Vida de Santa Joana d’Arc e São Félix I, Papa (30 de maio)
- Sacra Traditio
- 30 de mai.
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SÃO FÉLIX I, PAPA — (274 d.C.)

Segundo o Martirológio Romano e o Liber Pontificalis, Félix I, romano de nascimento, morreu mártir. Mas, quase certamente, esse dado provém de uma confusão com um mártir chamado Félix, que foi sepultado na Via Aurélia. Da mesma confusão vem a afirmação do Liber Pontificalis de que o Papa Félix “construiu, na Via Aurélia, a igreja na qual foi sepultado”. Na realidade, sabemos muito pouco sobre São Félix. Ao que parece, esse Pontífice respondeu ao informe do Concílio de Antioquia sobre a deposição de Paulo de Samósata, que havia comparecido, em Roma, diante do Papa São Dionísio, predecessor de São Félix. Duchesne, Bardenhewer, Harnack e outros especialistas sustentam que a carta de São Félix, lida no Concílio de Éfeso, era um documento falsificado pelos apolinaristas. A afirmação de que São Félix “decretou que se celebrasse a missa sobre os túmulos dos mártires” significa, talvez, que esse Papa proibiu o costume de deixar um espaço vazio sobre os sepulcros das catacumbas (“arcosolia”), exceto quando se tratava de tumbas de mártires. Se assim for, o sentido do decreto era que somente se podia celebrar missa sobre os sepulcros dos mártires. São Félix morreu em 30 de dezembro (III kal. jan.); no entanto, é comemorado em 30 de maio, devido a uma confusão entre “jan” e “jun”. A Depositio Episcoporum, que mostra claramente tratar-se de um erro de data, afirma que São Félix foi sepultado no cemitério de Calisto.
Ver: J. P. Kirsch na Catholic Encyclopedia, vol. VI, pp. 29-30; Duchesne, Liber Pontificalis, vol. I, p. 158; CMH., pp. 14-16; Bardenhewer, Geschichte der altkirchlichen Literatur, vol. II, pp. 645-647. [1]
SANTA JOANA D’ARC, VIRGEM (1431 d.C.)

Santa Joana d’Arc nasceu no dia da Epifania de 1412, em Domrémy, pequeno vilarejo de Champagne, às margens do rio Mosa. Seu pai, Jacques d’Arc, era um fazendeiro de certa importância — homem bom, frugal e um tanto taciturno. A mãe de Joana, que amava ternamente seus cinco filhos, educou as duas filhas nas tarefas domésticas. Joana declarou mais tarde: “Sei costurar e fiar como qualquer mulher.” Mas nunca aprendeu a ler nem a escrever. Os vizinhos da família, durante o processo de reabilitação da santa, deixaram testemunhos comoventes da piedade e da conduta exemplar da jovem. Tanto os sacerdotes que a conheceram como seus companheiros de brincadeiras testemunharam que Ao que parece, Joana teve uma infância feliz, embora um tanto perturbada pelos desastres que assolavam o país e pelo constante perigo de um ataque armado sobre a população de Domrémy, situada na fronteira da Lorena. Antes de iniciar sua grande missão, Joana teve que fugir pelo menos uma vez com seus pais para a cidade de Neufchâtel, a treze quilômetros de distância, para escapar das mãos dos piratas borgonheses que saquearam Domrémy.
Joana era ainda muito jovem quando Henrique V da Inglaterra invadiu a França, devastou a Normandia e reivindicou a coroa de Carlos VI. A França encontrava-se, naquele momento, dividida pela guerra civil entre os partidários do duque da Borgonha e os do duque de Orléans, de modo que não fora possível organizar rapidamente a resistência. Além disso, depois que o duque da Borgonha foi traiçoeiramente assassinado pelos homens do delfim, os borgonheses se aliaram aos ingleses, que apoiavam sua causa. A morte dos monarcas rivais, ocorrida em 1422, não melhorou a situação da França. O duque de Bedford, regente do monarca inglês, prosseguiu vigorosamente com a campanha, e as cidades foram caindo, uma após outra, nas mãos dos aliados. Enquanto isso, Carlos VII — ou o delfim, como insistiam em chamá-lo — considerava a situação perdida sem remédio e entregava-se a passatempos frívolos em sua corte.

