Vida de santa Margarida da Escócia e Santos Getúlio e companheiros, mártires (10 de junho)
- Sacra Traditio

- 10 de jun.
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SANTA MARGARIDA DA ESCÓCIA, MATRIARCA* (1093 d.C.)

Margarida era uma das filhas de Eduardo d’Outremer (“O Exilado”), parente muito próximo de Eduardo, o Confessor, e irmã do príncipe Edgardo. Este último, ao fugir das ciladas de Guilherme, o Conquistador, refugiou-se, juntamente com a irmã, na corte do rei Malcolm Canmore, na Escócia. Uma vez ali, Margarida — tão bela quanto bondosa e recatada — cativou o coração de Malcolm e, no ano de 1070, quando tinha vinte e quatro anos, casou-se com o rei no castelo de Dunfermline. Esse casamento trouxe muitos benefícios a Malcolm e à Escócia. O rei era um homem rude e inculto, mas de boa índole, e Margarida, valendo-se da grande influência que exercia sobre ele, suavizou-lhe o caráter, educou seus modos e o transformou em um dos monarcas mais virtuosos que ocuparam o trono escocês. Graças àquela mulher admirável, os objetivos do reino passaram a ser o fortalecimento da religião cristã e a felicidade dos súditos. “Ela incitava o monarca a praticar a justiça, a caridade, a misericórdia e outras virtudes”, escreveu um autor antigo, “e em todas essas coisas, pela graça divina, conseguiu que ele realizasse seus piedosos desejos. Pois o rei percebia que Cristo habitava no coração da rainha e sempre se dispunha a seguir seus conselhos.” E foi de fato assim, já que ele não só lhe confiou a administração completa dos assuntos domésticos, como também a consultava continuamente sobre os negócios do Estado.
Margarida fez tanto bem a seu marido quanto à sua pátria adotiva, promovendo as artes da civilização, a educação e a religião. A Escócia sofria com a ignorância e com muitos abusos e desordens, tanto entre o clero quanto entre os leigos; mas a rainha organizou e convocou sínodos que tomaram providências para erradicar tais males. Ela mesma comparecia a essas reuniões e participava dos debates. Estabeleceu-se a obrigatoriedade da observância dos domingos, das festas religiosas e dos jejuns. Todos foram incentivados a receber a Comunhão Pascal e muitas práticas escandalosas, como a simonia, a usura e o incesto, foram rigorosamente proibidas. Santa Margarida esforçava-se constantemente por obter bons sacerdotes e mestres para todas as regiões do país, e formou uma espécie de associação de costura entre as damas da corte, com o fim de prover vestimentas e ornamentos para as igrejas. Juntamente com seu esposo, fundou e construiu diversas igrejas, entre as quais se destaca, pela grandiosidade, a de Dunfermline, dedicada à Santíssima Trindade.

Deus abençoou os reis com seis filhos e duas filhas, que a mãe educou com zelo extremo; ela mesma os instruiu na fé cristã e nunca deixou de supervisionar seus estudos. Sua filha Matilde casou-se mais tarde com Henrique I da Inglaterra e entrou para a história com o apelido de “Good Queen Maud” (a boa rainha Maud),** enquanto três de seus filhos — Edgardo, Alexandre e Davi — ocuparam sucessivamente o trono da Escócia. O último deles é venerado como santo. Os cuidados e a solicitude de Margarida se estendiam aos criados do palácio no mesmo grau em que aos de sua própria família. E mesmo com os afazeres do Estado e as obrigações domésticas que lhe competiam, ela mantinha seu espírito totalmente desapegado das coisas terrenas e recolhido em Deus. Em sua vida privada, praticava uma austeridade extrema: comia parcamente e, para ter mais tempo para a oração, roubava horas do sono. Todos os anos observava dois períodos de Quaresma: um na data tradicional e outro antes do Natal. Nessas ocasiões, levantava-se à meia-noite e ia à igreja para assistir aos maitines; frequentemente, o rei a acompanhava. Ao retornar ao palácio, lavava os pés de seis pobres e lhes dava esmolas.
Também durante o dia, dedicava várias horas à oração e, sobretudo, à leitura das Sagradas Escrituras. Um pequeno livro em que lia os Evangelhos caiu certa vez no rio, mas não sofreu nenhum dano, além de uma mancha d’água na capa; esse mesmo volume ainda se conserva entre os tesouros mais preciosos da Biblioteca Bodleiana, em Oxford. Talvez a maior virtude da rainha Margarida tenha sido seu amor pelos pobres. Com frequência visitava doentes e os cuidava e limpava com as próprias mãos. Mandou construir hospedarias para peregrinos e resgatou inúmeros cativos, especialmente ingleses. Sempre que aparecia em público, estava cercada de mendigos, e nenhum deles ficava sem generosa ajuda. Nunca se sentava à mesa sem antes ter alimentado nove crianças órfãs e vinte e quatro adultos. Muitas vezes, especialmente no Advento e na Quaresma, o rei e a rainha convidavam trezentos pobres para comer no palácio e os serviam pessoalmente, às vezes ajoelhados, usando pratos e talheres semelhantes aos da própria mesa real.

