, o bom cura esteve em Ars contra sua vontade durante os quarenta e um anos que passou ali, e toda a vida teve que lutar contra seu desejo pessoal de entrar na Cartuxa. Três vezes fugiu de Ars. Em 1843, depois de ter sofrido uma grave enfermidade, o bispo e o senhor de Garets tiveram que usar toda sua diplomacia para fazê-lo voltar.
Em 1852, Mons. Chaladon, bispo de Belley, nomeou o Pe. Vianney cônego honorário; mas houve que impor-lhe a muceta quase por força e, não conforme com tirá-la e esquecê-la, vendeu-a por cinquenta francos, que dedicou a uma obra de caridade. Três anos mais tarde, alguns altos personagens, bem intencionados mas pouco acertados, conseguiram que se nomeasse ao Pe. Vianney cavaleiro da ordem imperial da Legião de Honra. Mas ele recusou absolutamente aceitar a imposição da cruz imperial e jamais a portou sobre a batina: “Se me apresentar com essa classe de brinquedos diante de Deus na hora da morte, Ele pode dizer-me que já recebi meu prêmio na terra. Verdadeiramente não sei como pôde ocorrer ao imperador enviar-me essa cruz, a não ser que tenha querido condecorar-me como desertor”. Em 1853, o santo cura tentou pela última vez fugir de Ars. É comovente a narração de seu retorno à paróquia, quando lhe disseram que o aguardava nela uma multidão de pobres pecadores que o precisavam. Catalina Lassagne declarou com ingenuidade e surpresa: "Certamente pensava que essa era a vontade de Deus”. E talvez essa fosse na realidade a vontade de Deus, que concedeu ao seu servo alguns anos de paz e repouso para que se consagrasse de cheio à contemplação, que já havia produzido nele seus mais altos frutos de êxtase e visões. É possível que o bispo, Mons. Chaladon, tenha cometido um erro ao não permitir que renunciasse ao cuidado das almas, mas o Pe. Vianney não o considerou assim e se consagrou com maior zelo que nunca ao ministério. No ano de 1858, mais de 100.000 peregrinos foram a Ars, quando o pároco já era um ancião de setenta e três anos, e o esforço que deve ter realizado para atendê-los acabou com sua saúde. No dia 18 de julho de 1859 compreendeu que se aproximava o fim e, no dia 29 do mesmo mês, deitou-se para não se levantar mais. “Chegou o fim de um pobre homem”, declarou. “Mandem chamar o pároco de Jassans”. Ainda ouviu algumas confissões em seu leito. Quando se espalhou a notícia de sua gravidade, acudiram a Ars pessoas de todas as partes. Vinte sacerdotes acompanharam o Pe. Beau quando este levou os últimos sacramentos ao santo Cura, que comentou: “É triste receber a comunhão pela última vez”. O bispo de Belley chegou às pressas no dia 3 de agosto. Às duas da madrugada do dia seguinte, em meio a uma tempestade de trovões e relâmpagos, o santo Cura de Ars exalou pacificamente o último suspiro.
Pio XI canonizou São João Maria Batista Vianney em 1925 e, em 1929, proclamou-o principal patrono do clero paroquial.
A biografia do Cura de Ars escrita por Mons. F. Trochu (1928), baseia-se em um cuidadoso estudo dos documentos do processo de beatificação e canonização e será provavelmente a melhor em muito tempo. Essa obra lança luz sobre muitos pontos obscuros das biografias escritas pelo Pe. Monnin (1899) e José Vianney (1911): na introdução e nas notas o autor dá a referência detalhada das fontes que utilizou. A volumosa obra de A. M. Zecca, Ars e il suo curato (1929) não é tanto uma biografia quanto uma coletânea muito amena das impressões dos peregrinos de Ars. Entre as biografias curtas merece especial menção a de H. Ghéon, L'âme du Curé d'Ars (1929) e Autour du Curé d'Ars (1950). Seus sermões foram editados em quatro volumes por M. A. Delaroche (1925). [1]

A lenda de São Ciríaco e seus companheiros é um romance que carece de valor histórico. Conta-se nela que Ciríaco, que era diácono, após se converter ao cristianismo decidiu doar todos os seus bens materiais aos pobres, junto com Sisinio, Largo e Esmaragdo, prestou ajuda aos cristãos [escravos] condenados a trabalhar na construção das termas de Diocleciano. Ao ser preso, Ciríaco livrou da possessão diabólica Artemia, a filha do imperador. Este, para mostrar-lhe seu agradecimento, deu-lhe uma casa, que Ciriaco transformou em igreja (“titulus Cyriaci”). O rei da Pérsia, cuja filha também sofria de possessão diabólica, mandou chamá-lo; Ciríaco foi e a curou. Ao voltar para Roma, foi preso por ordem de Maximiano, junto com Largo e Esmaragdo. Os três foram torturados e decapitados em 16 de março na Via Salária, junto com muitos outros. No dia 8 de agosto, o Papa São Marcelo I trasladou os restos dos mártires para o cemitério que recebeu o nome de Ciríaco, no caminho de Óstia.
A “Depositio Martyrum” (354 d.C.) demonstra que São Ciríaco foi realmente martirizado e que desde muito antigo se celebrava em Roma sua festa neste dia; essa obra afirma que o santo estava sepultado muito perto do sítio do quilômetro sete no caminho de Óstia, junto com Largo, “Inxmaracdus” e outros três mártires cujos nomes são citados. Delehaye nota que se confundiu este Ciríaco com aquele que fundou o “titulus Cyriaci”, e em torno do qual foi criada mais tarde toda uma lenda que constitui um episódio dos atos espúrios do Papa São Marcelo.
Veja Delehaye em CMH, p. 425 (cf. também pp. 190 e 431-433); Duchesne, Mélanges d'archéologie et d'histoire, vol. xxxvI, pp. 49-56. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 284–292.
Ibid. p. 292.
NOTA: * “Eram longos os sermões do senhor Cura?”, perguntou Mons. Convert. “Sim, muito longos, e sempre versavam sobre o inferno... Há quem diga que não há inferno; mas o senhor Cura era dos que realmente acreditam nele.”
** O Cura de Ars pintou sobre o arco da capela de São João estas palavras: “Sa tête fut le prix d'une danse!” (“Sua cabeça foi o preço de uma dança!”)
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