As Mártires Carmelitas de Compiègne e a Vida de São Aleixo (17 de Julho)
- Sacra Traditio

- 17 de jul.
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AS MÁRTIRES CARMELITAS DE COMPIÈGNE (1794)

A reforma teresiana do Carmelo foi aceita na França em 1604. Em 1641, a senhora de Louvancourt fundou naquele país o quinquagésimo terceiro convento da ordem, em Compiègne, e essa casa se distinguiu, desde o primeiro momento, por sua estrita observância.
A Revolução Francesa estourou em 1789. No início do ano seguinte, as comunidades religiosas foram suprimidas, exceto aquelas dedicadas ao ensino ou ao cuidado dos enfermos. Em agosto, foi realizada uma “visita” ao convento das carmelitas de Compiègne, cujos bens foram confiscados, e as religiosas, com vestes civis, foram expulsas do convento. Fora do claustro, dividiram-se em quatro grupos sob o comando, respectivamente, da superiora, da vice-superiora, da mestra de noviças e de uma religiosa professa. Os grupos separaram-se e cada um alojou-se em uma casa diferente, perto da igreja de Santo Antônio. Dentro das possibilidades nas circunstâncias, as religiosas observaram a regra e mantiveram vida de comunidade. Os grupos mantinham contato constante: uns com os outros, com a discrição necessária para evitar serem surpreendidos. Apesar de todas as precauções, em junho de 1794, as autoridades fizeram uma inspeção nas quatro casas e prenderam todas as monjas sob a acusação de que continuavam, ilegalmente, sua vida de comunidade, o que constituía uma conspiração contra a República. Com elas foi preso Moulot de la Ménardière por haver-lhes prestado auxílio. As religiosas foram encarceradas no antigo convento da Visitação de Compiègne. Na outra extremidade do mesmo edifício já estavam presas, desde outubro do ano anterior, as beneditinas inglesas de Cambrai. Em 1795 foi-lhes permitido regressar à Inglaterra e levar as roupas que as carmelitas haviam usado em Compiègne. Por essa razão, conservam-se muitas relíquias (como as de Stanbrook, Darlington, Lanherne, Chichester, Culton, Nova Subiaco e Nova Gales do Sul) e também os dados sobre elas registrados nos arquivos da abadia de Stanbrook, que foram de extraordinária utilidade quando serviram como testemunho no processo de beatificação das carmelitas.
Em 1790, as monjas de Compiègne haviam prestado o juramento — cuja legitimidade era muito discutida na época — de defender a Constituição, a liberdade e a igualdade. Mas, durante o período de prisão, a superiora mandou chamar o prefeito, e todas as religiosas se retrataram diante do notário do juramento que haviam feito, pois tal prática havia sido condenada pelo bispo de Soissons, entre outros. Três semanas mais tarde, as prisioneiras foram transferidas, entre insultos e maus-tratos, para a Conciergerie de Paris. Estavam vestidas com o hábito religioso, pois haviam deixado “para lavar” seus trajes civis. Durante o breve tempo em que estiveram encarceradas na Conciergerie, observaram suas regras tanto quanto possível; recitavam o ofício divino nas horas prescritas, e sua conduta era fonte de fortaleza para os demais prisioneiros. Três juízes se encarregaram de julgá-las. Fouquier-Tinville assumiu a acusação, mas não foi designado defensor para as acusadas. As acusações e provas apresentadas contra elas eram triviais ou infundadas, mas Fouquier-Tinville insistiu principalmente no fanatismo das religiosas. A irmã Maria Henriqueta enfrentou-o e perguntou-lhe o que entendia por esse termo. O fiscal respondeu: “Por esse termo entendo vossas crenças infantis e vosso apego estúpido às práticas religiosas.” A monja voltou-se então às suas irmãs e disse: “Como vedes, condenam-nos por nossa religião. Teremos a felicidade de morrer por Deus.” Todas foram condenadas à morte, assim como Moulot de la Ménardière, por haver “se inimizado com o povo ao conspirar contra a Constituição.” As carmelitas foram transportadas em carroças à “Place du Trône Renversé” (Praça do Trono Derrubado, atualmente Praça da Nação). A viagem durou mais de uma hora, que as religiosas empregaram em cantar o “Miserere”, a “Salve” e o “Te Deum”, e em recitar as orações pelos moribundos. Cada uma das vítimas, ao subir ao cadafalso, cantava o “Laudate Dominum omnes gentes”, o que impressionou profundamente a multidão e os guardas. Entre as dezesseis religiosas executadas havia dez professas de coro, uma noviça, três irmãs leigas e duas “torneiras”. A execução da noviça, que era a mais jovem, foi a primeira; a superiora foi guilhotinada por último. Os corpos das mártires foram lançados na vala onde jaziam os cadáveres de outras 1282 vítimas do “Terror”. O martírio ocorreu no dia 17 de julho de 1794.

