Vida de Santo Eustáquio e companheiros, Mártires e Beato Francisco de Posadas (20 de setembro)
- Sacra Traditio

- 20 de set.
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Santo Eustáquio está entre os mártires mais famosos da Igreja, venerado há séculos, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Conta-se entre os Quatorze Santos Auxiliadores, é Padroeiro dos Caçadores e, pelo menos desde o século VIII, deu seu nome à igreja titular de um diácono-cardinal em Roma. Para Butler e alguns estudiosos, sua vida não passa de “lendas sem valor histórico”, sendo mais uma narrativa piedosa do que uma verdadeira biografia, reduzindo sua história apenas a:
Certa vez, enquanto perseguia uma presa valiosa nas montanhas, viu aproximar-se um grande cervo cujos chifres exibiam a figura de Jesus Cristo na Cruz (história também presente na lenda de São Huberto e de outros santos) e uma voz da aparição chamava-o pelo nome. Acredita-se que tal prodígio ocorreu na região italiana de Guadagnolo, entre Tivoli e Palestrina. A extraordinária visão converteu instantaneamente Plácido ao cristianismo. O general e toda sua família foram batizados; ele passou a se chamar Eustáquio, sua esposa Teopista e seus filhos, Agapito e Teopista. Pouco depois, Eustáquio perdeu todos os seus bens e, após infortúnios, separou-se da família. Em momento crítico para o Império, foi chamado para comandar um exército, os bons tempos retornaram e pôde se reunir com a esposa e os filhos. Porém, quando o bem-estar terreno estava ao alcance, recusou oferecer sacrifícios aos deuses durante a cerimônia em Roma por sua vitória militar. Consequentemente, Eustáquio, sua esposa e filhos foram encadeados sobre um enorme touro de bronze, sob o qual acenderam uma fogueira para que toda a família perecesse assada. [1]
A razão disso é que essas pessoas não percebem como o Senhor costuma agir milagrosamente com seus santos e por quais caminhos insólitos Ele os conduz ao fim que lhes preparou. A Sagrada Escritura nos dá mais de um exemplo disso, como no caso de José, filho do santo patriarca Jacó, e de Davi. A vida deles mostra claramente que não devemos duvidar de uma história por conter muitos acontecimentos surpreendentes, especialmente se for confirmada por testemunhos antigos e indiscutíveis. Como os possuímos em relação à história que se segue, não hesitamos em apresentá-la aos nossos leitores.
Santo Eustáquio nasceu e foi educado no paganismo. Antes de receber o Batismo, chamava-se Plácido. Buscou a glória nas façanhas militares e deu, sob os imperadores romanos, tantas provas de sua competência como general, que se tornou muito ilustre e gradualmente ascendeu à dignidade de comandante supremo. Não tinha nenhum dos vícios habituais dos pagãos; ao contrário, portava-se de forma muito louvável. Quando não estava no campo, passava o tempo caçando. Um dia, perseguia um grande veado, que, de repente, voltou-se para ele e parou. Plácido ficou espantado ao ver, entre os chifres do animal, um crucifixo envolto por uma luz brilhante, e ouviu de sua boca as mesmas palavras que Nosso Senhor havia dito a Saulo, perseguidor dos primeiros cristãos: “Plácido, por que me persegues? Eu sou Jesus, que morreu por amor a ti, e que te salvará.” Plácido, muito surpreso, caiu de joelhos e disse: “Que queres que eu faça?” “Vai à cidade”, foi a resposta; “procura um sacerdote e batiza-te, com tua mulher e teus filhos; depois volta para cá.”

