Vida de São João Francisco Régis e São Ticão, bispo de Amato (16 de junho)
- Sacra Traditio
- 16 de jun.
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Atualizado: 17 de jun.
SÃO JOÃO FRANCISCO RÉGIS (1640 d.C.)

Na cidade de Fontecouverte, na diocese de Narbona, nasceu João Francisco Régis, no ano de 1597, numa família que havia recentemente passado da burguesia para a classe dos pequenos proprietários de terra. Desde pequeno, foi educado no colégio jesuíta de Béziers e, em 1615, pediu admissão na Companhia de Jesus. Desde o início do noviciado, sua conduta foi exemplar: tão austero consigo mesmo e tão misericordioso com os outros, que seus companheiros diziam que ele se humilhava ao extremo, mas canonizava qualquer um. Após o primeiro ano de noviciado, estudou retórica e filosofia em Cahors e Tournon. Em Tournon, aos domingos, acompanhava o sacerdote à aldeia de Andance e, enquanto este confessava, João Francisco ensinava o catecismo com tanta eficácia que logo conquistou os corações das crianças e dos adultos. Nessa época, tinha apenas vinte e dois anos.
Em 1628, foi enviado a Toulouse para estudar teologia. Seu companheiro de quarto informou ao superior que Régis passava boa parte da noite em oração na capela. A resposta do padre François Tarbes foi profética: “Cuidado para não perturbar suas devoções. Ele é um santo e, se não me engano, um dia a Companhia celebrará sua festa.” Em 1631 foi ordenado sacerdote e celebrou sua primeira missa no domingo da Santíssima Trindade, 15 de junho. Desde antes, seus superiores o haviam destinado às missões, trabalho ao qual se dedicaria nos últimos dez anos de sua vida. Começou a pregar em Languedoc, passou por Vivarais e terminou no Velay, cuja capital era Le Puy. No verão, trabalhava nas cidades; no inverno, percorria aldeias e povoados. Sua missão começou no outono de 1631 na igreja dos jesuítas de Montpellier. Seus sermões, diferentes do estilo retórico da época, eram simples, diretos e até populares, mas tão fervorosos que comoviam e atraíam multidões de todas as classes sociais. Dirigia-se especialmente aos pobres, dizendo que entre os ricos nunca faltavam penitentes. Dedicava-se inteiramente aos mais humildes, oferecendo-lhes todo o consolo possível. Quando o alertavam que seu zelo o ridicularizava, respondia: “Melhor ainda. Seremos duplamente abençoados se consolarmos um irmão pobre à custa de nossa dignidade.” Passava as manhãs confessando, celebrando e pregando; à tarde, visitava prisões e hospitais. Muitas vezes esquecia-se até de comer. Antes de deixar Montpellier, havia convertido muitos huguenotes* e católicos negligentes, fundado uma comissão de senhoras para cuidar dos presos e havia resgatado inúmeras mulheres da vida de pecado. Aos que criticavam sua abordagem e duvidavam da sinceridade dessas mulheres, respondia: “Se meu esforço impedir apenas um pecado, já estará bem empregado.” De Montpellier, mudou-se para Sommières, de onde alcançou os lugares mais isolados, ganhando a confiança do povo ao conversar e ensinar no dialeto local (“patois”).
Os frutos de seu trabalho em Montpellier e Sommières levaram Dom de la Baume, bispo de Viviers, a solicitar os serviços do padre Régis e de outro jesuíta em sua diocese. Nenhuma região da França havia sofrido tanto com guerras civis e religiosas quanto a montanhosa e árida zona do sudeste, que incluía Vivarais e Velay. A lei e a ordem haviam praticamente desaparecido; a população miserável recorria a métodos selvagens para sobreviver, e muitos nobres agiam como bandidos. Os bispos mantinham-se distantes, e os padres negligentes deixaram igrejas em ruínas. Havia paróquias sem sacramentos há mais de vinte anos. Muitos habitantes eram calvinistas por tradição, mas seu protestantismo era superficial. A degradação moral e a indiferença religiosa atingiam a todos. Acompanhado por outros jesuítas, o bispo de la Baume percorreu toda a diocese. O padre Régis sempre se adiantava um ou dois dias para preparar o terreno com missões prévias. Essa campanha foi o início de um ministério de três anos, no qual restaurou a vida religiosa e converteu muitos protestantes.

Uma missão tão fervorosa inevitavelmente encontraria oposição, e assim foi: os que se opunham às suas atividades quase conseguiram, por meio de intrigas e calúnias, sua remoção. Ele, porém, nunca se defendeu. Felizmente, o bispo percebeu a falsidade das acusações. Nessa época, Régis pediu várias vezes para ser enviado às missões no Canadá e pregar aos índios da América do Norte. Seus pedidos foram negados, pois seus superiores valorizavam seu trabalho na França. Para ele, isso era um castigo por seus pecados, por não poder conquistar a coroa do martírio em terras distantes. Como compensação, expandiu suas missões às regiões mais remotas e selvagens daquele distrito montanhoso, onde ninguém entrava sem estar bem armado, e onde o inverno era implacável. Em uma ocasião, ficou isolado por três semanas devido a uma avalanche de neve, tendo como alimento apenas alguns pedaços de pão e dormindo no chão frio.