A superiora, BEATA TERESA (MAGDALENA LEDOINE), tinha quarenta e dois anos e havia sido noviça em Saint-Denis, sob o governo de Luísa da França. O processo de beatificação demonstrou que ela merecia a honra dos altares, mesmo que não tivesse alcançado o martírio. Era uma mulher vivaz, encantadora, bem-educada e inteligente. A vice-superiora, BEATA SANTA LUÍSA (MARIA ANA BRIDEAU), era muito diferente: taciturna e meticulosa na observância da regra e da ordem. A BEATA CARLOTA (ANA MARIA THOURET) não havia pensado em entrar no convento, mas ao completar vinte anos, algo em sua vida a fez mudar de ideia e ela fez os votos carmelitas após um noviciado longo e difícil. A BEATA EURÁSIA (MARIA CLÁUDIA BRARD) era uma religiosa muito vivaz, cujo temperamento extremado a levava tanto a exagerar nas penitências quanto a pregar peças nos visitadores. Era muito inclinada a escrever cartas (sua correspondência com seu primo La Ménardière foi, em parte, causa da prisão das religiosas), e ainda se conservam algumas cartas suas e de seus correspondentes. A BEATA HENRIQUETA (GABRIELA DE CROISSY) era sobrinha-bisneta de Colbert. A BEATA JÚLIA LUÍSA era viúva de Cristião de Neufville. Seu esposo havia morrido após alguns anos de felicidade conjugal, e Júlia caiu em grande prostração. Quando ingressou no convento, parecia não estar disposta a perseverar. Uma frase sua pode aplicar-se a muitas almas que sofrem, mesmo sem o martírio pela fé: “Somos vítimas do estado de nossa época e devemos sacrificar-nos para que nossa época volte a Deus.” A BEATA MARIA HENRIQUETA (ANETTE PELRAS) foi quem enfrentou o advogado de acusação e declarou que a execução se devia a motivos religiosos. As duas “torneiras” chamavam-se CATARINA e TERESA SOIRON; a beata Teresa, que era muito bela, recusou o oferecimento da princesa de Lamballe, que lhe propusera trabalhar no convento das carmelitas de sua cidade natal. Apenas uma das vítimas tinha menos de trinta anos. A mais idosa tinha setenta e oito.
As mártires foram beatificadas em 1906. Foram as primeiras vítimas da Revolução a alcançar a honra dos altares. Durante o processo, o tribunal transferiu-se duas vezes para a abadia de Stanbrook, no distrito de Worcester, onde as beneditinas inglesas de Cambrai se haviam estabelecido em 1838.