Em 1093, o rei Guilherme Rufo tomou de surpresa o castelo de Alnwick e passou toda a guarnição ao fio da espada. No curso da contenda que se seguiu a esse acontecimento, o rei Malcolm foi morto à traição e seu filho Eduardo pereceu assassinado. Naquele tempo, a rainha Margarida jazia em seu leito de morte. Ao saber do assassinato de seu esposo, ficou tomada por uma profunda tristeza e, entre lágrimas, disse aos que a rodeavam: “Talvez neste dia tenha caído sobre a Escócia a maior desgraça em muito tempo”. Quando seu filho Edgardo regressou do campo de batalha de Alnwick, ela, em seu delírio, perguntou-lhe como estavam seu pai e seu irmão. Temendo que as más notícias a afetassem, Edgardo respondeu que estavam bem. Então, a rainha exclamou em voz alta: “Já sei o que aconteceu!”. Depois levantou as mãos ao céu e murmurou: “Dou-Te graças, Deus Todo-Poderoso, porque, mandando-me tão grandes aflições na última hora de minha vida, Tu me purificas de minhas culpas. Assim o espero de Tua misericórdia”. Pouco depois, repetiu várias vezes estas palavras: “Ó meu Senhor Jesus Cristo, que por tua morte deste vida ao mundo, livra-me de todo mal!”. No dia 16 de novembro de 1093, quatro dias após a morte de seu esposo, Margarida passou para a vida eterna, aos quarenta e sete anos de idade. Foi sepultada na igreja da abadia de Dunfermline, que ela e seu marido haviam fundado. Santa Margarida foi canonizada em 1250 e foi proclamada padroeira da Escócia em 1673.
As belas memórias de Santa Margarida, que provavelmente devemos a Turgot, prior de Durham e posteriormente bispo de Saint Andrews, que conheceu bem a rainha, já que, durante toda a sua vida ouviu-lhe as confissões, oferecem-nos uma inspirada descrição da influência que ela exerceu sobre a rude corte escocesa. Ao falar-nos de sua constante preocupação em manter as igrejas bem providas com toalhas e ornamentos para os altares e vestes para os sacerdotes, escreve:
Esses trabalhos eram confiados a certas mulheres de nobre linhagem e virtude comprovada, que fossem dignas de tomar parte nos serviços da rainha. A nenhum homem era permitido o acesso ao lugar onde costuravam as mulheres, a menos que a própria rainha levasse um acompanhante em suas visitas ocasionais. Entre as damas não havia invejas nem rivalidades, e nenhuma se permitia familiaridades ou leviandades com os homens; tudo isso porque a rainha unia à doçura de seu caráter um estrito senso de dever e, mesmo dentro de sua severidade, era tão gentil que todos ao seu redor, homens ou mulheres, chegavam instintivamente a amá-la, ao mesmo tempo que a temiam, e por temê-la, amavam-na. Assim sucedia que, quando ela estava presente, ninguém ousava levantar a voz para pronunciar uma palavra áspera, e muito menos cometer qualquer ato desagradável. Até mesmo sua alegria tinha certa gravidade, e sua cólera era majestosa. Diante dela, o contentamento jamais se expressava em gargalhadas, nem o desgosto se convertia em fúria. Algumas vezes, ela apontava as faltas dos outros — sempre as suas próprias — com aquela severidade aceitável, atenuada pela justiça que o Salmista nos recomenda usar sempre, ao dizer: “Irai-vos, mas não pequeis”. Todas as ações de sua vida eram reguladas pelo equilíbrio da mais gentil das discrições, qualidade esta que imprimia um selo distintivo sobre cada uma de suas virtudes. Ao falar, sua conversação era temperada com o sal de sua sabedoria; ao calar, seu silêncio estava cheio de bons pensamentos. Seu porte e sua aparência exterior correspondiam de maneira tão cabal à firme serenidade de seu caráter, que bastava vê-la para sentir que estava feita para levar uma vida de virtude. Em resumo, posso dizer que cada palavra que pronunciava, cada ação que realizava, parecia demonstrar que a rainha meditava nas coisas do céu.
De longe, a fonte de informação mais valiosa para a história da vida de Santa Margarida é o relato de onde tiramos a citação anterior, o qual, quase com certeza, foi escrito por Turgot, natural de Lincolnshire e descendente de uma antiga família saxônica. O texto latino incluído no Acta Sanctorum, junho, vol. 11, deve ser consultado, assim como uma excelente tradução inglesa do mesmo, feita por Fr. W. Forbes-Leith (1884). O restante do material é fornecido por cronistas como Guilherme de Malmesbury e Simeão de Durham; a maioria dessas crônicas foi resumida com proveito por Freeman, em Norman Conquest. Um interessante relato sobre a história de suas relíquias encontra-se em D.N.B., vol. XXXVI. Existem biografias modernas de Santa Margarida, como a de S. Cowan (1911), L. Menzies (1925), J. R. Barnett (1926), entre outras. Para a data de sua festa, ver Acta Sanctorum, Decembris Propylaeum, p. 230. [1]
SANTOS GETÚLIO E COMPANHEIROS, MÁRTIRES (c. 120 d.C.)