Plácido obedeceu à voz celestial, foi à cidade, procurou e encontrou um sacerdote, que o instruiu e batizou a ele, sua mulher e seus dois filhos. Plácido recebeu no Batismo o nome de Eustáquio; a esposa dele, que se chamava Tatiana, recebeu o nome de Teopista; o filho mais velho foi chamado Agápio, e o mais novo, Teopisto. Depois disso, Eustáquio voltou para a floresta, orando humildemente para que Deus deixasse ainda mais clara sua santa vontade. O Salvador apareceu-lhe como antes, dizendo:
“Fizeste bem; foste obediente. Agora que és cristão, prepara-te para sofrer. Aproxima-se uma grande luta, mas não temas; sê constante. Dou-te a certeza da minha ajuda e prometo-te a coroa da glória eterna.”
Eustáquio, embora a princípio assustado com tais palavras, submeteu-se à vontade divina, sabendo que o Todo-Poderoso estaria com ele. Sua mulher e seus filhos manifestaram o mesmo sentimento quando ele lhes contou o que havia acontecido; e todos decidiram receber de bom grado das mãos de Deus quaisquer provações que Ele quisesse impor-lhes.
A ocasião para mostrar sua fidelidade logo se apresentou. Por causa de uma doença e de um infortúnio, Eustáquio ficou tão pobre que foi obrigado a deixar secretamente a cidade com sua família, e decidiu ir para o Egito, pois lá não era conhecido. Quando já se encontravam a bordo do navio em que fariam a viagem, o proprietário da embarcação, fixando os olhos em Teopista, ordenou que ela fosse levada à força para a costa, enquanto, apesar de todos os protestos de Eustáquio, o navio zarpava. Teopista permaneceu em poder do homem ímpio, mas o Todo-Poderoso não permitiu que lhe fizessem mal, pois assim que o delinquente pôs a mão nela, Deus o castigou com uma morte súbita. Assim a mulher foi libertada.
Nesse ínterim, Eustáquio continuou sua infeliz e perigosa viagem, profundamente triste com a perda da esposa. Por fim, chegou a terra firme e em segurança com os filhos, mas a uma distância considerável do destino final. No trajeto, passaram por um rio, onde não havia ponte nem embarcação que os levasse até a margem oposta. Após longa deliberação, Eustáquio decidiu levar cada um dos seus filhos pela água. Tomando o primeiro, levou-o em segurança para a margem oposta, mas, quando voltou para buscar o segundo e já tinha chegado ao meio da corredeira, para sua indescritível angústia, viu levá-lo um leão. Percebendo que qualquer tentativa de resgate seria loucura, virou-se para buscar o outro filho, mas, antes que pudesse alcançá-lo, outra fera também o agarrou e arrastou para a floresta.
Lá estava Eustáquio, outrora tão próspero, sem mulher, sem filhos, sozinho, sem ajuda humana, numa terra estranha. O herói cristão, no entanto, lembrou-se das palavras de seu Salvador e, enterrando sua dor no fundo do coração, submeteu-se à Divina Providência. Sem saber o que fazer para ganhar a vida, colocou seus trabalhos à disposição de um camponês e serviu-o, não sem muita luta interior, durante quinze longos anos.

Passado esse tempo, hordas inimigas invadiram a Itália, e o Imperador Adriano, lembrando-se de seu valente general Plácido, procurou-o por toda a parte. Finalmente o encontraram e levaram ao imperador, que o nomeou comandante supremo de todo o exército e ordenou-lhe que marchasse contra o inimigo. Eustáquio obedeceu à ordem, foi até o adversário em nome do Senhor dos Exércitos, venceu-o e regressou a Roma repleto de valiosos despojos. Durante a marcha de regresso, acampou certa vez nas proximidades de uma aldeia à qual os seus soldados iam frequentemente, e foi lá que Deus quis reunir o herói cristão, Eustáquio, à sua esposa e aos seus dois filhos, que há muito julgava perdidos para sempre. Os dois filhos eram soldados e faziam parte do mesmo exército que regressava agora a Roma, mas os dois não se conheciam.
Um dia, quando ambos jantavam com alguns de seus camaradas em frente à porta de uma casa na aldeia, começaram a falar da sua vida pregressa. Um deles disse:
Sou filho de um grande general, que fugiu de casa com minha mãe, meu irmão e eu. Não sei o que aconteceu com minha mãe, mas lembro bem que meu pai, quando chegamos a um riacho, levou meu irmão até o outro lado, deixando-me na margem com a intenção de voltar para me buscar. Naquele momento, apareceu um leão e me levou. Ele certamente teria me devorado, se alguns pastores não tivessem me resgatado. Fiquei com eles e tornei-me um soldado com o passar do tempo.
O outro contou que um lobo o apanhara quando estava sentado perto de um rio, e que havia ficado com os camponeses que o salvaram até o início da guerra, quando se juntou ao exército. Enquanto conversavam, entreolharam-se e um reconheceu no outro seu próprio irmão. Abraçaram-se e derramaram lágrimas de alegria.
A mãe deles, Teopista, servia na mesma casa diante da qual estavam sentados os irmãos. Ouviu tudo o que disseram e concluiu que se tratava de seus filhos. Aproximando-se deles, olhou-os atentamente e, vendo certos sinais pelos quais não podia deixar de reconhecê-los, abaixou-se, tomou-os pelo pescoço e, apertando-os contra o coração, disse, em meio a uma torrente de lágrimas, que era sua mãe.
Depois disso, foram falar com Eustáquio, o comandante, para lhe contar o que havia acabado de acontecer e pedir-lhe permissão para ir a Roma, sua terra natal. Porém, assim que ela começou a contar sua história, eles se reconheceram, e não há palavras para descrever a felicidade daquele encontro. Com vozes exultantes, todos eles louvaram e bendisseram o poder da Providência, que tão maravilhosamente, e contra toda esperança, os havia reunido. O exército prosseguiu seu caminho de volta para casa, e Eustáquio, sua esposa e filhos, retornaram a Roma.
O líder vitorioso foi recebido em meio aos festejos do povo e com todas as manifestações de honra. O imperador, que atribuiu aos deuses a vitória de seu exército sobre o inimigo, marcou um dia de ação de graças, em que lhes deveriam ser oferecidos grandes sacrifícios. Todos os oficiais do Estado e do exército foram ordenados a participar do rito solene. Quando chegou o dia, de todos que haviam sido convocados para o evento, apenas Eustáquio não estava presente. O imperador quis saber o motivo e enviou um mensageiro ao comandante. Este respondeu que, sendo cristão, não podia participar de um sacrifício idolátrico.