Nas declarações reunidas para a canonização do santo, há muitas descrições muito vívidas e comoventes daquelas expedições arriscadas, escritas por aqueles que ainda podiam recordá-las. “Depois da missão — afirmou o senhor cura de Marlhes —, meus paroquianos haviam mudado de tal modo, que já não era capaz de reconhecê-los. Nem o frio, nem a neve que fechava os caminhos da montanha, nem as chuvas que engrossavam os córregos até transformá-los em torrentes, jamais puderam deter o padre Régis. Seu fervor era contagioso e animava a coragem dos outros; para onde quer que fosse, uma grande multidão o seguia, e outra igualmente numerosa saía ao seu encontro, apesar dos perigos e dificuldades. Eu mesmo o vi deter-se no meio de um bosque para atender a um punhado de camponeses que queriam ouvi-lo. Também o vi permanecer de pé, o dia inteiro, sobre um monte de neve, no cume de uma montanha, para pregar e instruir, e depois passou toda aquela noite no confessionário.” Outro testemunho relata que viajava pela região quando avistou uma procissão que serpenteava pelo sinuoso caminho da montanha. “É o santo — informou-lhe um homem do lugar —; todo o povo o segue.” Quando o testemunho chegou à cidade de Saint André, encontrou o caminho fechado pela multidão que se aglomerava diante da igreja. “Estamos aguardando a chegada do santo que vem pregar para nós”, foi a explicação que recebeu o viajante. Homens e mulheres estavam dispostos a caminhar dez, doze e até mais léguas para encontrá-lo, pois tinham a certeza de que, por mais tarde que chegassem, o padre Régis os atenderia com a habitual amabilidade. Ele, por sua parte, costumava iniciar a caminhada às três da madrugada, com algumas maçãs na sacola, para visitar um remoto povoado. Jamais deixou de cumprir um compromisso. Em certa ocasião, caiu acidentalmente e quebrou a perna; mas isso não foi obstáculo para que se levantasse do leito e, com o apoio de um bastão e o ombro de seu companheiro, caminhasse até o local distante onde tinha um compromisso para ouvir confissões. Ao final da jornada, consentiu que os médicos o examinassem, e estes constataram, maravilhados, que a perna estava completamente curada.

Os últimos quatro anos da vida do santo transcorreram em Velay. Durante todo o verão trabalhou em Le Puy, onde a igreja dos jesuítas se mostrou pequena para conter congregações que, às vezes, chegavam a quatro mil e cinco mil pessoas. Sua influência alcançou todas as classes sociais e produziu um reavivamento espiritual eficaz e duradouro. Estabeleceu e organizou um serviço social muito completo que contava com visitadores às prisões, enfermeiras para os hospitais e administradoras da ajuda aos pobres, recrutadas entre aquelas pobres mulheres que ele havia resgatado da má vida. Justamente essa iniciativa lhe acarretou múltiplas dificuldades. Alguns homens perversos do lugar, privados daquelas mulheres fáceis, descarregaram seu rancor sobre o padre Régis e o atacaram por todos os meios possíveis, sobretudo com calúnias e difamações, a tal ponto que muitos dos próprios fiéis que o conheciam chegaram a pôr em dúvida sua prudência. Durante algum tempo, suas atividades foram estreitamente vigiadas por um superior escrupuloso; mas o padre Régis não fez o menor esforço para justificar-se. Deus, que se compraz em exaltar os humildes, manifestou sua aprovação aos trabalhos de seu servo, concedendo-lhe o poder de realizar milagres. Com a imposição de sua mão realizou numerosas curas, chegando mesmo a devolver a vista a uma criança e a um homem que havia estado completamente cego durante nove anos. Em tempos de escassez, quando o povo acorria em massa aos celeiros do padre Régis em busca de ajuda, houve três ocasiões em que a reserva de grãos foi milagrosamente renovada, para assombro das boas mulheres que estavam encarregadas do depósito.
Os trabalhos missionários continuaram até o outono de 1640, quando o padre João Francisco pareceu perceber que seus dias estavam contados. Perto do fim do Advento, teve de fazer uma viagem à região de La Louvesc. Antes de partir, fez um retiro de três dias no colégio de Le Puy e liquidou algumas pequenas dívidas. Na véspera da partida, seus companheiros o convidaram a permanecer com eles até a época da renovação dos votos, no meio do ano, mas o padre Régis recusou-se: “O Mestre não quer assim”, respondeu aos apelos. “Sua vontade é que eu parta amanhã; não voltarei para a renovação dos votos; mas meu companheiro sim voltará.” Partiram ambos sob um tempo tormentoso; a tempestade os fez perder o rumo e a noite os surpreendeu no meio do bosque. Procuraram abrigo em uma casa destruída e aberta aos quatro ventos. Naquela noite, o padre Régis, completamente exausto, contraiu uma pneumonia. Contudo, no dia seguinte, fez um esforço sobre-humano e chegou até La Louvesc, onde iniciou sua missão. Proferiu três sermões no dia de Natal e outros três na festa de Santo Estêvão; o restante do tempo passou no tribunal da penitência. Após seu último sermão, ao se dirigir ao confessionário, sofreu dois desmaios. Foi levado à casa do pároco e verificou-se que estava agonizante. No dia 31 de dezembro, passou o dia inteiro com os olhos fixos no crucifixo; ao cair da tarde, abriu a boca para exclamar repentinamente: “Irmão! Vejo Nosso Senhor e Sua Mãe abrirem o Céu para mim!”. Silenciou por alguns instantes e depois murmurou as palavras: “Em tuas mãos entrego o meu espírito...” e expirou. Tinha quarenta e três anos de idade. Seus restos mortais permanecem sepultados até hoje em La Louvesc, onde faleceu, e todos os anos cerca de cinquenta mil peregrinos provenientes de todas as partes da França visitam sua tumba. Foi durante uma peregrinação a La Louvesc que São João Maria Vianney, o Cura d’Ars, sentiu-se movido pelo exemplo de São João Francisco Régis e decidiu realizar sua vocação ao sacerdócio.