Aos quatorze anos de idade, Santa Joana teve a primeira das experiências místicas que a conduziriam, pelo caminho do patriotismo, até a morte na fogueira. Primeiro ouviu uma voz, que parecia falar-lhe de perto, e viu um resplendor; mais tarde, as vozes se multiplicaram e a jovem começou a ver seus interlocutores, que eram, entre outros, São Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida. Pouco a pouco, os aparecidos lhe revelaram a missão esmagadora que o Céu lhe destinava: ela, uma simples camponesa, deveria salvar a França! Para não despertar a cólera do pai, Joana manteve silêncio. Mas, em maio de 1428, as vozes tornaram-se imperiosas e explícitas: a jovem deveria apresentar-se a Roberto de Baudricourt, comandante das forças reais, na cidade vizinha de Vaucouleurs. Joana conseguiu que um tio seu, que morava em Vaucouleurs, a levasse consigo. Mas Baudricourt zombou de suas palavras e despediu a donzela, dizendo que o que ela precisava era de umas boas palmadas do pai.
Naquele momento, a posição militar do rei era desesperadora, pois os ingleses atacavam Orléans, o último reduto da resistência. Joana voltou a Domrémy, mas as vozes não lhe deixaram paz. Quando a jovem respondeu que era uma camponesa que não sabia montar a cavalo nem fazer a guerra, as vozes retrucaram: “Deus te ordena.” Incapaz de resistir a esse chamado, Joana fugiu de casa e dirigiu-se novamente a Vaucouleurs. O ceticismo de Baudricourt desapareceu quando ele recebeu a notícia oficial de uma derrota que Joana havia predito; assim, não apenas consentiu em enviá-la ao rei, mas também lhe deu uma escolta de três soldados. Joana pediu que lhe permitissem vestir-se como homem para proteger sua virtude. Os viajantes chegaram a Chinon, onde o monarca se encontrava, no dia 6 de março de 1429; mas Joana só conseguiu vê-lo dois dias depois. Carlos havia se disfarçado para desconcertar Joana; mas a donzela o reconheceu de imediato por um sinal secreto que as vozes lhe haviam comunicado e que ela revelou apenas ao rei. Isso bastou para convencer Carlos VII do caráter sobrenatural da missão da donzela. Joana lhe pediu um regimento para salvar Orléans. O favorito do rei, La Trémouille, e a maior parte da corte, que consideravam Joana uma visionária ou uma impostora, opuseram-se ao pedido. Para resolver a questão, o rei decidiu enviá-la a Poitiers, para ser examinada por uma comissão de sábios teólogos.

Ao fim de um interrogatório que durou pelo menos três semanas, a comissão declarou que não encontrava nada que reprovar na jovem e aconselhou ao rei que se valesse prudentemente de seus serviços. Joana voltou então a Chinon, onde se iniciaram os preparativos para a expedição que ela deveria comandar. O estandarte feito especialmente para ela trazia bordados os nomes de Jesus e Maria, e a imagem do Pai Eterno, a quem dois anjos, ajoelhados, ofereciam uma flor-de-lis. A expedição partiu de Blois em 27 de abril. Joana ia à frente, revestida de uma armadura branca. Apesar de alguns contratempos, o exército conseguiu entrar em Orléans em 29 de abril, e sua presença operou maravilhas. Em 8 de maio, já haviam caído os fortes ingleses que cercavam a cidade, e o cerco foi levantado. Joana recebeu uma flechada sob o ombro. Antes da campanha, ela havia profetizado todos esses acontecimentos, com datas aproximadas. A donzela quisera continuar a guerra, pois as vozes lhe haviam assegurado que não viveria muito tempo. Mas La Trémouille e o arcebispo de Reims, que atribuíam a libertação de Orléans à sorte, inclinavam-se a negociar com os ingleses. Contudo, permitiu-se a Joana empreender uma campanha no vale do Loire com o duque de Alençon. A campanha foi breve e culminou com a vitória esmagadora sobre as tropas de Sir John Fastolf, em Patay. Joana quis coroar imediatamente o delfim. O caminho para Reims estava praticamente conquistado, e o último obstáculo desapareceu com a inesperada capitulação de Troyes.