Getúlio, esposo de Santa Sinforosa, fora oficial no exército romano durante os reinados de Trajano e Adriano, mas abandonou as fileiras assim que se converteu ao cristianismo, retirando-se para suas propriedades nos Montes Sabinos, perto de Tívoli. Ali viveu em isolamento, na companhia de um pequeno grupo de cristãos a quem instruía e protegia. Certo dia, estava ocupado ensinando seus discípulos, quando foi surpreendido por Cerealis, o enviado imperial, que lhe fazia uma visita inesperada com o objetivo de apanhá-lo de surpresa e prendê-lo. No entanto, Cerealis esqueceu-se das ordens imperiais diante da eloquência de Getúlio e deixou-se conquistar pela fé de Cristo. Também Amâncio, irmão de Getúlio, que apesar de ser cristão fervoroso mantinha seu posto de tribuno no exército romano, teve influência decisiva na conversão de Cerealis. Logo o imperador soube dos acontecimentos ocorridos nos Montes Sabinos e, em seguida, ordenou ao cônsul Licínio que fosse prender Getúlio, seu irmão e o recém-batizado Cerealis, condenando-os à morte caso não consentissem em renegar a fé e sacrificar aos deuses. Os três confessaram firmemente suas crenças e, após passarem vinte e sete dias na imunda prisão de Tívoli, submetidos a diversas torturas, foram decapitados ou queimados vivos na Via Salaria. Com eles morreu outro cristão, chamado Primitivo. As relíquias dos mártires foram recolhidas por Santa Sinforosa e sepultadas num “arenarium” em suas propriedades.
São Getúlio é honrado com um “elogium” desusadamente extenso no Martirológio Romano, mas sua Paixão, impressa no Acta Sanctorum, junho, vol. 11, pertence ao mesmo gênero lendário; seu nome não figura na Depositio Martyrum nem em outros registros antigos. Também há dados contraditórios quanto ao local de sua sepultura. É possível, no entanto, que a data tão remota do martírio tenha dado origem a essas dificuldades. Veja-se: Dufourcq, Études sur la Gesta Martyrum, vol. I, pp. 197-199 e 227; H. Quentin, Martyrologes historiques, p. 542; F. Scavini, Septem Dioeceses Aprutienses (1914), ver o índice. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 511–514.
Ibid. pp. 514–515.
NOTA: *Na Escócia, a festa de Santa Margarida é celebrada no aniversário de sua morte, em 16 de novembro. **Por esse matrimônio, a atual Casa Real Britânica descende dos reis de Wessex e da Inglaterra pré-conquista.


























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