A obrita de V. Pierre na coleção Les Saints está muito bem escrita. Veja-se o livro de C. de Grandmaison (1906), e os artigos de H. Chérot em Études (1904 e 1905). A madre Josefina (Francisca Philippe), que havia sido anteriormente superiora, deixou a comunidade na primavera de 1794. Em 1823, foi novamente admitida no Carmelo, e escreveu um valioso relato, que foi publicado em 1836, após sua morte. Em inglês, existe uma obra muito breve de E. M. Willson; Cf. Bruno, O.D.C., Le Sang du Carmel (1954). [1]
SÃO ALEIXO, O HOMEM DE DEUS — (SÉCULO V)

Conta-se que no início do século V vivia em Edessa da Síria um mendigo que o povo venerava como santo. Após sua morte, um autor anônimo escreveu sua biografia. Como desconhecia o nome do mendigo, chamou-o simplesmente de “o homem de Deus”. Segundo esse documento, o homem de Deus viveu na época do bispo Rábula, que morreu no ano 436. O mendigo compartilhava com outros miseráveis as esmolas que recebia às portas das igrejas e contentava-se com o que seus companheiros lhe deixavam. Após sua morte, foi sepultado na vala comum. Mas antes de morrer, revelou a um enfermeiro do hospital que ele era o único filho de um nobre romano. Quando o bispo soube do caso, mandou exumar o cadáver, mas encontraram apenas os andrajos do homem de Deus, e nenhum corpo. A fama do acontecimento espalhou-se rapidamente. Antes do século IX, o homem de Deus havia recebido na Grécia o nome de Aleixo, e São José o Hinógrafo (†833) deixou registrada numa "kanon" a lenda, naturalmente adornada com numerosos detalhes. Embora já se prestasse certo culto ao santo na Espanha, a devoção a São Aleixo popularizou-se no Ocidente graças à atividade de um bispo de Damasco, Sérgio, exilado em Roma no fim do século X. Esse bispo estabeleceu na igreja de São Bonifácio do Aventino um mosteiro de monges gregos, e nomeou São Aleixo copadroeiro da igreja. Como se dizia que São Aleixo era romano, o povo logo adotou a lenda e, desde então, o santo tornou-se muito popular. Conta-se que, no século XII, a lenda de São Aleixo exerceu profunda influência sobre o herege Pedro Valdo. No século XV, os Irmãos de São Aleixo o escolheram por padroeiro e, em 1817, a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e Maria o nomeou padroeiro secundário. Também no Oriente o povo lhe professa grande devoção e ainda o chama de “o homem de Deus.” A lenda deste predecessor de São José Benedito Labre, que também guarda certa semelhança com São João Calibita, pode resumir-se assim, pelo menos tal como circula no Ocidente:
São Aleixo era o filho único do rico senador romano, Eufêmio, e de sua esposa Aglaé. Nasceu e passou sua juventude em Roma, no século V. Seus pais lhe ensinaram, com o exemplo, que as riquezas distribuídas entre os pobres constituem um tesouro no céu — um tesouro repleto e transbordante. Assim, Aleixo socorria desde criança todos os necessitados que encontrava, considerando-os como benfeitores por aceitarem sua ajuda. Temendo que uma vida de honras o desviasse do fim principal da existência, Aleixo resolveu renunciar a todas as coisas e afastar-se do mundo. Para agradar seus pais, casou-se com uma jovem rica, mas no mesmo dia do matrimônio partiu de Roma, com o consentimento da esposa. Disfarçado de mendigo, chegou até a Síria, onde viveu em extrema pobreza numa miserável choupana contígua à igreja da Mãe de Deus, em Edessa. Assim passou dezessete anos, até que uma imagem da Santíssima Virgem falou para revelar ao povo a santidade de seu servo, a quem chamou de “o homem de Deus.” Então, São Aleixo fugiu novamente para Roma, para escapar das honras. Seu pai não o reconheceu, mas o acolheu como criado e permitiu que morasse numa pequena alcova sob a escada. Assim viveu Aleixo mais dezessete anos na casa de seu pai, suportando com paciência e silêncio que o tratassem como um servo. Após sua morte, encontrou-se um escrito em que ele revelava sua verdadeira identidade e narrava sua vida.