Os nobres franceses ofereceram certa resistência; no entanto, acabaram por seguir a santa até Reims, onde, em 17 de julho de 1429, Carlos VII foi solenemente coroado. Durante a cerimônia, Santa Joana permaneceu de pé com seu estandarte ao lado do rei. Com a coroação de Carlos VII terminou a missão que as vozes haviam confiado à santa e também sua carreira de triunfos militares. Joana lançou-se audaciosamente ao ataque de Paris, mas a empresa fracassou por falta dos reforços que o rei havia prometido enviar e por sua ausência. A santa recebeu um ferimento na coxa durante a batalha e o duque de Alençon teve de retirá-la quase à força. A trégua do inverno que se seguiu, Joana passou na corte, onde os nobres a olhavam com um mal disfarçado receio. Quando as hostilidades recomeçaram, Joana acorreu para socorrer a praça de Compiègne, que resistia aos borguinhões. Em 23 de maio de 1430, entrou na cidade e, nesse mesmo dia, organizou um ataque que não teve sucesso. Por causa do pânico, ou devido a um erro de cálculo do governador da praça, a ponte levadiça foi levantada cedo demais, e Joana, com alguns de seus homens, ficou no fosso à mercê do inimigo. Os borguinhões derrubaram a donzela do cavalo em meio a gritos furiosos e a levaram ao acampamento de João de Luxemburgo, pois um de seus soldados a havia feito prisioneira. Desde então até bem avançado o outono, a jovem esteve cativa nas mãos do duque da Borgonha. Nem o rei nem os companheiros da santa fizeram o menor esforço para resgatá-la, antes a abandonaram à própria sorte. Porém, se os franceses a esqueciam, os ingleses, por sua vez, se interessavam por ela e a compraram, em 21 de novembro, por uma soma equivalente a 23.000 libras esterlinas atuais [aproximadamente R$176.000]. Uma vez nas mãos dos ingleses, Joana estava perdida. Eles não podiam condená-la à morte por tê-los derrotado, mas a acusaram de feitiçaria e heresia. Como a bruxaria estava então em voga, a acusação não era extravagante. Além disso, é certo que os ingleses e borguinhões atribuíram suas derrotas aos sortilégios mágicos da santa donzela.

Os ingleses a conduziram, dois dias antes do Natal, ao castelo de Ruão. Diz-se — sem fundamento suficiente — que a encerraram primeiro numa jaula de aço, pois teria tentado fugir duas vezes; depois, a transferiram para uma cela onde foi acorrentada a um banco de pedra, vigiada dia e noite. Em 21 de fevereiro de 1431, a santa compareceu pela primeira vez diante de um tribunal presidido por Pedro Cauchon, bispo de Beauvais, um homem sem escrúpulos, que esperava conseguir a sede arquiepiscopal de Ruão com a ajuda dos ingleses. O tribunal, cuidadosamente escolhido por Cauchon, era composto por magistrados, doutores, clérigos e funcionários ordinários. Em seis sessões públicas e nove sessões privadas, o tribunal interrogou a donzela acerca de suas visões e “vozes”, de seu uso de trajes masculinos, de sua fé e de suas disposições para submeter-se à Igreja. Sozinha e sem defesa, a santa enfrentou seus juízes com valentia, confundindo-os muitas vezes com suas respostas hábeis e sua memória exatíssima. Terminadas as sessões, foi apresentado aos juízes e à Universidade de Paris um resumo grosseiro e injusto das declarações da jovem. Com base nisso, os juízes determinaram que as revelações eram diabólicas e a Universidade a acusou em termos violentos.
Na deliberação final, o tribunal declarou que, se não se retratasse, deveria ser entregue como herege ao braço secular. A santa recusou-se a se retratar, apesar das ameaças de tortura. Mas, quando se viu diante de uma grande multidão no cemitério de Saint-Ouen, perdeu a coragem e fez uma retratação vaga. Convém dizer, no entanto, que não se conservaram os termos de sua retratação e que o fato tem sido muito debatido. A jovem foi reconduzida à prisão, mas esse alívio não durou muito. Quer por vontade própria, quer por manobras dos que desejavam sua morte, o fato é que Joana voltou a vestir-se de homem, contra a promessa que seus inimigos lhe haviam arrancado. Quando Cauchon e seus cúmplices foram interrogá-la em sua cela sobre o que consideravam uma recaída, Joana, que havia recobrado todo o seu ânimo, declarou novamente que fora enviada por Deus e que as vozes provinham de Deus. Diz-se que, ao sair do castelo, Cauchon disse ao conde de Warwick: “Tenha bom ânimo, pois logo acabaremos com ela”. Na terça-feira, 29 de maio de 1431, os juízes, depois de ouvir o relatório de Cauchon, decidiram entregar a santa ao braço secular como herege relapsa. No dia seguinte, às oito horas da manhã, Joana foi conduzida à praça do mercado de Ruão para ser queimada viva. A atitude da santa donzela naquela ocasião foi comovente. Quando os algozes acenderam a fogueira, Joana pediu a um frade dominicano que segurasse uma cruz à altura de seus olhos e morreu invocando o nome de Jesus.