Enfurecido, o imperador ordenou imediatamente a prisão de Eustáquio, de sua mulher e de seus filhos. Depois, tentou, com palavras gentis e promessas, convencer Eustáquio a adorar os deuses, mas quando viu que tudo era inútil, mandou lançá-lo, com a mulher e os filhos, aos leões. Os animais, porém, como que esqueceram-se de sua crueldade e, deitando-se aos pés dos santos confessores, não lhes quiseram fazer mal.
Adriano, porém, mais cruel que as feras da floresta, ordenou que o santo, sua esposa e seus filhos fiéis fossem lançados num imenso touro de bronze incandescente. A sentença desumana foi executada. Os santos mártires, pelo poder divino, permaneceram vivos durante três dias, louvando e bendizendo o grande Senhor da vida e da morte. Por fim, quando suas vozes cessaram, o touro foi aberto e os quatro foram encontrados sem vida, mas também sem qualquer ferimento em seus corpos ou vestes. Esse glorioso martírio ocorreu no ano 120. [2]
Apesar da enorme popularidade da lenda de São Eustáquio — como comprovam numerosas versões em prosa e verso —, a existência histórica do mártir é duvidosa. O culto não é antigo e sua origem não pode ser localizada com precisão; possivelmente veio do Oriente, mas já na primeira metade do século VIII havia sido adotado em Roma. Delehaye analisou detalhadamente a lenda no Bulletin de l’Académie Royale de Belgique, Classe des Lettres, 1919, pp. 175-210. A tentativa de A. H. Krappe em La Leggenda di S. Eustachio (1929) de relacioná-la aos Dioscuros é vã. Para a figura de São Eustáquio no folclore, ver Báchtold-Stäubli em Handworterbuch d. deutsch. Aberglaubens.

Francisco nasceu em Córdoba em 1644, e seus pais, que viviam do cultivo de um jardim, incutiram-lhe a ideia de que deveria ser religioso, particularmente frade pregador, perspectiva que agradava muito ao garoto. Ao falecer seu pai, sua mãe casou-se novamente, e o padrasto considerou os estudos de Francisco perda de tempo, obrigando-o a abandoná-los e a aprender um ofício. Inicialmente, seu mestre o tratou com extrema dureza, mas Francisco conquistou seu afeto graças à paciência, bom caráter e assiduidade no trabalho. Com o tempo, o mestre permitiu que prosseguisse nos estudos, concedendo-lhe tempo para se dedicar a eles. Após a morte do padrasto, Francisco passou a cuidar da mãe; em 1663, ingressou no noviciado dominicano, no convento de Scala Coeli, em Córdoba. Suas primeiras experiências foram difíceis: os companheiros não o compreendiam e zombavam dele, mas ele perseverou com paciência, fez sua profissão e foi admitido ao sacerdócio.
Francisco destacou-se como pregador, sendo comparado a um segundo São Vicente Ferrer. Atuou em missões pelo sudoeste da Espanha, ouvia confissões, viajava a pé e submetia-se a rigorosas mortificações. Sua pregação eloquente e exemplar gerou grande influência, reformando costumes e moral pública e privada em sua cidade natal, a ponto de fechar muitos lugares de vício por falta de clientela. Sempre a serviço dos pobres, aprendeu humildade, evitando altos cargos na ordem e episcopados que lhe foram oferecidos. Escreveu diversos livros (El Triunfo de la Castidad, biografias de São Domingos e outros Santos, exhortações morais) e faleceu em Scala Coeli em 20 de setembro de 1713, após quarenta anos de trabalho constante pelo bem das almas. Foi beatificado em 1818.
Pouco após a beatificação, o R. P. Sopena publicou em Roma uma Vita do Beato Francisco de Posadas, contendo relatos de suas levitações durante a Missa e suas resistências para não elevar o corpo. Ver Martínez Vigil, La Orden de Predicadores (1884), pp. 352 ss.; nota de Procter em Dominican Saints, pp. 263-265. Consulte também o Catalogus Hagiographicus O.P. de Taurisano. [3]
Referência:
Extraído, traduzido e levemente adaptado. Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 629-630.
Extraído, traduzido e adaptado: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 363ss. Artigo “Agora que és cristão, prepara-te para sofrer”.
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 630-631.


























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