Há numerosas e excelentes biografias de São João Francisco Régis (canonizado em 1737), especialmente em francês. A que foi escrita por €. de la Broué, publicada dez anos após a morte do santo, possui um encanto especial, mas mais detalhes e dados históricos podem ser encontrados em obras modernas, sobretudo nas de Curley e de L. J. M. Cros. Uma biografia breve e magnífica é a publicada por J. Vianney na série Les Saints. Veja-se também L. Pize, em La Perpétuelle Mission de St. Jean François Regis (1924); outro relato admirável é o de Fr. Van Ortroy na Catholic Encyclopedia, vol. VIII, pp. 464-465, assim como o de Fr. Martindale em um capítulo de seu livro intitulado No Exército de Deus. [1]
SÃO TICÃO, BISPO DE AMATO (SÉCULO V?)

O que se pode afirmar com certeza sobre São Ticão é que, em tempos muito antigos, ocupou a sede episcopal de Amato, local onde hoje se encontra a cidade de Limassol, em Chipre, e que durante vários séculos gozou de grande veneração por parte dos habitantes da ilha, que o chamam de “o Milagroso” e o consideram padroeiro dos viticultores. Os dois pontos de sua vida que destacam seus biógrafos são estes: era filho de um padeiro e, quando criança, costumava distribuir entre os pobres o pão que seu pai lhe mandava vender; ao saber disso, o padeiro se indignou; mas ao abrir a porta do depósito onde guardava a farinha, encontrou-o, por milagre, cheio até transbordar, de modo que suas perdas estavam amplamente recompensadas. O segundo ponto refere-se à época em que Ticão era bispo; possuía então uma pequena vinha, mas não tinha cepas para plantar. Certo dia, pegou o ramo de uma videira que outro viticultor havia jogado fora por considerá-lo morto, e o plantou em suas terras, enquanto elevava uma prece pedindo a Deus quatro graças: que a seiva voltasse a circular pelo ramo seco, que a cepa produzisse fruto abundante, que as uvas fossem doces e que amadurecessem cedo. Desde então, na vinha do bispo Ticão, os cachos amadureciam muito antes que nos outros vinhedos da região, e essa foi a razão pela qual se celebra a festa de São Ticão e se procede à bênção das vinhas no dia 16 de junho, mas apenas na região de Limassol, porque em outras partes de Chipre a vindima só ocorre várias semanas depois.
Apesar de não se poder dar crédito à sua história lendária, e não obstante os esforços recentes de alguns escritores alemães, sobretudo H. Usener, para identificá-lo com o deus pagão Príapo, pode-se aceitar como certo que São Ticão foi um personagem real e um prelado da Igreja cristã. Com base na tradição de que as uvas de Limassol amadureciam antes do tempo graças a São Ticão, desde tempos remotos, como parte das cerimônias do dia 16 de junho, espreme-se o suco de um cacho de uvas dentro de um cálice. Até o fim do século VI, o túmulo de São Ticão era um local muito visitado por peregrinos e, no século IX, São José o Hinoógrafo compôs um ofício em sua honra.
Existe uma biografia em grego sobre São Ticão, impressa e editada por H. Usener, na obra Der Heilige Tychon (1907). Essa biografia foi escrita por São João, o Esmoler (veja-se em 23 de janeiro), e, do ponto de vista literário, é um elegante exemplo da composição greco-bizantina, mas, no campo dos fatos históricos, diz-se muito pouco. Anteriormente, havia sido impresso um resumo desse texto na Analecta Bollandiana, vol. XXVI (1907), pp. 229-232, do manuscrito de Paris, 1488. Veja-se também Delehaye na Analecta Bollandiana, vol. XXVIII (1909), pp. 119-122, o Rheinisches Museum (1908), pp. 304-310, de A. Brinkmann, bem como a nota sobre São Ticão nos Acta Sanctorum, junho, vol. IV. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 563–566.
Ibid. pp. 558-559.
NOTA: *Huguenotes eram os protestantes franceses seguidores da "tradição reformada" herética (calvinista) do protestantismo.
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