A santa não havia ainda completado vinte anos. Suas cinzas foram lançadas no Sena. Mais de um dos espectadores deve ter ecoado o amargo comentário de Jean Tressart, um dos secretários do rei Henrique: “Estamos perdidos! Queimamos uma santa!” Vinte e três anos após a morte de Joana, sua mãe e dois de seus irmãos pediram que o caso fosse reexaminado, e o Papa Calisto III nomeou uma comissão para esse fim. Em 7 de julho de 1456, o veredicto da comissão reabilitou plenamente a santa. Mais de quatro séculos e meio depois, em 16 de maio de 1920, Joana d’Arc foi solenemente canonizada.
Por ocasião da canonização, despertou-se novamente, tanto na Inglaterra quanto em outros países, o interesse pela santa. Inevitavelmente, esse interesse favoreceu o surgimento de lendas. Tal é, por exemplo, a lenda da Joana d’Arc “protestante”, popularizada por George Bernard Shaw, num erro desculpável, pois o autor não conhecia suficientemente o catolicismo — mas que não deixa de ser um erro. Uma variante dessa lenda é a Santa Joana dramatizada, uma figura em parte atraente e em parte sem relevo, mas de todo modo irreal. Existe também a lenda da Joana d’Arc “nacionalista”. É verdade que Santa Joana foi uma grande patriota, mas em seus lábios, a palavra “França” significava apenas “Justiça”. Outra lenda é a da Joana d’Arc “feminista”, que é sem dúvida a mais absurda de todas, tanto do ponto de vista histórico quanto do ponto de vista dos sentimentos da santa. Naturalmente, existe também a Joana d’Arc da estatuária, da qual se pode dar como exemplo a estátua da catedral de Winchester. Mencionemos, por fim, o erro dos que creem que a Igreja venera a santa como mártir. [Nota: Santa Joana foi canonizada em 1920 por Bento XV, como virgem e confessora da fé, não como mártir].
Como era, na realidade, Joana d’Arc? Simplesmente uma camponesa bem dotada, do ponto de vista humano, com muito bom senso e cheia da graça de Deus. Como conhecia bem a história da Anunciação, quando lhe foi revelada a vontade de Deus — que deve ter parecido menos extraordinária à sua simplicidade do que parece à nossa complexidade —, soube reconhecê-la com inteligência e submeter-se a ela. Tal é a Joana d’Arc que se revela em cada linha dos documentos originais do julgamento. Desses documentos depreendem-se também outras lições, algumas das quais não nos honram como católicos. É certo que o tribunal que condenou a santa não foi o da Igreja, mas entre os clérigos que apoiaram o veredicto havia vários personagens eclesiásticos importantes, alguns de boa vontade e outros não. A condenação de Joana d’Arc é uma mancha indelével na história da Inglaterra.

É impossível oferecer uma bibliografia completa sobre Santa Joana d’Arc no espaço exíguo de que dispomos. A bibliografia do cônego U. Chevalier (1906) compreendia mais de 1.500 títulos — e isso antes da beatificação. Desde então, escreveram-se inúmeros livros e artigos. As principais fontes foram publicadas pela primeira vez por Quicherat, Procès de Condamnation et Réhabilitation, 5 vols. (1841–1849). Nessa obra, as fontes estão em latim, mas há várias traduções, como a de Champion em francês e a de T. D. Murray em inglês. W. P. Barret traduziu exclusivamente os autos do processo (1931). Também há uma enorme série de documentos, a maioria traduzida, nos cinco volumes do Pe. Ayroles, La Vraie Jeanne d’Arc (1890–1901); mas o autor exagera a nota polêmica. O mesmo se pode dizer da obra — excelente em outros aspectos — do cônego Dunand, Histoire complète de Jeanne d’Arc, 4 vols. (1912), e Études Critiques, 4 vols. (1909). Cf. Denifle, Chartularium Universitatis Parisiensis e o suplemento; C. Lemire, Le Procès de Jeanne d’Arc. Sobre a bibliografia, veja-se Cambridge Medieval History, vol. VI, pp. 871 ss., e J. Calmette, La France et l’Angleterre en Conflit (1937), pp. 405 ss. Entre as biografias e estudos franceses, devem-se mencionar: L. H. Petitot (1921); M. Gasquet (1929); P. Champion (1934); Funck-Brentano (1943); J. Cordier (1948). Uma das melhores obras em inglês é a de Andrew Lang, The Maid of France (1908), particularmente em sua crítica à biografia cheia de preconceitos escrita por Anatole France. Citam-se ainda as obras de Hilaire Belloc (1930), C. F. Oddie (1931) e V. Sackville-West (1937). Acerca da peça de Bernard Shaw, St. Joan, cf. Bede Jarrett, em Blackfriars, maio de 1924, pp. 67 ss., e E. Robo, St. Joan (1948), onde há uma carta de Shaw. É importante a obra do Pe. Doncoeur, La minute française des interrogatoires de Jeanne la Pucelle (1958). Recomendamos o número da Vie Spirituelle, janeiro de 1954, pp. 84–98, onde se encontrarão documentos, bibliografias e julgamentos sobre a santa. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 2, pp. 404–405. Edição espanhola.
Ibid. pp. 407–411.
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