Alguns dos caminhos extraordinários que o Espírito Santo utiliza para santificar certos privilegiados são mais admiráveis do que imitáveis. Se os santos se empenham tanto em buscar as humilhações, podemos ao menos aproveitar diligentemente aquelas que a Providência de Deus nos envia. Somente através da humilhação podemos alcançar a verdadeira humildade e arrancar de nossos corações o orgulho. O veneno desse vício corrompe todos os estados e condições e, com frequência, sobrevive até nos homens que já conseguiram dominar todas as outras paixões. Até os mais perfeitos precisam lutar contra o orgulho e, se não nos esforçamos por extirpá-lo, em pouco tempo ele destruirá todo o bem existente em nossa vida. O orgulho se esconde por trás das melhores ações, espreita-nos a cada passo e pode nos assaltar em qualquer momento. E quanto mais enraizado está, mais difícil é descobri-lo e combatê-lo. São João Clímaco narra que um noviço, a quem seu superior havia repreendido pela soberba que demonstrava, respondeu: “Perdoai-me, meu pai, mas não sou soberbo.” O superior replicou, com razão: “Nada prova melhor que o és do que o fato de que o ignoras.”
Essa exortação à humildade encaixa-se perfeitamente na história de São Aleixo. Mas a vida do santo é também um excelente exemplo de como uma lenda cresce e se deforma com o tempo. Detenhamo-nos apenas em alguns pontos: por exemplo, a fuga de Aleixo no próprio dia do casamento é um incidente muito comum nos anais hagiográficos. Evidentemente, um homem sensato que não deseja casar-se não espera até o dia do matrimônio para fugir; mas, naturalmente, o fato de aguardar até o dia do casamento impressiona mais a imaginação popular. Outro exemplo: a imagem que revela ao povo a santidade do homem de Deus oferece ao hagiógrafo um pretexto edificante para fazer o personagem retornar à sua pátria. Embora em 1217 tenham sido encontradas algumas relíquias na igreja de São Bonifácio, em Roma, o único fato certo que sabemos sobre São Aleixo é que ele viveu, morreu e foi sepultado em Edessa. Nenhum martirológio antigo e nenhum livro litúrgico romano menciona o nome de São Aleixo, o qual, ao que parece, era desconhecido na Cidade Eterna até o ano de 972.
A. Amiaud editou em La légende syriaque de S. Alexis (1889) o texto sírio do século V, no qual se narra que o “homem de Deus” revelou, antes de morrer, que havia nascido em Roma. Em Analecta Bollandiana, vol. XIX (1900), pp. 241-256, encontra-se o texto da versão grega mais conhecida; ao que parece, o texto grego foi redigido em Roma. As versões latinas podem ser consultadas nos Acta Sanctorum, julho, vol. IV. A literatura sobre o tema é enorme. Merecem menção especial os artigos de Poncelet na Science Catholique, vol. IV (1890), e de Mons. Duchesne em Mélanges d'Archéologie, vol. X (1890). Sobre São Aleixo na arte, cf. Kinstle, Ikonographie der Heiligen, II, pp. 48-49. Sobre os aspectos folclóricos, cf. Báchtold-Stäubli, Handwörterbuch des deutschen Aberglaubens, vol. III, pp. 201-262. Veja-se também Analecta Bollandiana, vol. LIXI (1944), pp. 281-283; vol. LXIXI (1945), pp. 48-55; e vol. LXV (1947), pp. 157-195. Neste último artigo, o Pe. B. de Gaiffier cita outros vinte e um exemplos tirados da hagiografia de maridos que abandonaram a esposa imediatamente após o matrimônio sem a haver tocado ("Intactam sponsam relinquens"), ou de casais que, tendo sido forçados a casar-se, fizeram voto de virgindade. Tais exemplos vão desde os Actae Thomae até Bernardo de Montjoux. O Pe. de Gaiffier estuda também a evolução da lenda da fuga de São Aleixo. [2]
Referência:
Butler, Alban. Vida dos Santos, vol. 3, pp. 131–133.
Ibid. pp. 124-125.


























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